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20140730

criei um personagem, e agora?

muitos jovens literatos costumam me enviar perguntas sobre o que fazer com um personagem, uma vez concebido. questões éticas sobre os direitos ou vontades desse personagem parecem turvar um pouco a visão criativa de alguns colegas. outros se encontram simplesmente paralisados ante a infinitude de possibilidades para cada personagem, e acabam vendo sua estória definhar entre episódios cotidianos totalmente desinteressantes e situações absurdas que parecem ser a única maneira de empuxar a narrativa. nada disso, no entanto, importa; desde que seu personagem seja fera, BEM fera. no momento em que vivemos, o da pós-narrativa neoantidramática, pode-se dizer que toda a nossa energia criativa deve se concentrar na criação do personagem. então ele existe (como imagem, acima de tudo) e já não é mais preciso contar o que acontece com ele. ele de fato não precisa fazer nada - é claro, desde que ele cumpra sua função primordial: a de ser muito fera. com isso feito, basta a você, criador antenado com seu tempo e sua realidade, presentear o mundo com sua criação. espalhe seu personagem por aí! coloque-o em todos os lugares, absolutamente todos! ele merece viver por si só, longe do mofo da velha narrativa, longe de situações mal-ajambradas e descrições desnecessárias. deixe-o viver, e ele viverá. talvez ele morra, mas se isso acontecer é porque ele não é fera o suficiente (lembre-se: essa é a única coisa que importa). só assim seu sucesso será pleno.



20140424

ZAMBRA, Alejandro - "A Vida Privada das Árvores", pg. 76:


"Como representar o que acontece enquanto conversam, o que deixam de dizer um para o outro, aquele fundo de censuras tímidas, de minúcias, que se agita enquanto falam? Como iluminar as áreas que ambos decidiram deixar às escuras?"




20120814

Tradução: pepinão!


"O que hoje em dia se vende nas lojas"

Koratíguin foi até a casa de Tikakêiev e não o encontrou lá.
E Tikakêiev nessa hora estava em uma loja comprando açúcar, carne e pepinos.
Koratíguin deu umas voltas ao redor da porta de Tikakêiev e já tinha resolvido escrever um bilhete, quando de repente viu que vinha o próprio Tikakêiev carregando nas mãos uma sacola de lona.
Koratíguin avistou Tikakêiev e gritou para ele:
- Eu já estou esperando o senhor há uma hora inteira!
- Não é verdade – diz Tikakêiev, - eu estou fora de casa há apenas vinte e cinco minutos.
- Oras, isso eu não sei – disse Koratíguin – só sei que já estou aqui há uma hora.
- Não minta! – disse Tikakêiev – É vergonhoso mentir.
- Prezadíssimo senhor! – disse Koratíguin – Tome cuidado ao escolher suas expressões.
- Eu considero… - começou  Tikakêiev, mas Koratíguin o interrompeu:
- Se você considera… - ele disse. Mas aí Tikakêiev interrompeu Koratíguin e disse:
- Que você é mesmo bom!
Essas palavras enfureceram tanto Koratíguin que ele pressionou um dedo contra uma narina e assoou a outra narina em Tikakêiev.
Então Tikakêiev tirou da sacola o maior pepino de todos e bateu com ele na cabeça de Koratíguin.
Koratíguin colocou as mãos atrás da cabeça, caiu e morreu.
Veja só que grandes pepinos são vendidos hoje em dia nas lojas!

                                        - Daniil Kharms, 19 de agosto de 1936


20111223

Gabriel queria escrever um romance. Ele já havia escrito outras coisas antes, é claro: historinhas, na denominação utilizada pelos parentes mais próximos e por aqueles que possuíam qualquer dosagem de senso crítico; agora, porém, queria escrever um romance.
O procedimento é relativamente simples, ao menos no que diz respeito ao seu aspecto, digamos, braçal: adquire-se o equipamento necessário, que pode ser uma agenda telefônica e caneta ou uma área suficientemente grande de areia na praia e um pedaço de pau (no caso, optou-se por um computador), dedica-se uma quantidade suficiente de tempo e procede-se com a técnica repetitiva e mecânica de desenhar letras ou pressionar teclas. É isto o que fazem aqueles que escrevem romances e, ao fazê-lo, Gabriel não poderia ser diferenciado de nenhum de seus grandes heróis da Literatura com L maiúsculo.
No entanto, findas algumas horas e diante da página quase completamente vazia, Gabriel percebeu que a tarefa era muito menos simples do que inicialmente se lhe havia apresentado. Dispondo ainda do tempo que havia reservado em seu cronograma e no intento de atiçar a criatividade, nosso intrépido herói deu uma rápida olhada ao redor, à procura de qualquer objeto que lhe servisse de inspiração.
Ao seu lado, encostado à parede e coberto de poeira, estava o antigo violão. Um violão é um instrumento musical e, portanto, artístico; a música e a literatura são espécies diferentes de um mesmo gênero e, portanto, o empenho a uma certamente renderia seus frutos à outra. Dotado de tal convicção, Gabriel tomou o violão em suas mãos e pôs-se a dedilhar uma das raras melodias que subsistiam em sua memória. Os dedos correram sozinhos pelas cordas, engasgando-se, às vezes, mas demonstrando-se razoavelmente corretos.
Produziram um som odioso.
Gabriel percebeu-se, então, diante de um novo problema: não sabia como afinar o instrumento. Dirigiu os olhos tentados à tela do computador, em cujo canto superior esquerdo reluzia o ícone do navegador Firefox, deixado ali a postos. Um dilema moral nasceu dessa observação: havia imposto a si mesmo a restrição de não desperdiçar seu tempo de escrita na internet, vício dos vícios. No entanto, tocar o violão era, de certa forma, parte do processo de escrita, e aprender como afiná-lo era parte do processo de tocar o violão. Após alguma reflexão, consentiu em liberar-se de sua restrição, desde que fosse exclusivamente com este bom intento.
Após alguma pesquisa, porém, observou outra dificuldade: não lhe bastava simplesmente mimetizar os sons que alguns sites ofereciam, para saber que o violão estava afinado. Era preciso ir a fundo, refletir sobre a natureza das escalas musicais, sobre a razão de ser das variações microtonais etc. Não o fazer seria reduzir seu empenho musical a uma tarefa isenta de raciocínio crítico, o que obviamente contrariava as demandas mais básicas da escrita literária — e afinal, era isso o que ele estava fazendo: escrevendo.
Imergiu-se, assim, no estudo de teoria musical. Evidentemente, um dia não lhe bastou, então os dias se passaram e ele lia com olhos vidrados tudo o que podia encontrar sobre o assunto. Após quatro anos, julgou-se apto a, enfim, afinar o violão, o que de fato fez.
Terminado este primeiro passo, Gabriel pôs-se a tocar, agora com muito mais clareza e convicção e até mesmo a compor. Sempre que lhe ocorria voltar os olhos á página em branco e talvez pressionar uma ou outra tecla, percebia que ainda não estava pronto, de forma que voltava a correr os dedos pelas cordas.
Até que, é claro, aquilo já não lhe bastava. No oitavo ano, saiu de casa apressado e comprou um contrabaixo. Depois, seguiram-lhe um sax, um piano de cauda, uma flauta doce, uma cuíca, uma gaita diatônica etc. No décimo quinto ano, após breve vislumbre do cursor que piscava impaciente na página vazia do Word, Gabriel decidiu que era hora de investir mais seriamente na literatura, motivo pelo qual comprou os mais avançados equipamentos de gravação e edição de som e sintetizou, em seu quarto, mesmo, seu primeiro álbum musical.
O sucesso desse primeiro disco fez com que um segundo fosse lançado, em obra que contou com a feliz participação da Berliner Philharmoniker.
Notando que nem a aclamação popular, nem os inúmeros prêmios, nem os milhões de dólares adicionados à sua conta bancária lhe eram suficientes para a escrita, Gabriel então percebeu que estava se desviando demasiadamente de seu caminho. No vigésimo oitavo ano de produção do romance, ele decidiu que era necessária uma completa reviravolta em sua vida, de forma que foi imediatamente a uma loja próxima e adquiriu acetona, carvão, tinta a óleo e telas. Repetiu os procedimentos de estudo e prática e, no trigésimo terceiro ano, foi destaque tanto no Moma quanto no Tate.
O que, evidentemente, não se deu sem seus contratempos: teve que recusar o convite para participar em uma campanha publicitária de televisores Sony, porque, conforme afirmou em japonês irrepreensível (aprendido como forma de inspiração e ampliação de horizontes linguísticos) ao exasperado representante de marketing da empresa, isso atrasaria o término de seu livro, que, afinal, era seu principal propósito.
Após similares incursões ao teatro, cinema, arquitetura e escultura, Gabriel chegou mesmo a inventar novas modalidades artísticas, utilizando-se de meios e linguagens nunca antes concebidas. Aos oitenta e oito anos, teve um enorme monumento em sua homenagem erguido na plataforma espacial Tiangong e celebrações foram realizadas pelo mundo nas ocasiões de seus aniversários de noventa, noventa e cinco e cem anos.
Quando faleceu, aos cento e quatro anos, uma editora alemã conseguiu os direitos de publicação de seu romance, consistindo em uma capa em que figurava apenas seu nome e três folhas quase completamente em branco, com duas ou três palavras espalhadas de forma aparentemente aleatória em cada uma. Os jornais do mundo todo noticiaram com tristeza a ocorrência e ressaltaram o afinco de seus estudos, seus contínuos esforços nos mais variados campos do saber e, acima de tudo, o empenho irrestrito à literatura.

20110722

Enquanto isso, em uma van prestes a se envolver em um acidente em uma estrada na Guatemala...

"You know, I like books that can teach me something, that give me information. I never read fiction."

20101101

Trecho de uma biografia incerta (ou: Tampão)

O Rapaz veio me perguntar as horas e era um bocado claro pra mim que horas eram, com o relógio imenso da estação batendo seis horas e tudo o mais, mas mesmo assim eu parei de andar e meti a mão no bolso pra tirar o celular com prontidão e lhe disse que eram quinze para as três, ele me agradeceu e saiu correndo para a plataforma amarela. Me senti meio culpado com aquela troça gratuita, mas continuei meu caminho como quem continua a cozinhar um ensopado depois de precisar abanar os gatinhos da cozinha por eles deixarem o ambiente sujo demais, em suma: não me abalei mais.
Da segunda vem que o Rapaz apareceu no meu caminho, isso foi uns três dias depois e mais ou menos na mesma região, admito que meu coração se apertou um pouquinho e eu não resisti, cheguei e a ele e lhe disse "oh, Rapaz, que parece tão perdido e faminto, veja que sou de bem e não lhe quero mal algum e por isso lhe convido: vou beliscar uns provolones e bebericar alguma coisa qualquer ali na próxima rua e queria muito sua companhia, pois que pretendo fumar enquanto belisco e beberico e detesto fumar sozinho - que me diz?". O Rapaz aceitou de bom-grado e logo que nos instalamos tirou de seu colete cheio de bolsinhos alguns aparatos que me pareceram extremamente misteriosos. Enquanto o balconista botava na nossa frente o pratinho com os provolones boiando em óleo temperado, os palitos de dente e dois cálices gelados de steinhaeger, o Rapaz abriu uma caixinha aqui, outra ali, repetiu alguns gestos e por fim tirou daquela operação toda dois cigarros perfeitamente enrolados. Assombrado, peguei por meu o que estava mais próximo de mim, ele o acendeu em meus lábios e passamos a fumar enquanto beliscávamos as bolinhas de queijo e bicávamos nossos cálices. Minha vergonha era grande demais para lhe perguntar o que exatamente eram aquelas coisas todas e como era ele capaz de produzir tabaco de tamanha qualidade com aquela rapidez, mas não foi preciso - uma vez dadas as primeiras baforadas, o Rapaz começou a me contar sua história.
Ele era um jovem talento do violino e saiu de sua cidade natal, onde era reverenciado por todos como filho-prodígio daquela terra tristonha, em busca de seu maior sonho. Isso ele não me disse, ou, se disse, o destilado alemão prontamente me apagou da mente.
É esperado que eu lhes diga que não me lembro como cheguei ao pequeno apartamento dele, mas aqui eu tiro minha carta da manga: me lembro de tudo, com perfeição! De como nossa conta foi gentilmente encerrada e seguimos em frente na rua da Liberdade, virando à esquerda na Joaquim Iago e pegamos a terceira à direita, depois da Praça Ípiro, e subimos no prédio verde da esquina entre a Filipina e a Guarda Florestal. Como podem ver, o álcool passa por meu corpo de maneira estupendamente rápida quando ingiro qualquer quantidade de gordura temperada.
Lá dentro, enquanto fumávamos outro de seus incríveis cigarrinhos, o Rapaz me mostrou um jogo de cartas absolutamente incompreensível, acho que dizia se chamar Labuta ou então Fagote (nem mesmo o nome parecia ter sentido, de modo que eu não fui capaz de retê-lo na memória). Jogamos e rimos a noite inteira, até que eu cai no sono com a cabeça apoiada num batente carcomido. Sonhei com coelhos, com Irene e com uma escola muito-muito grande, mas exatamente como isso tudo se articulava me escapa da razão até hoje.
O dia seguinte me pegou desprevenido, como se diz: com a calça nos pés - não literalmente, óbvio, já que eu nunca levo minhas calças abaixo sem ser em meu próprio quarto ou banheiro. O Rapaz tinha ido embora, mas deixara um bilhete simpático, em que dizia ter ido comprar breu para o violino e depois se apresentar em exame no Conservatório Prad, e também um prato com ovos frios. Aquilo me embrulhou o estômago, pela simples lembrança de que Irene teria adorado comer aqueles ovos com o pão preto que sua mãe fazia aos sábados...
Virei as costas e deixei o apartamento, perturbado com aquela nostalgia toda. Quem sabe, algum miasma do meu sonho permanecesse ao redor de minha cabeça, precisava ventilar o couro cabeludo com urgência! Foi assim que cheguei em casa, meia hora de passo rápido (quase um trote, na verdade) depois: enxarcado de suor, com olheiras do tamanho de pires e sem as minhas chaves.

20101019

Literatura Publicista

Dois pequenos-bois encontravam-se atónitos. À frente deles (na hierarquia, porque no carro era de trás que estralava o chicote) estava um senhor admirável que já há algum tempo cuidava de imaginar ser possível plantar algo bom, mas se via sem perspectivas e com os dois tocava para a rodovia. Ao menos seu filho continuava na chaloça pra ver se surgiam uns brotinhos, hêm. E, bem, cansados demais para andar ou não, lá iam os pequenos-bois em frente balangueando com músicas na cabeça.



O que estava mais à esquerda já parara de ruminar o último matinho que arrancara do campo há um tempo, mas ainda guardava ali entre os dentes tudo que seu maior companheiro do passado – também boi, mas já aposentando-se com honras - lhe dera: um broto especial, que todos queriam saborear e que ele havia sido bom o bastante para guardar para o momento em que pudesse dividir com todos.

Olhava para frente quando dava e o sol estava deixando ele vermelho, mas não ligava, porque pelo menos o mantinha acordado. A despeito de tudo, ele ainda tem mais fôlego do que seu companheiro, que já se anuncia mais velho...também, pudera, era um boi que circulara mais por essas fazendas ditas importantes. Havia sido de outros donos, de outros tempos, já fora até mesmo garanhão e até mesmo se achava meio pastor às vezes. Mas dessa vez estava uns dois passos atrás e até um pouco amarelado de sabe-se lá o que. Bolsas fundas lá nos olhos dele.

Uns passarinhos bicudos ora pousavam nele, ora se rebuliçavam por cima e davam umas mordiscadas, mas... ele não parecia se incomodar muito, não. Resmungava, fingia que não estavam lá, mas era quase que necessário. “Coitados, veja só o sol. Pelo menos assim têm companhia de alguém maior...”

“Hêm. Boi é tudo igual. Boi é tudo igual”, resmungava o senhor que bem ou mal tinha lá o freio e o chicote nas mãos.


E enquanto passavam e passavam devagar, os dois bois sentiam que não agüentariam. Bem, um deles teria que permanecer para carregá-lo...o outro, que se esfalfe, que não vai ter jeito. O sol cada vez mais forte....e eis que um dos dois, que infelizmente não pude ver pois na hora fiquei de ponta-cabeça e perdi as noções de direita e esquerda, se desprendeu, foi chicoteado pelo dono por isso e ainda se espreguiçando e mugindo meio fraco caiu na beira da estrada. O dono e o boi ainda atrelado olharam por alguns instantes, mas tem-se que prosseguir e tiveram que deixá-lo lá mesmo.

O boi caído continuava achando que poderia voltar, mas...que baita sol e que tristeza de se ter solto, que grande vergonha. Cedo ou tarde iria acontecer, mas...nunca se sabia quando e ele muito menos, todos diziam que ele agüentaria certeiro até o fim, mesmo quando duvidavam de sua capacidade no começo...

Ele respirou fundo, levantou o pescoço e deu uma olhada em volta para ver se encontrava alguém, e ei-lá que viu um espantalho mirrado, mirrado, mas de porte ainda sisudo que o encarava de longe. O sol devia fazer mal igual pros dois, ele pensou, que não tinham nada ali.
O boi conseguiu se arrastar até o espantalho, que meio antipático ou não era a única companhia no momento. Ele levantou o que conseguiu do pescoço e esperou o espantalho se manifestar. Ele se virou ali, mostrou ao boi que os dois tostariam, mas...arre, que dali a alguns anos tudo aconteceria de novo. O boi caiu morto.

O espantalho suspirou e...ainda encontrando ânimo, disse:



- Viva o Brasil!

20100516

BEOTIBARRECO GUDUA

(canção épica, c. séc. XVI)

Mila urte y garota
Ure vere videan.
Guipuzcoarroc sartu dira
Gasteluco etchean;
Nafarrokin hartu dira
Beotibarre pelean, etc.

20100323

Manifesto "Porra na cara"!

Que pau de arara o quê? Porra na cara!

Ela ajoelhada me olha nos olhos me chama com jeito e eu vou bem na cara dela esporro-a no olho nas narinas em tudo! Ela tem nojo[ sei e vejo isso no jeito como enruga a cara toda ]mas sorri finge gostar engole um pouco da porra e diz que me ama.

Porra literatura porra! As artes têm que ser um jorro seminal na face dos pobres coitados que a recebem esperançosos! Têm que preencher tudo não deixar nada vazio enfiar-se pelo nariz até o cérebro

tem que ser gozo pra quem goza e gozo sofrido pra quem recebe.

Porra na cara porra!

Eu o masturbo eo chupo e sinto que alguma coisa vai rolar ele aperta meu braço com força e puxa minha cabeça pra longe e bum na minha cara no meu rosto nos meus olhos nas minhas narinas em meu tudo! Tenho nojo mas faço cara de quem gosta e ele me acha safada por causa disso e morre de tesão.

Ora nem sei por onde começar! Foda-se, engulam.

20100310

Assim Funciona Uma República

Vou citar aqui um texto que está num livro da época em que minha mãe tava apenas começando as traduções de literatura hispano-portenha:

" - Bem, Tranján - Enrique rodopiou o prato sobre a bancada - Você já sabe que não confiei e nunca confiaria em Igor Goleja depois dos trâmites...legais em que ele se envolveu com a Rulleyo.

Tranján fungou e se remexeu, esperando o prato cair ou que Julia fizesse qualquer comentário inesperado que atrapalhasse o gordo.

- De todo modo, é exemplar que nas fábricas nós tenhamos conseguido disfarçar a presença dele. Existem pelo menos outros três gerentes mais cabeludos, mais competentes e muito menos confiáveis, sob o ponto de vista de Juan Quijón, dos quais eu me livraria antes de encostar um dedo no seu amigo.

- Igor só se envolveu com Rulleyo depois que Buenos Aires ficou fora de cogitação para vocês dois, isso é fato! - protestou Julia, de batom borrado.

- E vai se esculachar!

O gordo e Tranján riram-se tanto que o prato, obviamente uma louça tré¹ fina, se espatifou no chão, espalhando os capeletti pela cozinha da moça. Julia ofendeu-se de tal modo que o pano de chão que procurou foi o pior que poderia encontrar.

- Mas não se preocupe, paquita. Nós vamos cuidar bem dele."


¹Em francês, no original.

extraído de "El aborígene", de Antón H. Rojilo

20091208

Comunhão

Mas me alegrou ver o que você escreveu!
No fim, estamos em sintonia. Não me chame de "comunista" ou de "vermeho", que a questão está longe de passar pelo crivo social. (Apesar de alguma tendência anti-artistocrática). Não, não, quanto a isso pode ficar...sossegado.

De todo modo...é evidente que eu não posso deixar de reparar que há um desprezo pelas minhas convicções. Vá lá, vá lá - é como disse, sejamos todos Padres Sérgios, ou somente padres, perdoemos, perdoemos. Não é a junção do corpo com a mente, justamente o perdão? Pois que seja.

Só não vamos nos esquecer que Padre Sérgio foi militar antes e encontrou na reclusão uma espécie de "vocação cômoda", como eu fiz questão de esconder em minha réplica, para ver se o senhor havia compreendido.

Bem, vamos botar uma pedra em cima desse assunto. Deixo um presente de paz:

20091207

Réplica.

Bom, para mim isso não diz que estamos presos ao papel não, meu amigo. O senhor, pelo menos, está é preso pela religião, ou melhor, pela religiosidade e misticismo.

(Quer dizer, Kafka talvez estivesse - preso ao papel, não à religião. Mas Kafka ficou atormentado porque ninguém lia suas coisas, essa que é a verdade. Só se pode levar a sério um escritor que tenha se colocado ativamente e criticamente em relação a seu PRÓPRIO ofício mediante sucesso ainda em vida.)

"Papel preso a nossas Almas". Nas nossas mentes, vá lá, mas na alma, é? Que raio de alma é essa? Não digo que não exista, mas durma-se com um barulho desses. Se o senhor vê isso aqui como alguma forma de sublimação, ou de elevação espiritual, se o senhor acha que sendo um artista consegue realizar seu desejo de querubim frustrado, vá ler Joyce e arrependa-se em segredo!

Mas não me venha com essa. Religiosidades frustradas e precárias em torno de "papel na nossa alma" são do pior tipo. Sejamos Padres Sérgios, pois. Que trabalhemos em segredo, mas sem buscar o segredo - e sem buscar que os outros saibam do nosso segredo. Não digo, com isso, que não se deve publicar nada - falo em relação ao trabalho interior. Ao ofício-em-si. Sem esperanças de purificação pós-vida. Sem ilusões de reconhecimento póstumo. Ao inferno com tudo isso, que o trabalho impresso seja dado como feito, que passemos ao próximo obstinados, mas obstinados por estarmos cultivando um ofício, não melhor nem pior do que qualquer outro.

Somos incapazes de pensamentos puros, nossos? Mas se o senhor acredita nessa palavra - e sublinho que a questão é a palavra - alma, é óbvio que não estamos livres, pois de chofre o senhor já está vinculado a uma crença um tanto quanto duvidosa!

A verdadeira religião e a verdadeira alma emanarão naturalmente e não serão chamadas assim. Se quiser que sejam "bigorna" e "badulaque", respectivamente, que sejam - mas eu as negarei assim que colocares esses nomes, pois estarão novamente instituídos. Meu ponto gira em torno do impronunciável. Não se pode nomear o que se vai experimentar durante a fatura de sua "obra" (se quiser ser mais petulante ainda, que diga então 'obra artística') - pois isso implicará na qualificação da sensação, seja negativa ou positiva do ponto de vista de sua crença instituída.

Que faça da sua "prisão" uma prisão muda e branca, que o senhor por disciplina não conseguirá definir. Aí, sim, o seu pensamento "puro" irá despontar, aí sim sentirás que seu/sua/a/o/e/k/c/ "_________" ou



ou



irá aparecer.

20091107

A CRIATIVIDADE VEM JUSTAMENTE QUANDO PERDEMOS O TREM (de rimas estou farto | de ideias estou flatus)

Não é possível que ele consiga trabalhar tanto com a cabeça de forma a criar mundos e fundos sem quaisquer tipos de dificuldades!

O que ele diz:

- Escrevo todos os dias por cerca de 8 horas e sempre jogo fora as primeiras 3 horas do trabalho porque são sempre lixo.

O que eu entendo:

- Passo 3 horas tentando escrever alguma coisa, batendo a cabeça contra o teclado ou enfiando a caneta na boca e chupando a tinta ou dormindo no sofá; nas outras 5 consigo escrever algumas linhas mas mesmo assim é tudo lixo e talvez essa história toda de escrever me deixe muito triste.

A verdade:

- Não me importo com entrevistas não me importo com a verdade eu só quero paz e seu dinheiro vá embora daqui.

A mentira:

- Não me importo com vocês não me importo com a verdade o que eu mais quero é a paz e ganhar um pouco de dinheiro isso tudo não é nada vá embora daqui.

Uma parte:

- Não te ouço mas não importa, não estou aqui como datílografo.




Arre, que chateação! Vou para Acapulco.

20090812

Review for "Budapeste" (Chico Buarque)

Tirado de http://hellhorror.com/books/review/36929/Budapest-.html

"This was our book club book last month (...) Our readers found the book confusing, sliding from dreams to reality and interchanging characters in the process. The plot doesn't go anywhere and neither do the characters - a frustrating combination. (...) Reading this was like watching a fringe foreign film with subtitles that jumps from place to place, character to character without any rhyme or reason. When it ends you are left scratching your head wondering if you simply 'missed something.' In this case, you didn't."

20090609

Atividade_5: Doutor F.

“Acredito que o momento mais difícil desse processo seja, ao final de tudo, tirar o lençol. É nesse momento em que expomos o nosso trabalho, nossa monstruosidade para o mundo, mesmo que ninguém mais efetivamente veja o que fizemos. É complicado.

Expomos nosso trabalho ao ar que nos cerca, aos olhares de desgosto, inclusive o nosso próprio. Pois mesmo que saibamos em nossas mentes o resultado de tudo aquilo... O nosso trabalho é feito quase sempre debaixo do lençol, por trás de uma névoa segura que isola nossos monstros em uma outra realidade, um outro modo de existência. Ao erguer o lençol, estamos destruindo esta ilusão, aceitando a existência de nossas monstruosidades mais íntimas; não podemos mais negar a proximidade daquilo que fizemos e de nós mesmos, nossas mãos estão impregnadas pelo fruto do nosso trabalho.

Este momento crítico de revelação se agrava ainda mais por não termos, ao nosso lado, a mesma euforia que tínhamos antes, durante o trabalho febril e apaixonado que resultou naquilo tudo. Estamos de volta aos nossos sentidos, não há mais desculpa para nossa consciência; só nos resta enfrentar a nossa criatura, nosso monstro irreversivelmente concebido. Arrancar o lençol é descobrir este monstro logo ali, colado à nossa pele – e não mais em algum ponto distante de nossas mentes ou almas. Quando se ergue o lençol, caímos de volta ao mundo do real e do racional, somos surpreendidos por essa luz dura justamente no momento que expomos o que nós temos de mais vulnerável, o ponto mais maleável de nossa carne à mercê de um mundo pontiagudo. Não é fácil.

Mesmo assim continuo, continuamos criando nossos monstros, um após o outro, erguendo o lençol e sofrendo a cada vez que somos forçados a encarar nossas criações. Pois isso é encarar o que há de pior em nós, é destruir as ilusões confortáveis de que somos, ao final de tudo, boas pessoas. Fazemos isso porque somos escravos de nosso poder, do êxtase que o segue e que nos domina. Tentamos nos tornar deuses, mas nosso poder é incompleto, a nossa vida não é viva e nem é bela – é horrenda e monstruosa; é a Morte nos encarando na sua forma mais primitiva.”

[Ingolstad's Tribune - Julho de 1915]