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20100304
20100127
Octeto via telefone, dum trocadero, Primeira Parte.
Cuidado ao entrar na cabine telefônica. Em Buenos Aires, é onde estão as verdadeiras, às quais eu me refiro, e que não são exatamente cabines telefônicas, sendo chamadas de, bem, na verdade não lembro e o que vem à cabeça é “trocadero”, uma óbvia confusão.
Escove direito as calças, Odete, pois o ar já está cheio demais sem os fiapinhos de veludo que podem ficar grudados aí e, bom, aí eles entram em casa e todo mundo tosse mais do que eu mesmo. Mas quedê a fanfarra?
E oito homens bem-apanhados, vestindo exuberantes ternos azul-turquesa, de veludo mesmo: com abotoadoras douradas, botões esmaltados e feitos de um material que parecia imitar prata barata, listras um pouco escuras, mais para o preto do que para o musgo; calças que devem ser confortáveis como as de um pijama, bem macias e alargadas sem que o tamanho causasse uma impressão de obesidade em nenhum dos rapazes (excetuando-se talvez um deles, já mais míope, que a colocou ao contrário, deixando transparecer uma ‘bolsa de pano’ em sua região púbica, extremamente desconcertante), e sobre os sapatos nada a declarar, a não ser o fato de que não combinavam com meias muito grossas, e eram pretos.
Os instrumentos foram tocados como se toca uma fanfarra, e os com palheta soavam como se ainda estivessem frios, a não ser por um saxofone umedecido e paposo, cujo dono não queria gastar com palhetas feitas de bambu que exploravam o trabalho de um chinesinho camponês em campos de semi-escravidão; as notas eram um pouco mais erráticas, em relação às alturas, descendo mais do que seria confortável, mas por outro lado os secos não possuíam qualquer timbre destacável e o som dos lábios e línguas naqueles palitinhos de sorvete era incômodo; a caixa estourou logo na segunda música obrigando-o a recorrer às palmas e sorrisos (para estimular mais palmas) para providenciar o pulso. E não obstante, antes mesmo da caixa estourar ou dos timbres serem ouvidos, eles entraram todos por uma única porta, que não era muito larga, então todo o conjunto havia se enfileirado meio acabrunhado e tentando gastar o mínimo de tempo possível na operação. O trombonista estava fatigado, porque casara-se no mesmo dia e ainda estava com o terno de noivo por baixo da roupa, completamente encharcado de suor e com os dedos sujos de tinta (era analfabeto e não pudera assinar a certidão de casamento), tateando para desespero do outro trombonista – pois o instrumento que o recém-casado tocaria havia sido emprestado por esse já civilmente estabelecido – as teclas de sua segunda melhor corneta, ou algo que o valha. Sujeira, sujeira, e ainda um terno apertado no senhor da tuba, não porque fosse gordo, mas porque houvesse goma; goma em demasia na camisa, e por conseqüência o terno não caía bem no tecido endurecido, que só amolecia na parte de trás do ombro esquerdo do homem, onde passava o, bem, chamarei, berrante do coiso.
E Odete nisso? Escovou a calça, mas o que é uma calça frente a oito ternos? Eu a fiz tossir, tossir de culpa e não me arrependi na hora, mas só porque a música era agradável, apesar dos pesares. Achei que ela também se divertia, mas tive que mandá-los parar, dada a gravidade do estado de saúde dela, e fui eu mesmo passar uma escova nos ternos.
Paguei as passagens rapidamente e os enviei à capital argentina, onde entraram no trocadero às minhas custas e ocuparam cada um uma das oito – fui ajudado pela Providência – cabines do local e esperaram a instalação das oito linhas telefônicas cá em casa, que rapidamente foram aprontadas e discaram os doze dígitos.
Estava funcionando: polifonia, octofonia, na verdade, via telefone, em uma sala circular.
Tirei as calças, depois de dispensar Odete. Ouvi as músicas com atenção. Cortei as ligações e fiquei contemplando o vilarejo à minha frente: quanta gente burra. Mas eu gosto de todas, e chamei uma rua por vez para ouvir minha fanfarra internacional via telefones. Aos poucos, fui ganhando o respeito até mesmo do consertador de estantes, Haroldo, que me visitou primeiro a título de convidado, depois como convidado-por-ele-mesmo e depois a fim de me prestar uma homenagem, dando-me de graça quatro estantes de uma madeira linda, que usei para colocar alguns livros e três dos oito telefones.
Não demorou para que percebesse que estava enganado ao qualificar de “gente burra” a população que me cercava: burro sou eu, pois eles são mais inteligentes do que parecem. Como ondas, logo me abandonaram também, acho que cansados da octofonia. Bem, em breve seria o batismo da nova praça e ao invés de seguir o conselho de um de meus verdadeiros amigos e “não me apoquentar”, quis investir no negócio. Queria, obviamente, que a praça levasse o meu nome. Nesse estágio, eu já tossia a cada minuto durante uns quinze segundos, o que me dava pouquíssimo tempo útil para negociações políticas. A maneira mais rápida e barata – não que manter um trocadero próprio em Buenos Aires estivesse me saindo uma pechincha – que encontrei foi revolucionar o gênero e acrescentar um nono integrante à fanfarra.
Escove direito as calças, Odete, pois o ar já está cheio demais sem os fiapinhos de veludo que podem ficar grudados aí e, bom, aí eles entram em casa e todo mundo tosse mais do que eu mesmo. Mas quedê a fanfarra?
E oito homens bem-apanhados, vestindo exuberantes ternos azul-turquesa, de veludo mesmo: com abotoadoras douradas, botões esmaltados e feitos de um material que parecia imitar prata barata, listras um pouco escuras, mais para o preto do que para o musgo; calças que devem ser confortáveis como as de um pijama, bem macias e alargadas sem que o tamanho causasse uma impressão de obesidade em nenhum dos rapazes (excetuando-se talvez um deles, já mais míope, que a colocou ao contrário, deixando transparecer uma ‘bolsa de pano’ em sua região púbica, extremamente desconcertante), e sobre os sapatos nada a declarar, a não ser o fato de que não combinavam com meias muito grossas, e eram pretos.
Os instrumentos foram tocados como se toca uma fanfarra, e os com palheta soavam como se ainda estivessem frios, a não ser por um saxofone umedecido e paposo, cujo dono não queria gastar com palhetas feitas de bambu que exploravam o trabalho de um chinesinho camponês em campos de semi-escravidão; as notas eram um pouco mais erráticas, em relação às alturas, descendo mais do que seria confortável, mas por outro lado os secos não possuíam qualquer timbre destacável e o som dos lábios e línguas naqueles palitinhos de sorvete era incômodo; a caixa estourou logo na segunda música obrigando-o a recorrer às palmas e sorrisos (para estimular mais palmas) para providenciar o pulso. E não obstante, antes mesmo da caixa estourar ou dos timbres serem ouvidos, eles entraram todos por uma única porta, que não era muito larga, então todo o conjunto havia se enfileirado meio acabrunhado e tentando gastar o mínimo de tempo possível na operação. O trombonista estava fatigado, porque casara-se no mesmo dia e ainda estava com o terno de noivo por baixo da roupa, completamente encharcado de suor e com os dedos sujos de tinta (era analfabeto e não pudera assinar a certidão de casamento), tateando para desespero do outro trombonista – pois o instrumento que o recém-casado tocaria havia sido emprestado por esse já civilmente estabelecido – as teclas de sua segunda melhor corneta, ou algo que o valha. Sujeira, sujeira, e ainda um terno apertado no senhor da tuba, não porque fosse gordo, mas porque houvesse goma; goma em demasia na camisa, e por conseqüência o terno não caía bem no tecido endurecido, que só amolecia na parte de trás do ombro esquerdo do homem, onde passava o, bem, chamarei, berrante do coiso.
E Odete nisso? Escovou a calça, mas o que é uma calça frente a oito ternos? Eu a fiz tossir, tossir de culpa e não me arrependi na hora, mas só porque a música era agradável, apesar dos pesares. Achei que ela também se divertia, mas tive que mandá-los parar, dada a gravidade do estado de saúde dela, e fui eu mesmo passar uma escova nos ternos.
Paguei as passagens rapidamente e os enviei à capital argentina, onde entraram no trocadero às minhas custas e ocuparam cada um uma das oito – fui ajudado pela Providência – cabines do local e esperaram a instalação das oito linhas telefônicas cá em casa, que rapidamente foram aprontadas e discaram os doze dígitos.
Estava funcionando: polifonia, octofonia, na verdade, via telefone, em uma sala circular.
Tirei as calças, depois de dispensar Odete. Ouvi as músicas com atenção. Cortei as ligações e fiquei contemplando o vilarejo à minha frente: quanta gente burra. Mas eu gosto de todas, e chamei uma rua por vez para ouvir minha fanfarra internacional via telefones. Aos poucos, fui ganhando o respeito até mesmo do consertador de estantes, Haroldo, que me visitou primeiro a título de convidado, depois como convidado-por-ele-mesmo e depois a fim de me prestar uma homenagem, dando-me de graça quatro estantes de uma madeira linda, que usei para colocar alguns livros e três dos oito telefones.
Não demorou para que percebesse que estava enganado ao qualificar de “gente burra” a população que me cercava: burro sou eu, pois eles são mais inteligentes do que parecem. Como ondas, logo me abandonaram também, acho que cansados da octofonia. Bem, em breve seria o batismo da nova praça e ao invés de seguir o conselho de um de meus verdadeiros amigos e “não me apoquentar”, quis investir no negócio. Queria, obviamente, que a praça levasse o meu nome. Nesse estágio, eu já tossia a cada minuto durante uns quinze segundos, o que me dava pouquíssimo tempo útil para negociações políticas. A maneira mais rápida e barata – não que manter um trocadero próprio em Buenos Aires estivesse me saindo uma pechincha – que encontrei foi revolucionar o gênero e acrescentar um nono integrante à fanfarra.
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