20170601

nem sempre dum gozo resulta um poema

nem sempre dum gozo resulta um poema
minto
quase nunca dum gozo resulta um poema
(não era mentira, então
o quase nunca está no nem sempre
o nunca quase nem está no sempre

ou seja: sim, às vezes pode ser assim)
porque dum gozo resulta o sono
ou a tristeza ou o cigarro ou
a pressa de se vestir e ir ao trabalho ou
o banho o papel higiênico os lenços umedecidos
ou do gozo resulta o gozo
outro gozo – seu, nosso, deles –
isto é
o gozo quântico
(ouvi falar do gozo de fulano
dizem que fulano gozou bem
gozou forte
gritou e gemeu e
daí nasce outro gozo, aqui, em mim, transmitido via pensamento
boato telepatia telecinese
simultaneamente, direto da apatia elétrica do universo)

– seu gozo pode muito bem vir a ser meu gozo
ainda que minha cabeça esteja alheia aos gozos dos outros
e, especialmente, à poesia –

pois:

nem sempre dum poema resulta um gozo, até
os poemas broxam, vazam nas mãos nos lençóis nas nádegas e
às vezes nas bocas nos seios nos cabelos ou
no látex nos seus úteros nas tuas entranhas
os miúdos

; minto
quase nunca dum poema resulta um gozo
um poema não é perfeito
um poema não tem fim
não se mata nem mata

[o gozo
[corre e
[pontua