acordei me sentindo um carneirinho.
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20130414
20130301
Foi um sonho relativamente longo.
Eu sei que sonhos não são realmente mais longos ou mais curtos, sei que
eles só duram alguns segundos e que, se parecem se estender por horas, é
só porque essa é a impressão que deixam em nosso cérebro, mas, dentro
dessa concepção muito específica de duração, que só se aplica aos
sonhos, aos delírios e à vida, esse foi um sonho relativamente longo. Eu
me lembro do tato, me lembro perfeitamente do som, mas não me lembro de
muitas imagens: apenas do cigarro e do fogo.
Seria melhor se eu estivesse em um gramado sombreado por árvores ou em
um banquinho à margem de algum rio, mas não havia cenário, não havia
companhia, não havia horizonte; apenas o cigarro e o fogo. O cigarro
queimava devagar. Estava na minha mão e eu sentia o papel e a palha
dentro dele (não havia filtro, não era um cigarro fabricado. Também não
havia o fedor de cigarro, mas um cheiro como o de pinhas na lareira.) e
sentia um calor fraco nos dedos. Ele fazia o ruído baixinho e eterno de
uma fogueira pequena --- o crecrec confortável, quente e ameaçador das
coisas que queimam sem pressa ---, mais intenso quando eu tragava e sua
luz aumentava e o papel se incendiava minusculamente entre meus dedos,
mais fraco nos intervalos, quando eu me distraía e ele podia respirar.
Provavelmente, havia algo ao meu redor, algum estímulo visual qualquer,
talvez vozes. Provavelmente, se eu conheço meus sonhos, havia mais
gente, comigo.
Mas eu me lembro do cheiro, do tato e do som e da imagem do cigarro e do fogo, apenas.
20130226
lágrimas de jacaré
acordei hoje de um sonho muito contente: eu assistia no
youtube um vídeo de coreanos sorriam muito em uma praia, vestindo um de seus amigos de jacaré. eu também teria sorrido um monte, se
estivesse lá.
era uma fantasia muito-muito incrível: uma lona plástica
verde por cima do torso, a cabeça do jacaré em espuma e o escolhido para
interpretá-lo dando urros de jacaré que pareciam arrotos. em determinado
momento, os amigos decidiam que o jacaré ainda estava muito mirrado e começavam
a bombear ar para a roupa de lona, que crescia-crescia até ficar gigantesca. eles então passavam uma resina verde em spray para fixar bem as escamas de papelão. não lembro como o
amigo-jacaré fazia para se locomover, porque a roupa parecia pesada, mas ele se
punha a dar uns passos pela beirada do mar, arrotando e rindo, até ser puxado
por uma onda imensa que levou a roupa embora. eles deviam ter muitas delas ou
eram muito desapegados, porque continuaram genuinamente felizes!
e, depois disso tudo, terei eu mesmo um dia muito feliz.
tenham um bom dia, meus amigos!
PS: o jacaré só chora no bote por causa dos canais lacrimais
curtos.
20130130
nostalgia
quando eu era criança, tinha um sonho recorrente.
sonhava que era "adulto" - chuto na casa dos 30, era alto e me vestia de forma séria e tudo.
eu estava investigando alguma coisa (mais uma sensação do que uma certeza) e andava pelo meu bairro. as ruas estavam todas vazias, a maioria das lojas estavam fechadas ou tinham falido; talvez eu estivesse perseguindo alguém. eu sei que eu entrava em uma padaria, que existia no caminho da minha casa pro colégio.
lembro que era perto de uma escola pra surdos, porque sempre tinham jovens conversando por sinais na frente dela. meu pai fazia uma piada meio horrível, falando que os donos da padaria tinham reclamado no colégio por que eles faziam muito barulho com aquela conversa toda.
no sonho a padaria já tinha falido, estava cheia de entulhos e completamente escura. eu entrava com muito cuidado, perseguindo alguém que tinha se escondido ali. aí essa pessoa atirava em mim.
e eu morria.
.
.
.
passei boa parte da minha juventude recontando esse sonho, e brincando que eu iria morrer ali, um dia. eu só entrei lá uma vez, com um amigo, e tomamos um suco de limão. o lugar era bem decadente, com uns painéis de madeira e fotos desbotadas de milk-shakes fictícios.
uns anos atrás a padaria fechou.
aí reformaram ela toda, e hoje em dia tem uma oficina de carros no lugar (especializada em instalação de som, se não me engano).
nada a ver.
sonhava que era "adulto" - chuto na casa dos 30, era alto e me vestia de forma séria e tudo.
eu estava investigando alguma coisa (mais uma sensação do que uma certeza) e andava pelo meu bairro. as ruas estavam todas vazias, a maioria das lojas estavam fechadas ou tinham falido; talvez eu estivesse perseguindo alguém. eu sei que eu entrava em uma padaria, que existia no caminho da minha casa pro colégio.
lembro que era perto de uma escola pra surdos, porque sempre tinham jovens conversando por sinais na frente dela. meu pai fazia uma piada meio horrível, falando que os donos da padaria tinham reclamado no colégio por que eles faziam muito barulho com aquela conversa toda.
no sonho a padaria já tinha falido, estava cheia de entulhos e completamente escura. eu entrava com muito cuidado, perseguindo alguém que tinha se escondido ali. aí essa pessoa atirava em mim.
e eu morria.
.
.
.
passei boa parte da minha juventude recontando esse sonho, e brincando que eu iria morrer ali, um dia. eu só entrei lá uma vez, com um amigo, e tomamos um suco de limão. o lugar era bem decadente, com uns painéis de madeira e fotos desbotadas de milk-shakes fictícios.
uns anos atrás a padaria fechou.
aí reformaram ela toda, e hoje em dia tem uma oficina de carros no lugar (especializada em instalação de som, se não me engano).
nada a ver.
20121115
hoje eu acordei com vontade de contar uma coisa pra vocês.
eu sonhei que jogava bichinhos de bexiga pela janela do meu quarto, e de vez em quando eles pulavam/voavam de volta pra minha mão e eu jogava de novo, até que eu acertei um deles (três bexigas amarradas que formavam quase uma ave) em cima do telhado do meu quintal.
daí ele virou um corvo morto.
enquanto em olhava outras coisas no quintal, três gralhas começaram a comer o corvo morto no telhado do meu quintal. elas arrancavam as penas e abriam buracos na carne do corvo morto e eu me sentia muito satisfeito, devolvendo o corvo morto pra natureza e fazendo com que ele cumprisse seu papel no mundo. e continuei olhando por aí.
as gralhas tinham relógios e blusões de marca, às vezes.
dado certo momento, as gralhas furaram o saco de vísceras do corvo morto, e as vísceras do corvo morto começaram a se esparramar pelo telhado do meu quintal. eu, mais que ligeiro, comecei a fechar a janela do meu quarto, porque aquilo ia começar a feder muito.
lembro de ter pensado 'puta merda, essas gralhas não vão comer todas as vísceras do corvo morto, e eu vou ter que recolher víscera de corvo do meu quintal e isso vai feder pra caralho'.
aí enquanto eu fechava a janela uma mosca muito gorda bateu no meu pescoço.
e eu acordei.
daí ele virou um corvo morto.
enquanto em olhava outras coisas no quintal, três gralhas começaram a comer o corvo morto no telhado do meu quintal. elas arrancavam as penas e abriam buracos na carne do corvo morto e eu me sentia muito satisfeito, devolvendo o corvo morto pra natureza e fazendo com que ele cumprisse seu papel no mundo. e continuei olhando por aí.
as gralhas tinham relógios e blusões de marca, às vezes.
dado certo momento, as gralhas furaram o saco de vísceras do corvo morto, e as vísceras do corvo morto começaram a se esparramar pelo telhado do meu quintal. eu, mais que ligeiro, comecei a fechar a janela do meu quarto, porque aquilo ia começar a feder muito.
lembro de ter pensado 'puta merda, essas gralhas não vão comer todas as vísceras do corvo morto, e eu vou ter que recolher víscera de corvo do meu quintal e isso vai feder pra caralho'.
aí enquanto eu fechava a janela uma mosca muito gorda bateu no meu pescoço.
e eu acordei.
isto é:
beijo de boa-noite,
corvo morto,
gralhas,
H.Chiurciu,
ler nas tripas,
sonho
20110624
Ram-Tsa-Kah IV
Ram-Tsa-Kah IV from Luis Felipe Labaki on Vimeo.
isto é:
conto,
deserto,
egito,
ram-tsa-ka,
saga,
sonho,
Swordfishtrombone,
videoarte
20101225
Manhã de Natal
Fui dormir espremido entre uma crise de bronquite e uma barriga cheia demais de comes-e-bebes natalícios. Com a digestão comprometida pela falta de ar, meus amiguinhos tiveram que vir em meu auxílio, os sempre-nobres Beroteque e Atrovente. Caí no sono, enfim.
Fui abduzido por alienígenas que me transformaram em um desenho sem cores, congelado no desespero de olhar o mapa que me mostravam, dizendo onde estávamos, para onde estávamos indo (seu planeta) e de onde estávamos vindo (minha casa): o caminho que minha raça teria que percorrer para me resgatar, diziam. Enquanto isso, eles preenchiam minha cara com traços fortes de lápis-de-cor, laranja para a pele e azul nos vincos ao redor dos olhos para representar minha angústia (algo razoavelmente parecido, no fim das contas, com aquele álbum do Crimson King, só que um bocado mais rústico). Era impossível voltar, porque eu e minha raça não tínhamos a Compreensão: das coisas, dos lugares, do espaço. A Compreensão era só deles, prova disso era que nosso GoogleMaps ainda mostrava o território brasileiro como ele sempre fora, quando na realidade, no GoogleMaps DELES, Pernambuco estava preso em um oceano estranho ao lado de uma ilha cor-de-rosa - seu planeta (leur planète). Saí em busca de ajuda pela nave labiríntica, enquanto os alienígenas se riam de mim, de minha incapacidade congênita, meu desespero. Mas eu encontrei, filhosdasputas, eu encontrei!! Aquela garrafinha abaloada com o líquido que me traria a Compreensão! Esfreguei um pouco dele, como fosse uma colônia, na minha testa e na minha nuca. Fui, como se diz, Iluminado. Passei a Compreender, e dizia com grande propriedade, <<todas as coisas são todas as coisas, e todas as coisas não são coisa nenhuma!>>, enquanto eles, malditos despressurizados, me diziam para parar com aquele fingimento, aquela pseudo-iluminação de banca de jornal, aforismo patético, etc.etc., mas eu fui até o computador e VI, num fléche de luz e o mapa era um zoom infinito que ia e voltava e não seguia pra parte alguma, um aproximar e re-aproximar da pequena ilha cor-de-rosa mas cada vez de uma maneira diferente. Eu quebrei as regras, eu me livrei, eu tinha a Compreensão de que não significava nada eu estar aqui ou ali ou no fundo do espaço indo pruma ilha cor-de-rosa transformado em desenho, eu era e estava (i was) o que/onde/quando eu quisesse. E assim dei por mim com a garrafinha abaloada ensinando aos outros, amigos meus ou coisa assim, a como passar o líquido, como ter a Compreensão.
Acordei com a bexiga explodindo de tanto mijo e só me dei conta que já eram onze da manhã quando comecei a escrever aqui, nessa ilha cor-de-rosa.
isto é:
álcool,
ANARQUIA,
Compreensão,
ficção científica,
H.Chiurciu,
malditos despressurizados,
mensagem,
natal,
rosa,
ruim,
sonho
20100421
Ela estava em um corredor comprido demais,
e andava e andava até chegar a uma sala maior do que seu apartamento. Havia grama no chão e uma estátua grega e um homem negro sentado, fumando. Ela se aproximou e os dois começaram a conversar.
Quando tinha doze anos, Sara sonhou com o avô que morrera no ano anterior. Ela acordou sorrindo e pensou em ligar para ele até que a realidade veio e ela chorou por horas. A partir de então é que desenvolveu uma técnica para não mais confundir seus sonhos com realidades. Desde aquela noite, dormindo ou acordada, Sara sempre se pegava analisando a situação em que se encontrava e procurando elementos impossíveis, que denunciassem que estava sonhando. Em outra noite, sonhara que estava em um jantar de família e de novo o avô aparecera. Não era tão estranho que o avô estivesse lá, apesar de morto, porque nos sonhos essas coisas são simplesmente aceitas como verdade. Mas ela sabia que os jantares de família aconteciam sempre na casa de sua tia materna e que o avô desprezava essa tia desde 1992, quando ela se casara com um pintor ao invés de um advogado. Toda a família o havia tentado convencer de que a rixa era infantil e infundada, mas o velho nunca mais pisara na casa da filha, e foi a primeira vez em que a técnica de Sara lhe serviu para deduzir que a cena simplesmente não podia ser real.
Agora, enquanto conversava com o homem que nunca conhecera, Sara percebia que o tanto que ele sabia sobre ela mesma não era normal, e sua mente automaticamente começou a procurar elementos que denunciassem que a conversa se tratava de um sonho. Eles estavam no topo de uma colina impossivelmente alta, em um chalé de madeira com uma chaminé. A visão vertiginosa era um bom indício, mas foi o fogo aceso no verão que a levou a acreditar que nada daquilo era real. Depois ela percebeu que era fevereiro e que naquela época ela ainda estava em Araraquara, mas que o homem falava de coisas que só viriam a acontecer em São Paulo.
Isso é um sonho, ela disse, e o homem, que se chamava Marcos, concordou com a cabeça. Você não pode estar aqui, ela acusou. Marcos, porém, acendeu um cigarro e se sentou em uma poltrona velha e olhou para ela rindo. Não, ele disse. Essa é a minha casa, pelo menos em um certo sentido. Você é quem não pode estar aqui.
E então, ele acordou.
20090609
"Meus filhos serão músicos (roqueiros!) :)"
"As vezes dá vontade de casar logo e ter um monte de filho só pra me divertir com eles, fico eu aqui imaginando:O molequinho de 3 anos entrando (de metido) escondido de madrugada no meu quarto, ligando o amp e começando a bater nas cordas fazendo aquela esporrera toda!!! Aí quando eu acordo e vejo o que está acontecendo fico todo orgulhoso! "Mulhééé vem ver, o garoto tá tocando guitarra!!!" E aproveitando o gancho já ensino o primeiro riff de rock pra ele!!! :)É um sonho, mas enfim, espero que Deus me dê essa benção! Amém!"
- fill.zanchez, Membro Novato
(ou poderia ser: 'V.D.F., O Amigão de Zurawski')
"O Diabo é o pai do Rock"
- um desatualizado.
- fill.zanchez, Membro Novato
(ou poderia ser: 'V.D.F., O Amigão de Zurawski')
"O Diabo é o pai do Rock"
- um desatualizado.
isto é:
audiovisual,
esporrera toda,
filhos,
futuro da nação,
glauber rocha,
intrigas,
música,
rock,
sonho,
Swordfishtrombone
20090606
Fazendo as contas, no fim das contas, continuo sendo exatamente o mesmo.
Fomos 5, eu era 1 - ou seja, infinito -, mas, quando se fizeram 2, que trouxeram os 4 para todos, eu, infinito, tornei-me nada: sumi.
20090602
Foi Gustavo quem me chamou para morar na república,
mas quando eu cheguei lá, todos estavam, menos ele. Todos eram Laura, Alex e Joana. E agora, eu. Eu era Rodrigo e Fernando, eu era todo mundo. Eu era todos os que sentem vergonha ou o desconforto de estar e não ser. As pessoas gostam de substantivos, como se as pessoas ou as coisas fossem elas mesmas, quando na verdade nós muitas vezes somos um tempo, um verbo. Eu era, portanto, entrar, corar, pedir licença.
Laura e Joana ficaram olhando e não disseram nada, enquanto Alex parecia não ligar para mim, então eu disse oi e o meu nome, e contei da oferta de Gustavo, me surpreendendo quando Alex perguntou se então eu ia morar ali. Ia. Ele assentiu, elas voltaram ao que quer que estivessem fazendo e foi só então que, enquanto levava minhas coisas para um dos quartos, eu me senti em casa.
Eram dois quartos, na casa, então supus com razão que eles eram divididos entre o masculino e o feminino. Ajeitei minhas coisas no quarto que Gustavo até então dividia com Alex e, na falta de uma terceira cama, estendi um lençol sobre um sofá velho, que me seria mais do que suficiente. Experimentei deitar e testar as almofadas, que me pareceram confortáveis o bastante. Depois, quando me levantava, Gustavo entrou, feliz pela minha aparente adaptação à nova casa. Então, ele perguntou o que achei. Respondi um ótimo ótimo e joguei novamente a cabeça para trás, soltando-me sobre o sofá e provando o que dizia. Ele ficou satisfeito, e me chamou para a sala, onde eu finalmente teria uma chance de conversar com meus novos companheiros de casa.
Joana ainda era Joana, ainda era uma pessoa silenciosa e arisca, ainda me olhava com alguma indiferença enquanto costurava alguma coisa. Essa era ela e não era exatamente hostilidade o que ela me direcionava, ao contrário de Alex, que claramente também era ainda Alex, e me evitava abertamente. Laura era quem mais havia mudado e agora falava comigo de forma quase franca, demonstrando um humor muito próximo ao de Gustavo, o que, a essa altura, muito me agradou. Ela pegou um violão e os dois insistiram muito para que Alex o tocasse, então foi logo no primeiro dia que eu formei a imagem que guardaria por todo o tempo que se seguiu como sendo a de meus companheiros: Alex encostado na parede, o violão tocando uma música que eu não conhecia; Joana deitada de bruços com a cabeça apoiada nas mãos e os pés erguidos para o ar; Gustavo abraçando as pernas, sentado; Laura olhando vidrada, quase sem se dar conta de que sorria, e por muito tempo eu me perguntei se era a visão em primeira pessoa o que me impedia de fazer parte da cena.
As tarefas se dividiam, louça num dia, lixo no outro, as despesas, idem, e assim é que vivíamos. Depois que cheguei na casa, que ficava a mais de cem quilômetros de qualquer coisa, mais de um mês se passou antes de eu sair dali para qualquer motivo que não fosse comprar comida, materiais de higiene e qualquer coisa que fosse necessária na casa, mas essas coisas nós comprávamos numa mercearia não tão distante, de forma que ninguém havia ido para a cidade propriamente dita durante todo esse período. Até onde eu podia saber, mesmo antes de minha chegada era assim que viviam e a única ida à cidade de que tomei conhecimento foi a própria viagem de Gustavo, quando de minha chegada. Calcula-se: éramos todos novos e confinados, bebíamos e nos amávamos, tínhamos-nos por irmãos e companheiros.
Durante três semanas, sentávamos no chão da sala e Alex ou eu tocávamos alguma coisa no violão (em geral ele, que era mesmo melhor) e abríamos garrafas de vinho tinto ou de cachaça artesanal, e Laura dançava, e Gustavo dançava e eu dançava. Por fim caíamos, de sono, de bêbados ou de dançar, no chão da sala e lá infinitávamos nossas noites.
Já na primeira semana, percebi que ninguém ali se dedicava a nada que não a convivência. Para conseguir o pouco dinheiro que tínhamos, Joana escrevia poesia, Laura e Gustavo pintavam e Alex compunha modinhas e músicas populares, e as poesias eram nós, as telas eram nós, as músicas eram nós. E eu tinha meu notebook e fazia trabalhos freelancer de design.
Em tudo, acho que éramos assim. Eles eram eles, eu era quase. Inicialmente, achei que Alex havia visto em mim um rival, o que não seria absurdo, embora eu não admitisse à época. Hoje em dia talvez tenha uma ideia melhor do que de fato acontecia, e se for este o caso, afirmo aqui que o receio que ele demonstrava se assemelhava menos à competitividade entre machos do reino animal do que à xenofobia. Eu nunca consegui deixar de ser um estranho, ali, por mais que nenhum de nós se desse conta disso; eu era uma lembrança constante de que havia um mundo lá fora; de que a vida não era só uma casa com vinho e música e artes. Como eu disse anteriormente, não era assim que eu entendia as coisas à época, assim como provavelmente não era essa a interpretação de nenhum dos demais, mas me parece suficientemente verossímil enquanto teoria, e funciona bem como metáfora. Ademais, serve como ligação com as coisas que aconteceriam depois, quando tudo mudou.
Alex ainda se recusava a abrir-se comigo, mas não pôde esconder quando começou a enamorar-se de Joana. Apesar de ter dito, e não menti, que nos amássemos, aquele foi o primeiro envolvimento afetivo, no sentido que talvez outro daria à expressão, entre pessoas da casa. Depois, muita coisa mudou.
Primeiro, tivemos que mudar a organização dos quartos, de forma que Laura passou a ficar comigo e com Gustavo. Essa questão, porém, foi secundária. Depois que passaram a estar juntos, Joana e Alex começaram a frequentar a cidade diariamente.
Como crianças novas demais, os dois demonstravam uma sede enorme de ver tudo quanto havia na noite urbana, ansiavam por ir a cinemas e teatros, a restaurantes e boates e, também como crianças, voltavam para casa à noite escondendo, por meio de relatos incríveis, a frustração por não conseguirem realmente pertencer àquele meio. Sim, adianto-me às adivinhações que decerto surgem da forma como dispus os fatos, e confirmo que me senti vingado quando percebi a forma como Alex e Joana agora se sentiam frente ao mundo que se lhes impunha. Ouso dizer mais: que foi desse meu sentimento de vingança que começou a nascer minha atual compreensão da minha situação estrangeira na casa, e não errará quem estipular que eu aproveitei os novos fatos para tentar reverter minha condição.
Foi quando soubemos, por meio dos aparentemente entusiasmados Alex e Joana, que haveria na cidade uma festa noturna de rua, uma espécie de carnaval fora de época. Animados com a recente euforia metropolitana de Alex e Joana, Gustavo e Laura se interessaram em participar da festa, o que gerou uma situação quase conveniente demais para que pusesse em prática meus planos de aumento de popularidade e intimidade com meus companheiros.
Foi estranho pisar novamente nas ruas esburacadas, nas calçadas tortas. Foi estranho estar novamente entre milhares, ao invés de cinco. A cidade ainda era linda. Imaginar aqueles jovens outrora reclusos se movendo pelas ruas escuras, pelas calçadas esburacadas e pelos corredores abarrotados de gente, imaginá-los entrando em bares, desviando-se de automóveis, trombando com desconhecidos, imaginá-los usando banheiros químicos e dançando ao som de trios elétrios, pode ser desafiador, e se serve de consolo ao leitor, confesso que mesmo visualizar as cenas me foi custoso. Eles eram tímidos, mas não podiam evitar que se destacassem dos demais, e eram maravilhosos e eu os amei demais naquele momento. Eu, se não completamente afeito à situação, era ao menos o mais descontraído dos cinco, mas ainda me doía que não me seguissem. No começo, achei que fosse o entusiasmo, ou essa necessidade que aqueles que se encontram artificialmente em uma determinada posição têm de legitimar que ali estejam ainda que para isso tenham que agir de forma exagerada, muitas vezes forçando uma autoridade maior do que a daqueles que ali nasceram. Essa teoria me explicava o por quê de não recorrerem a mim, mas logo meu incômodo se tornou demasiado.
Não me ouviam (nem Gustavo, nem Laura!), não me incluíam nas conversas entre eles ou com estranhos, não me procuravam quando me desgarrava. Por três vezes fomos obrigados a parar e pedir informações e nas três vezes fui eu quem conseguiu as melhores respostas. Só por isso é que, em uma quarta ocasião, Alex virou-se para mim e perguntou se será que eu poderia ver isso com aquele grupo, porque por algum motivo eu me dou bem com essas pessoas, e foi então que eu fiquei realmente nervoso e falei girando no meio do grupo (porque falava para todos, e não apenas para Alex) que é óbvio que eles se dão melhor comigo porque eles são eu e tudo o que vocês procuram aqui sou eu e eu estou com vocês o tempo todo, mas eu não entendo por quê eu não sirvo.
Eu estava girando e também bêbado, e eu via todos eles, menos Alex e Joana que já não estavam lá (teriam ido perguntar, teriam...), eu via todos, Gustavo, eu via Laura do lado dele e eu no meio e eu via a forma como ela me olhava e foi então que eu entendi.
Depois, não sei bem. Acho que tive um branco, um apagão. Talvez eu só não me lembre. Lembro de Laura, depois. Gustavo foi comprar cerveja, eu acho, ou ao banheiro, ou talvez ele estivesse ali, mesmo, e eu é que não via. Eu falei para Laura que eu tinha entendido, eu falei que eu estou perdendo, não é, e ela disse que sim. Eu disse o jogo, não é, e ela disse que era. Depois eu vi Gustavo, ou então ele voltou. Depois a gente estava em casa, tanto faz. Quando eu cheguei eram quatro pessoas, depois dois casais viraram o mundo. E eu perdi.
Laura e Joana ficaram olhando e não disseram nada, enquanto Alex parecia não ligar para mim, então eu disse oi e o meu nome, e contei da oferta de Gustavo, me surpreendendo quando Alex perguntou se então eu ia morar ali. Ia. Ele assentiu, elas voltaram ao que quer que estivessem fazendo e foi só então que, enquanto levava minhas coisas para um dos quartos, eu me senti em casa.
Eram dois quartos, na casa, então supus com razão que eles eram divididos entre o masculino e o feminino. Ajeitei minhas coisas no quarto que Gustavo até então dividia com Alex e, na falta de uma terceira cama, estendi um lençol sobre um sofá velho, que me seria mais do que suficiente. Experimentei deitar e testar as almofadas, que me pareceram confortáveis o bastante. Depois, quando me levantava, Gustavo entrou, feliz pela minha aparente adaptação à nova casa. Então, ele perguntou o que achei. Respondi um ótimo ótimo e joguei novamente a cabeça para trás, soltando-me sobre o sofá e provando o que dizia. Ele ficou satisfeito, e me chamou para a sala, onde eu finalmente teria uma chance de conversar com meus novos companheiros de casa.
Joana ainda era Joana, ainda era uma pessoa silenciosa e arisca, ainda me olhava com alguma indiferença enquanto costurava alguma coisa. Essa era ela e não era exatamente hostilidade o que ela me direcionava, ao contrário de Alex, que claramente também era ainda Alex, e me evitava abertamente. Laura era quem mais havia mudado e agora falava comigo de forma quase franca, demonstrando um humor muito próximo ao de Gustavo, o que, a essa altura, muito me agradou. Ela pegou um violão e os dois insistiram muito para que Alex o tocasse, então foi logo no primeiro dia que eu formei a imagem que guardaria por todo o tempo que se seguiu como sendo a de meus companheiros: Alex encostado na parede, o violão tocando uma música que eu não conhecia; Joana deitada de bruços com a cabeça apoiada nas mãos e os pés erguidos para o ar; Gustavo abraçando as pernas, sentado; Laura olhando vidrada, quase sem se dar conta de que sorria, e por muito tempo eu me perguntei se era a visão em primeira pessoa o que me impedia de fazer parte da cena.
As tarefas se dividiam, louça num dia, lixo no outro, as despesas, idem, e assim é que vivíamos. Depois que cheguei na casa, que ficava a mais de cem quilômetros de qualquer coisa, mais de um mês se passou antes de eu sair dali para qualquer motivo que não fosse comprar comida, materiais de higiene e qualquer coisa que fosse necessária na casa, mas essas coisas nós comprávamos numa mercearia não tão distante, de forma que ninguém havia ido para a cidade propriamente dita durante todo esse período. Até onde eu podia saber, mesmo antes de minha chegada era assim que viviam e a única ida à cidade de que tomei conhecimento foi a própria viagem de Gustavo, quando de minha chegada. Calcula-se: éramos todos novos e confinados, bebíamos e nos amávamos, tínhamos-nos por irmãos e companheiros.
Durante três semanas, sentávamos no chão da sala e Alex ou eu tocávamos alguma coisa no violão (em geral ele, que era mesmo melhor) e abríamos garrafas de vinho tinto ou de cachaça artesanal, e Laura dançava, e Gustavo dançava e eu dançava. Por fim caíamos, de sono, de bêbados ou de dançar, no chão da sala e lá infinitávamos nossas noites.
Já na primeira semana, percebi que ninguém ali se dedicava a nada que não a convivência. Para conseguir o pouco dinheiro que tínhamos, Joana escrevia poesia, Laura e Gustavo pintavam e Alex compunha modinhas e músicas populares, e as poesias eram nós, as telas eram nós, as músicas eram nós. E eu tinha meu notebook e fazia trabalhos freelancer de design.
Em tudo, acho que éramos assim. Eles eram eles, eu era quase. Inicialmente, achei que Alex havia visto em mim um rival, o que não seria absurdo, embora eu não admitisse à época. Hoje em dia talvez tenha uma ideia melhor do que de fato acontecia, e se for este o caso, afirmo aqui que o receio que ele demonstrava se assemelhava menos à competitividade entre machos do reino animal do que à xenofobia. Eu nunca consegui deixar de ser um estranho, ali, por mais que nenhum de nós se desse conta disso; eu era uma lembrança constante de que havia um mundo lá fora; de que a vida não era só uma casa com vinho e música e artes. Como eu disse anteriormente, não era assim que eu entendia as coisas à época, assim como provavelmente não era essa a interpretação de nenhum dos demais, mas me parece suficientemente verossímil enquanto teoria, e funciona bem como metáfora. Ademais, serve como ligação com as coisas que aconteceriam depois, quando tudo mudou.
Alex ainda se recusava a abrir-se comigo, mas não pôde esconder quando começou a enamorar-se de Joana. Apesar de ter dito, e não menti, que nos amássemos, aquele foi o primeiro envolvimento afetivo, no sentido que talvez outro daria à expressão, entre pessoas da casa. Depois, muita coisa mudou.
Primeiro, tivemos que mudar a organização dos quartos, de forma que Laura passou a ficar comigo e com Gustavo. Essa questão, porém, foi secundária. Depois que passaram a estar juntos, Joana e Alex começaram a frequentar a cidade diariamente.
Como crianças novas demais, os dois demonstravam uma sede enorme de ver tudo quanto havia na noite urbana, ansiavam por ir a cinemas e teatros, a restaurantes e boates e, também como crianças, voltavam para casa à noite escondendo, por meio de relatos incríveis, a frustração por não conseguirem realmente pertencer àquele meio. Sim, adianto-me às adivinhações que decerto surgem da forma como dispus os fatos, e confirmo que me senti vingado quando percebi a forma como Alex e Joana agora se sentiam frente ao mundo que se lhes impunha. Ouso dizer mais: que foi desse meu sentimento de vingança que começou a nascer minha atual compreensão da minha situação estrangeira na casa, e não errará quem estipular que eu aproveitei os novos fatos para tentar reverter minha condição.
Foi quando soubemos, por meio dos aparentemente entusiasmados Alex e Joana, que haveria na cidade uma festa noturna de rua, uma espécie de carnaval fora de época. Animados com a recente euforia metropolitana de Alex e Joana, Gustavo e Laura se interessaram em participar da festa, o que gerou uma situação quase conveniente demais para que pusesse em prática meus planos de aumento de popularidade e intimidade com meus companheiros.
Foi estranho pisar novamente nas ruas esburacadas, nas calçadas tortas. Foi estranho estar novamente entre milhares, ao invés de cinco. A cidade ainda era linda. Imaginar aqueles jovens outrora reclusos se movendo pelas ruas escuras, pelas calçadas esburacadas e pelos corredores abarrotados de gente, imaginá-los entrando em bares, desviando-se de automóveis, trombando com desconhecidos, imaginá-los usando banheiros químicos e dançando ao som de trios elétrios, pode ser desafiador, e se serve de consolo ao leitor, confesso que mesmo visualizar as cenas me foi custoso. Eles eram tímidos, mas não podiam evitar que se destacassem dos demais, e eram maravilhosos e eu os amei demais naquele momento. Eu, se não completamente afeito à situação, era ao menos o mais descontraído dos cinco, mas ainda me doía que não me seguissem. No começo, achei que fosse o entusiasmo, ou essa necessidade que aqueles que se encontram artificialmente em uma determinada posição têm de legitimar que ali estejam ainda que para isso tenham que agir de forma exagerada, muitas vezes forçando uma autoridade maior do que a daqueles que ali nasceram. Essa teoria me explicava o por quê de não recorrerem a mim, mas logo meu incômodo se tornou demasiado.
Não me ouviam (nem Gustavo, nem Laura!), não me incluíam nas conversas entre eles ou com estranhos, não me procuravam quando me desgarrava. Por três vezes fomos obrigados a parar e pedir informações e nas três vezes fui eu quem conseguiu as melhores respostas. Só por isso é que, em uma quarta ocasião, Alex virou-se para mim e perguntou se será que eu poderia ver isso com aquele grupo, porque por algum motivo eu me dou bem com essas pessoas, e foi então que eu fiquei realmente nervoso e falei girando no meio do grupo (porque falava para todos, e não apenas para Alex) que é óbvio que eles se dão melhor comigo porque eles são eu e tudo o que vocês procuram aqui sou eu e eu estou com vocês o tempo todo, mas eu não entendo por quê eu não sirvo.
Eu estava girando e também bêbado, e eu via todos eles, menos Alex e Joana que já não estavam lá (teriam ido perguntar, teriam...), eu via todos, Gustavo, eu via Laura do lado dele e eu no meio e eu via a forma como ela me olhava e foi então que eu entendi.
Depois, não sei bem. Acho que tive um branco, um apagão. Talvez eu só não me lembre. Lembro de Laura, depois. Gustavo foi comprar cerveja, eu acho, ou ao banheiro, ou talvez ele estivesse ali, mesmo, e eu é que não via. Eu falei para Laura que eu tinha entendido, eu falei que eu estou perdendo, não é, e ela disse que sim. Eu disse o jogo, não é, e ela disse que era. Depois eu vi Gustavo, ou então ele voltou. Depois a gente estava em casa, tanto faz. Quando eu cheguei eram quatro pessoas, depois dois casais viraram o mundo. E eu perdi.
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