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20101216

4º Intervalo – Biologia


Muitos animais, por mais perigosos que sejam, geram nas mais variadas pessoas uma certa simpatia. Os mamíferos, em particular — talvez por serem mais próximos dos seres-humanos, só que sem o inconveniente de poderem ser responsabilizados por seus atos de selvageria —, possuem um séquito tão fanático de seguidores que se uma família pobre do norte de algum país gelado não encontrar forma melhor de se sustentar que matando pequenos filhotes felpudos para arrancar-lhes a pele, é melhor que ela vá se habituando às pedras arremessadas.
Outros vertebrados, também privilegiados, talvez, pela proximidade evolutiva, costumam ser admirados em zoológicos, observados pela TV ou guardados como ornamentos, em aquários. Os filos mais afastados, porém, fomentam a antipatia de algumas pessoas, especialmente as do sexo feminino, que se sentem enjoadas pela mera observação de certos platelmintos ou nematelmintos, por exemplo.
Em particular, porém, os artrópodes parecem ter se especializado em ser odiados por essas pessoas. O grupo reúne aranhas e escorpiões, baratas e mariposas, centopéias e lacraias. São animais com um potencial enorme para gerar horror nos seres humanos, mas nenhum desses é tão preparado para nos incomodar quanto o pernilongo.
Eles sabem como atacar.
Entram pela janela aberta, escondem-se nas sombras e lá ficam, aguardando o momento mais adequado para saírem atrás de seu alimento. E eles se alimentam do terror a que submetem suas vítimas.
Há um entendimento mais ou menos generalizado de que os pernilongos se alimentam de sangue, mas o sangue que sugam não passa de uma desculpa para nos importunar. É só uma forma de fazer com que as pessoas se apavorem frente à presença desse minúsculo inimigo. A picada é apenas uma forma de o pernilongo ser lembrado por um tempo mais longo.
E tudo começa no verão, quando está quente demais para o uso de roupas que os mantenham afastados. Começa, também, à noite, quando as pessoas se sentam no sofá e começam a ler um livro à juz do abajour. A luz é o sinal. De repente, uma sombra cambaleante projeta-se na parede. O pavor é imediato. O inseto voa perto da lâmpada, gerando uma sombra monstruosamente grande que dança por um tempo — tempo suficiente para ser notada — e depois desaparece.
Quando o leitor interrompido decide averiguar o fato, nada encontra — os pernilongos são mestres em desaparecer. Pode-se seguir um com os olhos atentos até que, cedo ou tarde, ele fatalmente sumirá. Já preocupado, o leitor considera, enfim, que já é hora de ir dormir. É o primeiro erro.
É na cama que, com o perdão da brincadeira fácil, começa o pesadelo. Deitado, no escuro, o indivíduo ouve o familiar zunido. Não há nenhuma justificativa evolutiva que explique o zumbido do pernilongo. Quando se leva em conta que é um animal furtivo, que se aproxima sem ser percebido, o barulho parece ser somente um empecilho.
Porém, agora que sabemos que o pernilongo se alimenta de pavor, podemos desvendar a verdadeira razão para o famigerado som, um dos mais temidos do universo conhecido. Voltemos ao nosso personagem.
Estava ele, dissemos, deitado quando ouviu o som. Tentar acender as luzes para localizar a fera é inútil: o animal desapareceria imediatamente. De qualquer forma, matar um, dois, cem deles também não solucionaria o problema — sempre haverá outro.
A solução, portanto, é cobrir o corpo todo com o lençol. O calor atordoará o corpo, mas o desconforto da temperatura não se compara ao horror de dormir exposto ao inimigo. De qualquer forma, se a vítima, suada, decidir descobrir-se um tantinho que seja, logo um zunido oportunista far-se-á ouvir, jogando-a novamente para debaixo das cobertas.
Aqui, cabe mais um comentário sobre o zumbido dos pernilongos. Ele não é emitido por ondas sonoras, como se poderia supor. Trata-se de uma vibração no espaço-tempo propagando-se através de abalos dimensionais diretamente para dentro da mente da vítima. Agora, por exemplo, nosso personagem, além da coberta, pôs sobre a cabeça dois travesseiros, na tentativa de tampar os ouvidos, mas continua a ouvir os zumbidos.
E há muitos outros aspectos da engenhosidade destes insetos que merecem reflexão. Por exemplo, os animais, que surgem nas férias de verão, têm por conveniente habitat justamente as casas de praia e de campo. Apreciam, também, atacar regiões das costas impossíveis de serem coçadas ou voar daquele jeito inconstante que, embora menos eficiente como locomoção, dá às sombras projetadas um ar mais fantasmagórico e hipnótico.
Em sua cabana em meio ao exército, rodeado pelos mosquitos, porém, Marc não pensou em nada e limitou-se a se enfiar mais no saco de dormir, tapando os ouvidos com as mãos, inutilmente.

20100315

O Níquel da Eternidade - Esboço de um Road Movie

As graúnas me comovem. Comovem-me os girassóis. Comovem-me os lírios. Comovem-me as pedras no fluxo do rio. A água do rio. A água é cristalina diante de meus olhos. A água é cristalina diante do cristalino de meus olhos. E assim faz-se a complementaridade homem-natureza.

Direciono meu olhar para uma pedra, uma pedra brilhante à minha esquerda. Abaixo-me para tocá-la, para sentir a incomparável sensação de plenitude. Um susto. Quem é aquele que vejo? Seu rosto está turvo – a água é rápida – mas reconheço seus traços. São familiares. Tantos anos se passaram desde a última vez que vi esta expressão, uma expressão que transmite segurança. Segurança. E, em uma fração de segundo, torno-me inseguro novamente. Pois percebo, assim, que o rosto que vejo, na turva água do rio, é o meu.

Não reconheço as rugas que o cobrem agora. Abaixo-me mais um tanto. Consigo encostar na brilhante pedra, e um arrepio percorre meu corpo – o suave frescor da natureza. E raciocino. As rugas denunciam. Denunciam que, inesperadamente, rolou de meu bolso, perdendo-se para sempre, o Níquel da Eternidade.

O que me trouxe até aqui? Estes pés? Serão os pés, que nos fazem caminhar, os responsáveis pela viagem? E, se assim não forem, serão eles apenas servos de alguma outra faceta física do Eu? Não posso crer nisso. Sim. Os pés me trouxeram até aqui. Assim como me trouxe até aqui meu baço. Assim como me trouxe até aqui a tireóide. Assim como me trouxeram até aqui meus fígados, todos os três que possuo. Não há hierarquização entre os órgãos. Assim quis minha Mãe. Minha Mãe que é por tantos renegada – a Mãe Vida.

Mãe Vida escolheu-me outra Mãe. Uma Mãe de carne e osso. Uma Mãe Humana. E esta, por sua vez, forneceu-me uma Mãe, uma Mãe menor, unicelular. Seu óvulo. Poderia ter sido qualquer outro, mas foi aquele. Foi aquele, aquele se tornaria minha Mãe. Minha Mãe, dentro de minha Mãe, escolhida por minha Mãe Vida.

Pai, não tenho. O que é o pai? Fornecedor do material genético, do Sopro Existencial? Pois meu pai era aquele espermatozóide. E, no momento em que perfurou – (consigo sentir essa dor sofrida até hoje) – a parede de minha Mãe Unicelular, ele se desfez. Seu material genético – Meu material genético – foi espalhado por dentro da Mãe Unicelular. E desfez-se o espermatozóide. O homem que gerou o espermatozóide, diriam os mais biológicos, esse sim é meu pai. Não o espermatozóide. Nego. Ele era apenas um vetor...um vetor que fez minha existência ser possível.


O Vetor chamava-se Pierre Lovieuax. Contam-me que era chinês. Nunca o conheci.
(E será por isso que o vejo apenas como um Vetor?
Assim quis me fazer acreditar
o Psicanalista Primeiro de minha pessoa –
Eu Mesmo.
Não creio que assim seja.
Era um vetor.
Somente um vetor.)
Mamãe unicelular, essa sou eu.
Eu sou a Mãe.
Minha Mãe Maior está em Mim.
Pois do interior de minha Mãe Unicelular, o óvulo, fiz-me.
O ovo duplicou-se.
Dois ovos.
Os dois ovos se duplicaram.
Quatro ovos.
Células.
Núcleo celular?
Seria essa a essência de todos nós? Um Núcleo Celular?
Pois assim fui concebido.

Meu coração dispara. Apalpo meu bolso. Nada. Perdido. O Níquel foi perdido. Durante anos cunhado, durante anos estudado...e agora, perdido.
Resignação?
Derrotado?
Não. Olho novamente a água. É como um filme passando em minha cabeça e, traindo as leis da Natureza – Natureza suprema, pois então como tão facilmente traída? – a água inverte seu curso. Procuro-me no reflexo. As rugas...Permanecem. Percebo que estava de olhos fechados.
(Quais olhos?)
Abro-os. A água segue seu curso regular. As rugas...Permanecem. O Níquel, este se foi. Sinto que minha Metade Menor impulsiona-me para baixo. Olho a grama tão verde, tão verde -- e o Verde, a cor-mor da Mãe Natureza. Ela me seduz.
“Venha, Filho”, ecoa.

20100220

Hostilidade?, parte 5

Y: Como vão as suas férias?
X:

20091016

Hostilidade?, parte 4

*X e Y se vêem à distância*

20090930

Hostilidade?, parte 3

Y está na fila da cantina. X está numa mesa próxima. X levanta para ir falar com Y.

X: Segunda-feira...
Y: Erm... não, hoje é quarta.
X: Você não disse que só vinha aqui de segunda?
Y: É, mas tenho prova hoje às 9h20.
X: O que você está fazendo aqui? Não tem aula?
Y: Tenho, mas achei melhor vir estudar.

X se vira pra voltar pra mesa.

Y: Posso?

X se senta, sem responder.

20090925

Hostilidade?, parte 2

Y tem aula em meia hora. Y vai à cantina para comer alguma coisa. Y está subindo a rampa para a cantina com seu colega de aula. X está descendo. Y olha pra X. X olha pra Y. Y sabe que X o viu, e X sabe que Y a viu. Y sabe que X sabe que Y a viu, e X sabe que Y sabe que X a viu.

Nem sequer um "oi".

20090921

Hostilidade?

Y está lendo na cantina. X aparece e fica falando com as amigas e (faz que) não vê Y. Y continua lendo. X e suas amigas sobem pra aula. Y ainda está lendo.

Cinco minutos mais tarde, X desce pra comprar um chocolate. X vai falar com Y.

X: Que horas começa sua aula?
Y: Hoje... às 9h20.
X: Uhm. E por que você sempre chega mais cedo?
Y: Pra não pegar trânsito. Aí fico estudando aqui.
X: E por que aqui?
Y: Porque o ambiente daqui é mais agradável que o da minha faculdade.
X: Uhm. Vou subir pra aula.

X começa a subir pra aula. X volta pra falar com Y de novo.

X: Mas sua aula sempre começa 9h20?
Y: Não, só hoje. Nos outros dias começa 7h30.
X: Mas você sempre tá aqui...
Y: Tou não.
X: Tá sim.
Y: Não.
X: Ah...

X sobe pra aula.