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20130130

nostalgia

quando eu era criança, tinha um sonho recorrente.

sonhava que era "adulto" - chuto na casa dos 30, era alto e me vestia de forma séria e tudo.
eu estava investigando alguma coisa (mais uma sensação do que uma certeza) e andava pelo meu bairro. as ruas estavam todas vazias, a maioria das lojas estavam fechadas ou tinham falido; talvez eu estivesse perseguindo alguém.  eu sei que eu entrava em uma padaria, que existia no caminho da minha casa pro colégio.

lembro que era perto de uma escola pra surdos, porque sempre tinham jovens conversando por sinais na frente dela. meu pai fazia uma piada meio horrível, falando que os donos da padaria tinham reclamado no colégio por que eles faziam muito barulho com aquela conversa toda.

no sonho a padaria já tinha falido, estava cheia de entulhos e completamente escura. eu entrava com muito cuidado, perseguindo alguém que tinha se escondido ali. aí essa pessoa atirava em mim.
e eu morria.
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.
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passei boa parte da minha juventude recontando esse sonho, e brincando que eu iria morrer ali, um dia. eu só entrei lá uma vez, com um amigo, e tomamos um suco de limão. o lugar era bem decadente, com uns painéis de madeira e fotos desbotadas de milk-shakes fictícios.

uns anos atrás a padaria fechou.
aí reformaram ela toda, e hoje em dia tem uma oficina de carros no lugar (especializada em instalação de som, se não me engano).

nada a ver.

20110115

resposta viscosa a ricardo: um péssimo começo (mas estou de férias, ainda)

Ele cai no chão e olha pra cima e não acredita – não na dor, porque a dor não se deixa negar, mas sim no que ela significa. A dor, o soco invisível no nariz, o chão embaixo dele, tudo isso podia fazer sentido, mesmo que não fizesse muito. Mas aí tinha os dedinhos e a mão, o braço saindo até o cotovelo e se agarrando no seu rosto, nos galhos das árvores, se puxando (bebê-parteira) pra fora do seu ouvido. Caiu no sono porque era tudo o que podia fazer, as forças sem força nem pra cair.
O dia seguinte foi estranho, sol, mato, mas tudo não passou de um sonho, um mal súbito (ah!, claro, os chocolatinhos mentolados no café, aquilo não podia fazer bem!, ou o chope com fanta, quem sabe) e toda a questão foi ralo abaixo no seu banheiro de luxuosos 2m². Ajeitou uma roupa qualquer no corpo e saiu empurrado por uma agonia que não queria deixar de passar – fome ou ressaca, mas de quê?.
Verde, apressou o passo, verde, verde, verde, correu, verde, vermelho e vermelho e uma combe, uma moto, três carros, um ônibus (verde, mas escuro). A faixa lhe encarou tipo “qualé”, a rua vazia rugiu e ele sabia que não tinha problema, o silêncio de domingo, uma corridinha e ele estava quase lá, claro, e foi andando e estaria lá, não fosse aquele som horrível, mugido-buzina e cheiro de pneu queimando.
Dobrou a esquina com raiva, criança terrível tentando lhe arrancar o couro, isso não!, e foi jogá-la contra o poste ou o muro ou o ponto infinito entre o vácuo e o cosmo centrípeto de uma curva exageradamente rápida, mas ela se agarrou e balançou e quase lhe cravou um espinho nas costas antes da árvore abraçar e jogar o corpinho bem-exercitado longe no espaço, sobre as pedras e o asfalto e o poste, poste, poste, faixa-faixa-faixa-faixa-faaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaixa...
Blam!: ela veio voando e ele não conseguiu nem terminar o primeiro passo na primeira das faixas de pedestres. Um abraço instantâneo e aí rolar no chão ouvindo um grito de pneus e o motor rugindo selvagem pra longe dali. Ela desacordou em cima dele, logo dele, e ele caiu no chão e olhou pra ela e não acreditou em nada daquilo, naquela mão.
Acordou, acordou?, incrível, não se quebrou ao meio nem nada, quem é?, quem é o qual. Foram pra fora buscar a fresca.
Coalhada, sério?
Sério, você nunca comeu?
Não desse jeito, não. Mas, enfim, é a vida, e vocês todos ainda fumam, assim?
Embaixo da ponte, ela mordia o sanduíche, ele enrolava um cigarro e ria dizendo que não, era mania, selou na língua olhando pro rosto sujo de uma coisa que não era bem lama nem sangue. Você saiu do meu ouvido?
Sim, claro.
E isso, é... ?
Lambeu o rosto com o dedo e olhou: óleo, do Monstro.
O carro?
Não!, o Touro.