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20140603

SPAM: para retomar (ou: se eu não falo sobre o que eu faço, quem falaria?)

(clique pra ver grande)


me emociona muito essa foto
(a original e a minha versão)
porque, no primeiro plano,
a moça demonstra pleno controle de sua imagem
e é uma coisa bela, assim
o peso da história da arte
e da moda
e mesmo dos olhares do dia-a-dia
e de saber que se está na beleza fácil
(branca, magra, face candidamente angulosa
maquiagem)
enfim
tudo daquele jeito mais lisonjeiro
uma foto que te deixa linda e desejável

mas, no outro plano revelado pelo espelho,
(segundo ou terceiro ou do lado de cá da imagem)
ela se faz banal
incongruentemente banal
banal daquele jeito que é o sexo de verdade
a bunda no chão, a pose estranha
o ângulo secamente frontal
a mão que supostamente acaricia também esconde
e não esconde como ela, a moça, esconde seu corpo atrás do cardigã
o esconder que sugere algo melhor que a imagem

por trás da mão só existe a certeza do sexo
um sexo comum
igual a qualquer outro
inalcançável em tão pouca definição




20130815

Sobre ser um ser cultural, II.

No romance "Dance Dance Dance", do Murakami, sempre que perguntam ao protagonista o que ele faz pra viver, ele diz que "limpa neve" (será que foi assim que traduziram? na versão em inglês é "shoveling snow").

O interlocutor frequentemente reage confuso, "Você limpa neve?".

O protagonista, que é também o narrador do livro e, provavelmente, é a mesma voz masculina de 90% dos outros romances do Murakami, responde:

"É, sabe, neve cultural".

(ele escreve para revistas de viagem sobre restaurantes, dentre outras coisas)

Enfim, isso tudo porque alguém precisa limpar a neve de frente das casas e de cima dos carros para que as pessoas possam andar. Não há nada de errado com isso.

E é assim que é.

20110506

Sobre Ser um Ser Cultural

PIOTR:

Meus amigos, trabalhar com a criatividade não é fácil, não, não. Não é como trabalhar com os músculos, coisa estafante, sem dúvida, mas que acaba criando calos, digo, não nos músculos, mas nas mãos, de forma que o trabalho acaba... Azeitando? Não, quem me dera ser um trabalhador braçal, pois que o próprio trabalho fortaleceria meus músculos e minha mente ficaria tranquila enquanto meu corpo pegava no pesado. Poderia até, quem sabe, compor alguns poeminhas enquanto carregava as pedras. Nesse sentido, talvez a Sibéria não caísse tão mal, mesmo: um bom tempo para curar a mente e ganhar massa muscular, é. A verdade é que, se a mente funciona enquanto o corpo trabalha, o revés não se aplica. Quando me sento para produzir conteúdo (em suma, é tudo que faço), não posso carregar blocos de concreto, porque, bem, estou sentado. Está aí uma das desvantagens do trabalho intelectual, veja bem, murchamos ou inchamos feito bexigas, e mesmo nossas bexigas enchem-se e esvaziam-se como se não fosse nada, enquanto nossa cabeça quase explode de tanta dor. É, rapazes, não existem calos na cabeça... Dentro dela, quero dizer.

Em suma, é uma responsabilidade tremenda, é exatamente como construir um prédio: caso você use a palavra errada... inexata... A estrutura toda cai, entende? Nesse sentido nosso trabalho é próximo ao do operário, sim, mas só nesse sentido. Invejo quem não tem que tirar leite de sua cabeça para ganhar a vida, entendem? Vocês sentadinhos aí... E eu aqui de pé, e essa obrigação terrível de fazer sentido! Vocês já sentiram esse peso? Garanto que pesa mais do que mil blocos de concreto! Ah, e vocês reclamam de rejuntar as paredes... Queria vê-los aqui, enchendo de rejunte as palavras! Suavidade no discurso, camaradas, levam-se anos para adquiri-la e, numa só partida de uíste pode se jogar tudo por água abaixo. Tudo, até si próprio, porque pensar tanto... Vocês nunca sentiram vontade de se matar só porque o mundo não fazia sentido, não é mesmo? Seus corpos calejados e musculosos... deslizando pelas águas dos rios... suas roupas rasgadas pelos galhos... Já imaginaram? Imagino isso o tempo todo, meus caros! O tempo todo... a morte! Ah, produzir conteúdo (é assim que eles chamam!) é a morte, a gastrite, o tabaco, o álcool, que dureza! Sinto agora mesmo algumas palpitações no baixo ventre. Enfim, pensem bem sobre o assunto antes de escolherem mal seu caminho.

Piotr faz uma pequena reverência e desce do palco. Termina assim o Quinto Painel de Profissões do Colégio Pantomima.

20110215

Uma resposta

Faz algum tempo que quero falar disso, cerca de vinte minutos, mas queria escrever sobre o tema no BrOffice e não o tinha instalado. Por outro lado, foi uma desculpa válida para enfim instalá-lo.
O fato: li um texto de um filósofo sobre toda a confusão em torno do possível fechamento, por motivos econômicos, do cinema HSBC Belas Artes, em São Paulo; a questão do papel estatal na pendenga etc.
Resumidamente, o texto insinuava a existência de uma dicotomia de posições sobre a questão, colocando de um lado os defensores de que o mercado deve prevalecer no caso (ou seja: um cinema de salas vazias não deve continuar aberto) e de outro os que acreditam que as contas públicas devem atuar na cultura. A argumentação não seguia por este lado, mas sim em que Enfim, leiam-no aqui: http://meocaso.wordpress.com/2011/02/14/cinema-mercado-e-outras-milongas/ (e lá se vai o suspense).
Pois bem discordo de quase tudo o que foi dito, então gostaria de tecer e teço os seguintes comentários:
Primeiro, os cinemas de rua (e até o Belas Artes) são economicamente viáveis, tanto que existem e recebem patrocínios de bancos, de livrarias, do raio que o parta. Ah, mas eles precisam de patrocínio, dirão. Sim. E os conseguem. Ou seja: economicamente viáveis. E até mesmo o Belas Artes, polêmica à parte, consegue e conseguiu patrocínio. Ou seja: a discussão não é tanto sobre a manutenção do cinema, mas sim sua manutenção naquele ponto específico, o que já demonstra que se trata mais de preciosismo do que de verdadeiro amor à cultura, essa linda.
Segundo, é mais democrático preservar o interesse duns poucos (sejam eles movidos por amor a isto ou àquilo) do que atender aos clamores populares exercidos na forma de procura e demanda, porque democracia não é mais atender às maiorias, mas sim permitir que as minorias subsistam enquanto tais. É pra isso que o Estado serve (e, sim, para manter a cultura, ainda que seja cultura marginalizada ou elitizada ou somente atraente a poucos, o que é outro problema). E, aliás, não existe no mundo coisa mais bonita do que a cidade inteira pagar para que eu possa ver filmes numa sala vazia. A cidade, nada. O país.
Defendo, então, que o Estado se meta – quer por tombamento, quer por auxílio monetário – no direito de o Belas Artes ficar ali? Não, não defendo. Gostaria, até, se me pedissem a opinião, que ficasse, mas não é direito e não tem cabimento o Estado se meter no que, na verdade, é um contrato de aluguel entre duas partes privadas e plenamente capazes.
Que o Estado cuide da manutenção da pluralidade cultural, claro, mas que não se meta nos contratos de aluguéis alheios. Porque é isso o que ocorreu: um contrato de aluguel que não se quis renovar. Não foi uma violência contra o Cinema, assim, em maiúsculas, como se quis fazer crer, não foi um ato de arbitrariedade e violência. Foi um termo de aluguel que venceu e não se renovou tempestivamente.
Mas o que mais me incomoda é que existe uma coisa muito importante sobre o Belas Artes que ninguém diz: ele não é um bom cinema. As salas são ruins. A pipoca não é grande coisa e é servida num recipiente de papelão que se abre embaixo e faz cair tudo. Eles exibiram Medos Privados em Lugares Públicos por mil anos (e é um filme chato, ruim e raso).
Está bem, eles têm uma seleção de filmes variada, indo dos blockbusters a, bem, Medos Privados em Lugares Públicos. Mas outros cinemas também têm e não motivam esse auê todo. A Paulista está lotada de cinemas exibindo filmes europeus e asiáticos e brasileiros e, de um modo geral, são cinemas melhores, mais modernos e com pipoca mais gostosa (ou pelo menos servida em saquinhos de papel sem furos).
Com todo o respeito, só o Noitão, mesmo, é que me faz ir até o Belas Artes. E se houvesse noitão no Espaço Unibanco, ali na Augusta, por exemplo (como já houve), aposto que seria melhor.