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20140827

mais uma despedida

quando adolescente, fiz um teste de aptidão.
resultou que eu devia ser advogado, promotor, juiz (elevado senso de justiça, capacidade analítica de sistemas autorreferentes, tendência a culpar os outros apenas quando há um ganho explícito à vista).
olhei bem nos olhos do profissional que aplicou o teste (psicólogo?) e perguntei se ele era feliz.
ele sorriu, primeiro aquele sorriso "ah, espertinho", e depois um sorriso amplo, simpático e simpatético: "SIM, sou feliz".
"doutor, o negócio é seguinte: sou infeliz e desconfiado, além de tudo sou um mentiroso incontrolável. não acredito em você, direito é uma ideia terrível"
ele manteve o sorriso por algum tempo, embora o sorriso esvaziasse... as rugas iam desaparecendo de sua face, mas a boca continuava ali, semi-lua. "isso nada tem a ver. você seria um ótimo... bom, aqui diz que você também podia ser bailarino".
***
Isso já foi há uns 12 anos. Hoje vejo que o cara tava certo. Prestarei vestibular de novo neste ano. Em 2015, estarei na SanFran. Amém.

20110304

Mezzo a mezzo (a hora do chá)

Olha, você sabe que eu me surpreendi com isso tudo? Com o quanto não é diferente? Ela se virou sem saber se entendia ou não e tornando necessária a complementação: sabe? As salas, o banheiro, tudo é... direito. Eu achava, assim, que seria meio velho, sujo, sei lá. Boa surpresa com a FFLCH.

Embora seja um hábito talvez de fraqueza ou limitação imaginativa, trazer elementos do cotidiano para um texto é a melhor forma de evidenciar a relação dúbia entre vida e literatura: usa-se aquela como instrumento desta e esta como instrumento daquela.

Ela me chamou de besta e fomos embora; estava fazendo frio e chovendo, mas a proximidade aquecia, fazia bem. Não é muito, claro, dividir um guarda-chuva, oferecer um doce, compartilhar um segredo, mas quando se está lá, fingindo que o que se quer é fugir da chuva ou ser legal ou desabafar, nessas horas é que se percebe o quanto pesam essas coisas todas.

É difícil, às vezes, usar a primeira pessoa, mas é nessas horas que ela é mais bem-vinda. Pode parecer bobagem, não sei se parece, acho que sim, mas esse tipo de escolha me soa sempre muito mais relevante do que uma questão de concordância. A primeira pessoa sou eu e ela é importante, às vezes, pra mostrar que sou sempre eu, embora nunca seja – se eu não consigo explicar, é melhor ainda.

Andando tão perto, talvez seja natural sincronizar os passos, mas eu não posso deixar de pensar nisso como algo importante. A dança para pular as poças de água e evitar as partes mais acidentadas do calçadão é tão bela quanto qualquer outra e a gente tendo que ficar perto assim, pra aproveitar o guarda-chuva – algum dia eu vou lembrar disso como nosso primeiro tango?

Eu escrevo, portanto, na primeira pessoa, e isso significa o mundo para mim, porque me força a acreditar em tudo. Mas o leitor também receberá o texto assim, em primeira pessoa, e também ele será forçado a acreditar. Não é apenas uma ligação autor-obra-público, mas um compromisso mais importante: eu sou o narrador e o leitor também o é. Nós dois contamos a história e somos a mesma pessoa.

As escadas e as risadas, todas acabam e nós ficamos aqui, entre a calçada e a rua, entre um ponto de ônibus e meu carro estacionado no bolsão. Nós paramos sabendo que ali era a hora de ruptura, de separação e eu achei que ela também não queria aquilo. Seria idiota sugerir uma carona. Seria? Você vai pra lá, não?, ela disse. Não, não. Hoje eu estou de ônibus, menti.

E no entanto, não é a mesma história, não é a mesma pessoa. Se fosse, talvez eu não precisasse estar aqui, me justificando, me esforçando tanto pra que você acredite sem, no entanto, acreditar. Se fosse, talvez eu nem precisasse mentir que minto.

Metade de mim ficou meia hora esperando no ponto com mais cem ou mil outras pessoas, torcendo para o ônibus dela chegar antes pra eu poder ir correndo pro estacionamento, ao invés de ter que entrar num ônibus, pagar os três reais do Kassab e descer logo pra voltar andando no escuro da USP até meu carro. A outra metade estava sozinha com ela e torcia para seu ônibus não chegar nunca, para aquilo demorar pra sempre.

A banalidade das nossas ações cotidianas é o campo mais fértil e perigoso da ficção e é por isso que não serve completamente aos meus propósitos. Algum dia, as outras pessoas verão que os livros de memória não merecem maior crédito do que os de fantasia medieval. Acho que entendo onde a ideia de metaverdade falha: ela sugere que a ficção seja entendida como algo que verse sobre a verdade (ainda que o faça com verdades) ou como algo que à verdade remeta. Não é assim; é verdade, só, como qualquer outra. Antes de assassinar tudo o que eu fiz até aqui (em prol da verdade!), lanço um último alento para que o plot twist não seja visto como uma surpresa planejada ou uma fuga da tal banalidade ou como algo de que deveria emergir uma reflexão moral qualquer. É só verdade.

Meu ônibus chegou primeiro. O tiau foi um beijo na bochecha morno e minha cabeça se enchendo de dúvidas e de serás. No fim, fui de ônibus o caminho todo e só desci quase já em casa. O carro que se danasse e o motorista me poupou os três reais porque meninas bonitas devem descer sempre pela frente.

20110301

Ficção

E como ela é?
Ah, sei lá, ué? Como assim?
É, como ela é?
Ela é... Ela é loira, não muito alta... Usa óculos escuros.
Ela é bonita?
Ah, que coisa!
Vai, fala!
É, é bonita. E tem sardas.
Tá vendo? É sempre assim!
Assim como? Com sardas?
Bonita!
Ah, ué, o que tem de errado?
Errado, nada, mas é sempre assim.
Não era pra ser?
Não sei, você me diga.
É melhor que seja bonita, não é?
Bem, pode ser, mas continua, sei lá, estranho.
O que tem de estranho em ela ser bonita?
Ah, eu só disse que ela foi simpática, que falou com ele quando ele tava triste, que pôs a mão no ombro dele... E voilá, você já imagina ela bonita!
Bom, porque as meninas que confortam sempre são bonitas.
Que meninas que confortam?
As dos filmes, dos livros.
Dos livros?
É, eu imagino elas bonitas.
Tá vendo?
Mas isso te incomoda por quê?
Porque aí o que sobra pra mim? Pras meninas que não são bonitas?
E você não é?
Não. Acho que não.
Pois eu acho que é, sim.
É? E como eu sou?
Ah. Sei lá.
Loira?
Sim.
Que mais?
Com sardas.

20101006

Desfeitura

(Retomada de um antigo trabalho, ainda inédito)

Documento de ficção.

A dor da criação, o parto e o aborto das idéias e das matérias. Sonho urbano, captado como se pôde.

20100228

Every now and then

eu ouço a história de uma menina que viajou para Paris, gostou da cidade e não voltou mais. Quero dizer, nem para buscar mais roupas, para dar uns beijos de tchau, para cancelar matrículas ou coisa do tipo. Não voltou mais. Ou então a história de um cara que foi para o sertão sem lenço nem documento, indo de vilarejo para vilarejo até morrer de sede numa salina.
Tudo ficção, claro. Sempre, pra mim.
É que nem quando de bicicleta subindo alguma rua, me cansando por não ter marchas (nem freio, aliás), eu penso e se eu fosse mais pra lá, o que me impede, se eu pedalasse mais, mais, talvez pra Foz ou pro Uruguai, talvez pra sempre. As pessoas que chorariam já estariam longe, até eu mesmo quando chorasse já estaria longe, eu podia viver com, sei lá, uns reais, escrevendo e dormindo por aí e afinal, eu sou formado, sou crescido, podia bem me virar, acho, podia conhecer gente pra esquecer depois, freeridear algum trem (se houvesse!), subir de ônibus um penhasco na Bolívia só pra ver o vento e sentir as lágrimas gelando minha cara lá em cima e aí eu faria um poema mais lindo do mundo e o mandaria para um jornal sensacionalista castelhano onde ele seria tão ignorado quanto aqui.
Aí eu descanso em alguma esquina, tomo um coco se tiver sorte e volto pra casa, porque é tudo ficção.

20090927

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