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20110409

autoestrada para o azul

Nem me dei conta quando a pista da marginal virou acesso pra uma estrada – a música tocando e a manhã de sábado me embalaram de tal forma na faixa da esquerda que qualquer placa que possa ter vindo me passou despercebida. Quando vi, só me restava causar uma carnificina automotiva tentando voltar pra pista certa ou seguir em frente; contrariando meus pseudo-fetiches ballardianos, eu segui em frente.

Era sábado e por isso eu sorria tranqüilo enquanto tentava entender que raio de estrada era aquela. Quando alcancei a primeira barreira de pedágios, dei uma risada nervosa e despejei meus R$2.90 na mão da moça do guichê.

“escuta, eu... perdi o retorno, na verdade, e eu queria saber como faço pra pegar a anhanguera, sentido São Paulo” – patético, sim, mas fazer o quê?

“segunda à direita”, foi o que ela disse, depois de breve consulta a um cartaz oculto; estranhei não ver o nome anhanguera na placa da saída indicada, mas entrei mesmo assim.

A saída era uma ruazinha estreita, que subia o morro ao lado da rodovia e desaparecia no meio da vegetação. Passei por alguns complexos industriais, refinarias ou depósitos ou sei lá o quê. Era sábado e eu demorei pra encontrar alguém, mas encontrei.

“opa, amigo! pra chegar na anhanguera é só seguir reto?”

Minha segunda pergunta imbecil no dia e ainda não eram dez horas, que horror. O homem (um operário, pelo traje) me olhou como quem encontra um tamanduá no aquário da avó – misto de confusão, ternura e desconfiança.

No fim não era só seguir em frente, aliás não era nada disso; dei meia-volta e cai de novo na estrada misteriosa, andei uns quinhentos metros e “ahá!, olha lá a placa certa!”, entrei à direita e logo na segunda curva avistei o Pico. Sim, era isso, aquele sim era o caminho certo pra casa.

A estrada seguia vazia e o meu carro atravessava o asfalto com suavidade, ficando entre 120 e 130 quilômetros por hora sem preocupações. Desliguei o ar condicionado e desci o vidro, me enchendo com o cheiro de vegetação fresca num sábado de manhã. Aumentei o volume da música no rádio e segui em frente.

Não demorou muito pra perceber que eu não ia seguir a placa seguinte, que indicava a saída pra São Paulo, e nem a próxima, de retorno. O tanque estava cheio, minha cabeça estava vazia e a manhã de sábado estava linda! Não queria perder aquilo, não tão rápido assim.

Passei pelo meu segundo pedágio, muito menor que o primeiro e escondido no meio de árvores mais ou menos altas. Sem pressa, contei as moedas soltas no painel para completar R$1.35; dei um sorriso e desejei sinceramente um ótimo dia pra mocinha da baia antes de atravessar a cancela e seguir em frente.

Não perguntei nada, não queria saber de nada. Acho que o maior desafio foi educar a vista pra não ler os nomes com setas para frente nas placas (se bem que, mesmo quando minha disciplina falhava, aqueles nomes pouco ou nada significavam pra mim).

Troquei o disco do rádio e segui em frente, numa manhã de sábado maravilhosa.

20110331

No dia de Santo Agostinho eu entrei em um café e pedi café. Você, por outro lado, decidiu que seria “diferente”, “emocionante” me desafiar num duelo de vida ou morte à beira do cais e então eu fui e eu te matei, mas não queria te matar. Porque eu te amava mais do que os urubus jamais te amariam – mas que importa? Você era deles agora.

20110115

resposta viscosa a ricardo: um péssimo começo (mas estou de férias, ainda)

Ele cai no chão e olha pra cima e não acredita – não na dor, porque a dor não se deixa negar, mas sim no que ela significa. A dor, o soco invisível no nariz, o chão embaixo dele, tudo isso podia fazer sentido, mesmo que não fizesse muito. Mas aí tinha os dedinhos e a mão, o braço saindo até o cotovelo e se agarrando no seu rosto, nos galhos das árvores, se puxando (bebê-parteira) pra fora do seu ouvido. Caiu no sono porque era tudo o que podia fazer, as forças sem força nem pra cair.
O dia seguinte foi estranho, sol, mato, mas tudo não passou de um sonho, um mal súbito (ah!, claro, os chocolatinhos mentolados no café, aquilo não podia fazer bem!, ou o chope com fanta, quem sabe) e toda a questão foi ralo abaixo no seu banheiro de luxuosos 2m². Ajeitou uma roupa qualquer no corpo e saiu empurrado por uma agonia que não queria deixar de passar – fome ou ressaca, mas de quê?.
Verde, apressou o passo, verde, verde, verde, correu, verde, vermelho e vermelho e uma combe, uma moto, três carros, um ônibus (verde, mas escuro). A faixa lhe encarou tipo “qualé”, a rua vazia rugiu e ele sabia que não tinha problema, o silêncio de domingo, uma corridinha e ele estava quase lá, claro, e foi andando e estaria lá, não fosse aquele som horrível, mugido-buzina e cheiro de pneu queimando.
Dobrou a esquina com raiva, criança terrível tentando lhe arrancar o couro, isso não!, e foi jogá-la contra o poste ou o muro ou o ponto infinito entre o vácuo e o cosmo centrípeto de uma curva exageradamente rápida, mas ela se agarrou e balançou e quase lhe cravou um espinho nas costas antes da árvore abraçar e jogar o corpinho bem-exercitado longe no espaço, sobre as pedras e o asfalto e o poste, poste, poste, faixa-faixa-faixa-faixa-faaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaixa...
Blam!: ela veio voando e ele não conseguiu nem terminar o primeiro passo na primeira das faixas de pedestres. Um abraço instantâneo e aí rolar no chão ouvindo um grito de pneus e o motor rugindo selvagem pra longe dali. Ela desacordou em cima dele, logo dele, e ele caiu no chão e olhou pra ela e não acreditou em nada daquilo, naquela mão.
Acordou, acordou?, incrível, não se quebrou ao meio nem nada, quem é?, quem é o qual. Foram pra fora buscar a fresca.
Coalhada, sério?
Sério, você nunca comeu?
Não desse jeito, não. Mas, enfim, é a vida, e vocês todos ainda fumam, assim?
Embaixo da ponte, ela mordia o sanduíche, ele enrolava um cigarro e ria dizendo que não, era mania, selou na língua olhando pro rosto sujo de uma coisa que não era bem lama nem sangue. Você saiu do meu ouvido?
Sim, claro.
E isso, é... ?
Lambeu o rosto com o dedo e olhou: óleo, do Monstro.
O carro?
Não!, o Touro.

20100714

Um texo aparentemente comparável a J, Joyce (gatinha)

I once knew a man of nantucket. He flew out of his balls with a buckett, and made several hostages as he moved south and also eastbound. Sometimes, if you listen close enough, you can hear it, spinning and twisting like hot iron or something. I do not and will not chose to believe he or it is a curse, for I have in me the knowledge to understand that no man or woman or even dogs have the power to, all alone, create within themselves the reality of a god (or godess).

Perhaps I should be one of a broader mind, but I sincerely refuse. Much of what happens may disappear before I do it myself, but that doesn't make me less right or wrong. Just, as long as it flows, I may sing along and do my little dance. Like, this, you see? Holtza-popa, popa-woppa, etc, etc.

I kiss you.


(as in: http://iwl.me -> coisa boa de se fazer, recomendado para todos os digníssimos Cabaços!)

20100412

Auxiliar taxonômico.

- Oh, meu, meu...amigo, não? Hô, hô, grau nesse estamos, já? Espero, espero, sim, sim! Clareio-me: transgredi, pois cá estou, e como, como....transgredi e transgrediste também, um e um aqui estamos, pois bem, quanto a você, amigo novo, não sei, mas transgredi também outrora. Li o não-liível, existe?, não, “legível” é mais apropriado, mas cá entre nós, que diferença faz se você meu amigo entender, não? Hô, hô, ficarei com “liível”. Li o não-liível e impublicável de um certo...bam-bam-bam-pinho, cotinho, junto-junto do adjunto, amigo d’Almeida! Triste e...vai-se a fé sem mais...sem mais orar com – e – sem – agá – (ele falou pausadamente, o protopadre), mas só apenas de metadinha, sim? Hô!

“Liível. Léveu. Nível. Fível!”, pensava Teófilo H. “Ah, bons tempos aqueles. E não é que Ulisses Pacheco mostra-se um doce?” Definitivamente, era já com outros olhos que o ex-auxiliar taxonômico via o rapagão outrora de azul. O blábláblá infindável continuava, mas frente-trás, inoxibilidade, liquidificadores...eram todas coisas com as quais “(...) um profissional de Ca-te-go-ria deve estar pronto para lidar”, citou Teófilo H. mentalmente, recordando-se de seu manual lido no primeiro dia de escritório.

-Você diz... – Teófilo H. começou uma lenta volta em torno do proto-padre – que minha, hm, por assim dizer, fé vai-se mais ou menos? Responda, e já já! Ulisses Pacheco! Há coisas – e você sabe bem quais, não, desconfio, heh? – que não podem, não podem esperar! Horar com ou sem agá...oh, dúvida!

Ulisses Pacheco, que desde que deixara sua veste azul turquesa no chão vestia a mais comum roupa que se poderia esperar de um ex-maquinista, riu alegre e comichou consigo mesmo durante alguns segundos, sentando-se novamente logo após, extasiado e risonho.

Mano, pusta cara chato.


20100222

Reflexão-rocambole matinal

O que me interessou nesses três contos do Borges que eu li na vida foi essa alma de seminarista rebelado (meio como se o Scorsese fizesse ensaios cinematográficos). Os histriônicos, no fim das contas, talvez não sejam hereges, já que Deus toma João e Aureliano como, digamos, reflexos no Espelho. A trabalhar-se, esse espelho.

Vou tomar o Я e o R ('ya' e 'rr'), o primeiro sendo o mais simples "Eu" (em russo e, foneticamente, também um 'Sim', em alemão) e o segundo algo talvez ainda mais simples, um rosnado neolítico ou de um cachorro. Se alguém conhecer alguma partícula de alguma língua que seja constituída simplesmente por esse fonema ('rr'), gostaria de saber.

Podemos levarmos em conta que Я está presente em яблоко ('maçã'), a fruta da perdição. Com boa vontade, pode-se perceber que Яблоко é formada por Я [eu] + Ьлок [bloco] (о) [o 'o' final dando à palavra um caráter ao mesmo tempo neutro, de substantivo - sendo portanto a maçã, enquanto substantivo, a materialização do conceito - e adverbial, a modo de...]. A soma é fácil, e o resultado surpreendente: qual é a primeira conseqüência da mordida que Eva dá? A percepção de que ambos estão nus - passam a olhar para si próprios - e envergonham-se.

Não conheço as origens que levaram a formação das letras Я e R, mas seria decepcionante descobri-las apenas um acaso de convergência, como me ensinaram serem os golfinhos em relação aos demais peixes. Também não pensei muito sobre o "rosnado" ('rr'), ou até pensei, mas não me agradou a primeira ideia que vem à cabeça, por me parecer muito simplista e antropocêntrica: em oposição aos "Eus" (que se perceberam como 'Eus' após comerem do 'bloco de Eus', da 'matéria que contém todos os Eus'), os ainda selvagens a la 2001. Oras, mas será que os selvagens a la 2001 não se reconheciam como eles mesmos?

E há também a questão da ordem.
ЯR ou RЯ? Acho que a diferença é significativa demais para passar desapercebida.

20091207

Réplica.

Bom, para mim isso não diz que estamos presos ao papel não, meu amigo. O senhor, pelo menos, está é preso pela religião, ou melhor, pela religiosidade e misticismo.

(Quer dizer, Kafka talvez estivesse - preso ao papel, não à religião. Mas Kafka ficou atormentado porque ninguém lia suas coisas, essa que é a verdade. Só se pode levar a sério um escritor que tenha se colocado ativamente e criticamente em relação a seu PRÓPRIO ofício mediante sucesso ainda em vida.)

"Papel preso a nossas Almas". Nas nossas mentes, vá lá, mas na alma, é? Que raio de alma é essa? Não digo que não exista, mas durma-se com um barulho desses. Se o senhor vê isso aqui como alguma forma de sublimação, ou de elevação espiritual, se o senhor acha que sendo um artista consegue realizar seu desejo de querubim frustrado, vá ler Joyce e arrependa-se em segredo!

Mas não me venha com essa. Religiosidades frustradas e precárias em torno de "papel na nossa alma" são do pior tipo. Sejamos Padres Sérgios, pois. Que trabalhemos em segredo, mas sem buscar o segredo - e sem buscar que os outros saibam do nosso segredo. Não digo, com isso, que não se deve publicar nada - falo em relação ao trabalho interior. Ao ofício-em-si. Sem esperanças de purificação pós-vida. Sem ilusões de reconhecimento póstumo. Ao inferno com tudo isso, que o trabalho impresso seja dado como feito, que passemos ao próximo obstinados, mas obstinados por estarmos cultivando um ofício, não melhor nem pior do que qualquer outro.

Somos incapazes de pensamentos puros, nossos? Mas se o senhor acredita nessa palavra - e sublinho que a questão é a palavra - alma, é óbvio que não estamos livres, pois de chofre o senhor já está vinculado a uma crença um tanto quanto duvidosa!

A verdadeira religião e a verdadeira alma emanarão naturalmente e não serão chamadas assim. Se quiser que sejam "bigorna" e "badulaque", respectivamente, que sejam - mas eu as negarei assim que colocares esses nomes, pois estarão novamente instituídos. Meu ponto gira em torno do impronunciável. Não se pode nomear o que se vai experimentar durante a fatura de sua "obra" (se quiser ser mais petulante ainda, que diga então 'obra artística') - pois isso implicará na qualificação da sensação, seja negativa ou positiva do ponto de vista de sua crença instituída.

Que faça da sua "prisão" uma prisão muda e branca, que o senhor por disciplina não conseguirá definir. Aí, sim, o seu pensamento "puro" irá despontar, aí sim sentirás que seu/sua/a/o/e/k/c/ "_________" ou



ou



irá aparecer.