20110314

Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu

O trono só estava um pouco sujo, um pouco mais sujo do que o mínimo que eu achava que era necessário para que alguém pudesse ver alguma poeira da distância a que ficavam em geral.... mas não deu outra, e justamente por isso eu fui levantado pelos cabelos:

- A troco de quê você sujou o trono, Ram-Tsa-Ka?!

- Mas eu não sujei, de modo algum, não!...

Me jogaram para fora do palácio, junto com minha bolsa e uns outros pertences espalhados, mas bem nessa hora o faraó estava voltando da guerra. Fui envolvido na felicidade geral e abraçado tão forte, mas tão forte pelo próprio filho do faraó que acabei ficando ali mesmo. No meio do caminho eu dancei, enfim, na verdade todos nós dançamos muito, eu só dancei porque todos dançavam e justamente a filha do faraó também começou a me puxar uns passos, sorrindo. Puxa, que sorriso charmoso ela tem! Me senti querido, bem querido!

- Viva!

- Viva!

- Viva!

Fiquei tão feliz que fui obrigado a quebrar o coro e confidenciei a ela:

- E eu, que na hora exata da festa estava sendo atirado para fora do palácio...

Ela me sorriu ainda mais desenfreada, dando uns pulinhos ritmados. Fiquei com a impressão de que não me ouvira e acabei repetindo, também eu sacudindo um pouco mais:

- E eu, que na hora exata da festa estava sendo atirado para fora do palácio!

Não só o sorriso continuou como seus olhos viraram para mim com uma doçura que nunca pensei que experimentaria, vindo de onde venho! E sacolejamos, dançamos e fomos seguindo, diria que até cada vez mais próximos...que beleza!

Mas como sempre acontece, meu outro lado do espírito começou a levantar suspeitas. Havia algo de emboscada nisso tudo, algo nos salamaleques que a impediam de naquele momento exato agir, mas o que me garantiria a vida e o emprego, quando terminasse a festança? Assaltaram-me dúvidas atrozes sobre tudo à minha volta, uma infelicidade que foi só crescendo conforme avançávamos palácio adentro na batucada.

Puxa, como eu fui infeliz nas horas e nos dias seguintes... Eu berrava, eu me esgoelava enquanto os banquetes e mais banquetes continuavam, enfim, “Eu estava sendo atirado para fora do palácio!”, “Viu?! Para fora!”, eu agarra qualquer um pelas mangas, e não importava, todo mundo ali pulava e eu logo ficava feliz de novo por uns instantes. E quem diria, também a filha do faraó continuava sorrindo e com os olhos ali para mim, dançando, dançando...ai, ai...até eu mesmo botei meu pé em cima do trono e sacolejei, rebolei, o escambau, deixei uma pegada e ninguém se importou! O medo, o medo!

E aconteceu que a festa não terminou mesmo. Enquanto duramos eu, a filha, o faraó e mais as figuras importantes do governo, ficamos ali pulando e acho que até fizemos sexo. Pois é, acho que até me diverti.

2 comentários:

  1. RiCausão!

    Texto incrível, muito bem escrito e fluido como devem ser as boas artes da letra. Uma clara ilustração de porque as civilizações inferiores morreram, culpa dessa volúpia desenfreada toda, bando de animais selvagens lindos!

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