20110331
fragmento azul
Foi assim que José não viu a morte - com a combinação ágil de piscadelas de ginasta e uma espécie de autismo fabricado, desfez o que se fazia à sua frente: um corpo de mulher desabando como tijolo em nada, já sem sentido. Dizer que continuou andando daria um tom maior à dramaticidade, mas é mentira: nem mesmo estava em movimento quando aconteceu, os pés plantados no chão como quem vê a lua com telescópio, um suíngue lentíssimo balançando-lhe os quadris enquanto admirava o que quer que fosse que caía. E então -- nada.
Gabriel lhe perguntou desesperado, bêbado talvez, afinal o que acontecia ou acontecera - mais cinco ou seis ao redor, círculo do telefone-fogueira, queriam saber, aflitos. José não o via, não é preciso falar, e a voz de Gabriel era quase um slogan alienígena surgindo metálica. Disse apenas que não sabia, que não tinha como saber, e desligou.
Viu-se no espelho de relance, distraído, e reconheceu sangue nos seus sapatos, antes que pudesse evitar. Fechou os olhos mas não foi suficiente
[apenas um adendo de qualidade duvidosa
e veneno histórico:
josé era o filho do neto do longínquo descendente
de um famoso bandeirante cujo nome já se perdeu
homem de grande bravura
de grande corpo
de longa espada.
desgraçado pelo sexo
(de uma nativa)
atocaiou-se em minas gerais
em uma gruta
em uma cachoeira
tornou-se bruxo
renascido Hermes
e viveu de cogumelos
até se tornar constelação]
pois o que estava visto estava visto, sem negociação. Naquele bar, quase gentrificado a ponto de se tornar uma padaria familiar, não havia ninguém que se importaria, creu ele. Comprou um café, uma cachaça, uma cerveja e uma coca-cola e bebeu-os nessa ordem, o mais rápido possível. Ao fim, tão enebriado quanto sóbrio, dirigiu-se ao banheiro e lá se trancou.
José também sabia outra coisa que esquecemos: morrer. Morreu, então.
dentro de uma estrela que na verdade é fria como todas as estrelas porque estão no espaço dentro de uma sala mobiliada como uma mesa de bilhar dentro de um armário de madeira de lei composto por mozart está josé de olhos abertos vendo ela dançar sobre desenhos de giz que talvez sejam o retrato de um ex-general sem nome e a dança é incrivelmente bonita e lhe faltam palavras
No dia de Santo Agostinho eu entrei em um café e pedi café. Você, por outro lado, decidiu que seria “diferente”, “emocionante” me desafiar num duelo de vida ou morte à beira do cais e então eu fui e eu te matei, mas não queria te matar. Porque eu te amava mais do que os urubus jamais te amariam – mas que importa? Você era deles agora.
20110329
20110327
soneto do sei lá.
sei lá
sei lá
Sei lá
Sei lá
Sei lá
sei lá
sei lá
Sei lá
sei lá
sei lá
sei lá
Sei lá
Sei lá
20110324
20110323
quotediana: azoto
20110320
20110318
Acho um desserviço
20110317
Coisinha que nunca deveria ir a público e que justamente por isso está aqui.
meu duplo diário em que posso fingir que não me exercito
faz tempo que não finjo que não me exercito
verdade
essa consciência constante de mim, medo de tudo que tem a ver comigo, receio de importar alguma coisa para alguém quando para mim mesmo sou um pedaço de laje e só – só um pedaço, não a laje toda! – como se poderia desejar um pedaço de laje? fica a reflexão hehehehehehehehehehe
escrever sem público, publicar sem escrita
fazer as palavríneas se aforagem no texto na lama do incógnito
mas nunca escrever e colocar na gaveta ou jogar fora porque aí é perigosamente impessoal
poder ter alguém que leia
querer alguém que leia
comunicar é quente
se sentir sozinho sem estar sozinho e saber sempre que está sendo um pouco injusto consigo mesmo e os outros, especialmente os outros.
sem rigor nenhum, sem morte nenhuma
sentir os limites com os dedos
sentir os limites com os dedos
cotidiano lutando contra o cotidiano lutando contra mim
não era essa a história que eu queria contar mas não tenho mais história pra contar pra ser sincero acabou o papel e a constipação e tudo mais
um elefante de ouro ainda é um elegante?
ELE, GALANTE, ELEFANTE ELEGANTE, GARANTE:
Go-ggg-go-g-gooo-gggoooorgonzola!
E-e-e-eu ggggggg--go-gg-goosto de gorgonzola.
ELA, DONZELA D'ONZE, ELA, DISSE ELA:
Mmm---mmmmortadela?
VOCÊ, FERA, VOCIFERA – VOZ DE FERA:
NNN----N---não-Nã--nã-nnão seeeeeeei!!!
MAS ELE, MAS ELA, MAS TURBANTE (REFERENTE ELEFANTE ELEGANTE DE TURBANTE), MAS NÓS COM REMELA, NÓS QUE DANSAMOS (ANSIAMOS, ANSIÕES) E AMAMOS E IMPORTAMOS QUEIJO DO BOM, SOMOS SÓ SORRISOS E FELICIDADE.
Co-ccc-co-c-cooo-cccoooomamber?
20110316
a EVOLUÇÃO é uma ARTE
Anexo 1
"blablabla" [exercício de estilo?]
No calor desta falseta andaluz, traz as doenças mais temidas num único beijo. Um beijo perdido, que vaga no espaço lúgubre entre o dia, a vida, e a morte - a noite.
Ou então!
Seria, pois, um singelo mensageiro dos infernos, que nos traz, a tiracolo, nossas vidas - a noite... E a morte, o dia??
o poeta se revolta contra a tarifa de ônibus abusiva
uma canção chamada sono, febre
ódio sem razão de
um pássaro
Ram-Tsa-Ka pega a estrada
- Me contaram um causo uma vez, de uns velhos que eram bem chatos e não pareciam querer ser jovens de novo...especialmente porque o efeito de um velho falando que “O p’blema tod’ são é quando hãm-mmnnhf-p’t’t- no cu” é bem diferente de um jovem dizendo isso aí. Todo mundo fica meio enternecido com o cu do velho, aplaudem, dão risada, acham engraçado, e não ficariam assim se ele fosse jovem, sei lá. E isso valia pra tudo. Aí não queriam voltar a ser meninos. Será?
- Não queriam mesmo, ainda bem. Eu acho. Talvez a graça seja justamente o velho falar do cu pra todo mundo rir.
- Veja.... mas, oras, lá vem Ram-Tsa-Ka!
Ram-Tsa-Ka já estava com 73 anos, ainda muito cabreiro e impressionantemente magro, porque havia, afinal, feito sexo com a filha do faraó, com o próprio e os ministros e ministras por cinqüenta anos.
- Ram-Tsa-Ka, diga lá: tu queria voltar a ser jovem?
- ....
- Ei, Ram-Tsa-Ka, volte aqui! Não nos deixe falando sozinhos!
Só que ele tinha finalmente sido expulso do palácio do faraó e não queria muito saber de papo naquela hora do dia. Mas os três acabaram andando juntos até uns quilômetros à frente.
- Ram-Tsa-Ka, você viveu bem aí? Acha que ainda é tão gracioso quanto quando era jovem? É mais gracioso agora?
- Como é crescer, Ram-Tsa-Ka? Como foi ficar cada vez mais adulto, até que você deixa de ser adulto e vira tipo um velho?
- Espera, espera, com calma... Sendo honesto consigo mesmo, Ram-Tsa-Ka, você sabe que só agora está realmente crescendo, porque, oras!, você viveu num limbo maracatútico de uns cinqüenta anos, festejando, pulando e fornicando até ser finalmente expulso do palácio por um delito que cometeu no que teria sido chamado de “auge da sua juventude”, não é?
- Compreende que é como se o que seria um apêndice da sua vida agora deveria conter todo um resto de, não sei, o que seria normalmente meio século? Enfim, e o que você vai fazer? Vai dar para ser assistente do faraó?, eu acredito que não, vai ter que encontrar outra coisa pra fazer, não é? Responde a perguntinha, é rapidinho, Ram-Tsa-Ka!
- Vão se foder, babacas.
Mano, todo mundo rachou o bico, menos eu =(
20110315
20110314
Re: Gatinho.
Quando ela fugiu, fui atrás. mas no caminho, desisti.
Desisti porque sou só um gatinho.
E derramei muitas lágrimas, lágrimas do gatinho.
Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu
O trono só estava um pouco sujo, um pouco mais sujo do que o mínimo que eu achava que era necessário para que alguém pudesse ver alguma poeira da distância a que ficavam em geral.... mas não deu outra, e justamente por isso eu fui levantado pelos cabelos:
- A troco de quê você sujou o trono, Ram-Tsa-Ka?!
- Mas eu não sujei, de modo algum, não!...
Me jogaram para fora do palácio, junto com minha bolsa e uns outros pertences espalhados, mas bem nessa hora o faraó estava voltando da guerra. Fui envolvido na felicidade geral e abraçado tão forte, mas tão forte pelo próprio filho do faraó que acabei ficando ali mesmo. No meio do caminho eu dancei, enfim, na verdade todos nós dançamos muito, eu só dancei porque todos dançavam e justamente a filha do faraó também começou a me puxar uns passos, sorrindo. Puxa, que sorriso charmoso ela tem! Me senti querido, bem querido!
- Viva!
- Viva!
- Viva!
Fiquei tão feliz que fui obrigado a quebrar o coro e confidenciei a ela:
- E eu, que na hora exata da festa estava sendo atirado para fora do palácio...
Ela me sorriu ainda mais desenfreada, dando uns pulinhos ritmados. Fiquei com a impressão de que não me ouvira e acabei repetindo, também eu sacudindo um pouco mais:
- E eu, que na hora exata da festa estava sendo atirado para fora do palácio!
Não só o sorriso continuou como seus olhos viraram para mim com uma doçura que nunca pensei que experimentaria, vindo de onde venho! E sacolejamos, dançamos e fomos seguindo, diria que até cada vez mais próximos...que beleza!
Mas como sempre acontece, meu outro lado do espírito começou a levantar suspeitas. Havia algo de emboscada nisso tudo, algo nos salamaleques que a impediam de naquele momento exato agir, mas o que me garantiria a vida e o emprego, quando terminasse a festança? Assaltaram-me dúvidas atrozes sobre tudo à minha volta, uma infelicidade que foi só crescendo conforme avançávamos palácio adentro na batucada.
Puxa, como eu fui infeliz nas horas e nos dias seguintes... Eu berrava, eu me esgoelava enquanto os banquetes e mais banquetes continuavam, enfim, “Eu estava sendo atirado para fora do palácio!”, “Viu?! Para fora!”, eu agarra qualquer um pelas mangas, e não importava, todo mundo ali pulava e eu logo ficava feliz de novo por uns instantes. E quem diria, também a filha do faraó continuava sorrindo e com os olhos ali para mim, dançando, dançando...ai, ai...até eu mesmo botei meu pé em cima do trono e sacolejei, rebolei, o escambau, deixei uma pegada e ninguém se importou! O medo, o medo!
E aconteceu que a festa não terminou mesmo. Enquanto duramos eu, a filha, o faraó e mais as figuras importantes do governo, ficamos ali pulando e acho que até fizemos sexo. Pois é, acho que até me diverti.
20110312
número 22: agonia
um bravo herói luta contra suas agonias no gramado e na Chuva.
20110311
20110310
cotidianas 4.
20110307
20110305
Bem pessoal estamos aqui para nos assegurarmos de que o cara lá de cima NÃO existe. Alguem discorda?
platéia: Não! Deus não existe mesmo, aquele maldito! morte a jesus!
"palmas"
Pessoal, se há alguem aqui que ainda crê em alguma divindade, você que está crendo ainda mas quer perder sua fé, levante sua mão e suba aqui! Venha, não tenha medo!
"alguem levanta a mão"
-Eureka! Eureka! Qual é o seu nome irmão
-Josefino!
-E você está pronto para aceitar o ateísmo em nome de darwin, ceticismo e richard dawkins?
-Sim!
-Eureka irmão! Mais um para o rebanho! Que assim seja
--
-Irmãos ateístas, esses dias estava reunido num jantar de família quando surgiu o assunto religião. Quando ouvi o começo da palavra, re... já fiquei preocupado. Quando falaram ligi... já fiquei com a cara toda vermelha de ouvir essa palavra maldita em pleno séc. XXI. Quando falou ...ão! Já fiquei todo nervoso e não conseguia me conter, já estava me remexendo na cadeira todo agitado, até soltei um peido da comida irmãos! Porque É UM ABSURDO AINDA EXISTIREM ESSAS BARBARIDADES EM PLENO ANO 2011! Nós vamos destruir Deus! Não deixei barato!
-Aí não pode, irmão! Você vai para uma noite agradável num jantar e é perturbado com esses espectros macabros da crença irracional EM PLENO SÉCULO XXI??! Conte irmão ateísta o que aconteceu!
-Não deixei barato! Soltei um peido e falei: Olha aqui a criação fétida do seu Deus! Sintam meu peido de Deus! Essa é a força de Deus, o fedor de Deus? Deveriam todos estudar Darwin, em PLENO SÉCULO XXI, falando em religião pessoal? Morreucabô! Morreucabô! Estamos todos indo em direção à sepultura, nos decompondo, em direção a sepultura e depois disso, só seremos comida de vermes e ACABOU! MORREUCABÔ! MORREUCABÔ! Irmãos infelizmente não teve uma boa repercussão e todos começaram a me olhar feio! Maldita crença mística em pleno*séc. xxi!
Minha mãe ficou envergonhadíssima, não sei porque, de ter um filho que desvendou as crenças irracionais que ainda assolam a humanidade! Mas tenho fé em nietzsche (não sei muito bem o que ele quis dizer! mas falou que Deus está morto etão eu concordo! Só errou em uma coisa, ele nunca esteve vivo!). Aí minha mãe, envergonhada, falou "Ele é muito inteligente! Mas anda lendo uns livros esquisitos que está tirando-o do caminho de Deus!" Ah, não, irmãos! Quando ela falou isso eu disse: CHEGA! E dei um soco na mesa, abalando a todos. CHEGA DE PRECONCEITO CONTRA OS ATEUS!!
Texto do escritor e livre-pensador Paolo Cardoso Lebre
20110304
Mezzo a mezzo (a hora do chá)
20110301
Ficção
Ah, sei lá, ué? Como assim?
É, como ela é?
Ela é... Ela é loira, não muito alta... Usa óculos escuros.
Ela é bonita?
Ah, que coisa!
Vai, fala!
É, é bonita. E tem sardas.
Tá vendo? É sempre assim!
Assim como? Com sardas?
Bonita!
Ah, ué, o que tem de errado?
Errado, nada, mas é sempre assim.
Não era pra ser?
Não sei, você me diga.
É melhor que seja bonita, não é?
Bem, pode ser, mas continua, sei lá, estranho.
O que tem de estranho em ela ser bonita?
Ah, eu só disse que ela foi simpática, que falou com ele quando ele tava triste, que pôs a mão no ombro dele... E voilá, você já imagina ela bonita!
Bom, porque as meninas que confortam sempre são bonitas.
Que meninas que confortam?
As dos filmes, dos livros.
Dos livros?
É, eu imagino elas bonitas.
Tá vendo?
Mas isso te incomoda por quê?
Porque aí o que sobra pra mim? Pras meninas que não são bonitas?
E você não é?
Não. Acho que não.
Pois eu acho que é, sim.
É? E como eu sou?
Ah. Sei lá.
Loira?
Sim.
Que mais?
Com sardas.