20100315

O Níquel da Eternidade - Esboço de um Road Movie

As graúnas me comovem. Comovem-me os girassóis. Comovem-me os lírios. Comovem-me as pedras no fluxo do rio. A água do rio. A água é cristalina diante de meus olhos. A água é cristalina diante do cristalino de meus olhos. E assim faz-se a complementaridade homem-natureza.

Direciono meu olhar para uma pedra, uma pedra brilhante à minha esquerda. Abaixo-me para tocá-la, para sentir a incomparável sensação de plenitude. Um susto. Quem é aquele que vejo? Seu rosto está turvo – a água é rápida – mas reconheço seus traços. São familiares. Tantos anos se passaram desde a última vez que vi esta expressão, uma expressão que transmite segurança. Segurança. E, em uma fração de segundo, torno-me inseguro novamente. Pois percebo, assim, que o rosto que vejo, na turva água do rio, é o meu.

Não reconheço as rugas que o cobrem agora. Abaixo-me mais um tanto. Consigo encostar na brilhante pedra, e um arrepio percorre meu corpo – o suave frescor da natureza. E raciocino. As rugas denunciam. Denunciam que, inesperadamente, rolou de meu bolso, perdendo-se para sempre, o Níquel da Eternidade.

O que me trouxe até aqui? Estes pés? Serão os pés, que nos fazem caminhar, os responsáveis pela viagem? E, se assim não forem, serão eles apenas servos de alguma outra faceta física do Eu? Não posso crer nisso. Sim. Os pés me trouxeram até aqui. Assim como me trouxe até aqui meu baço. Assim como me trouxe até aqui a tireóide. Assim como me trouxeram até aqui meus fígados, todos os três que possuo. Não há hierarquização entre os órgãos. Assim quis minha Mãe. Minha Mãe que é por tantos renegada – a Mãe Vida.

Mãe Vida escolheu-me outra Mãe. Uma Mãe de carne e osso. Uma Mãe Humana. E esta, por sua vez, forneceu-me uma Mãe, uma Mãe menor, unicelular. Seu óvulo. Poderia ter sido qualquer outro, mas foi aquele. Foi aquele, aquele se tornaria minha Mãe. Minha Mãe, dentro de minha Mãe, escolhida por minha Mãe Vida.

Pai, não tenho. O que é o pai? Fornecedor do material genético, do Sopro Existencial? Pois meu pai era aquele espermatozóide. E, no momento em que perfurou – (consigo sentir essa dor sofrida até hoje) – a parede de minha Mãe Unicelular, ele se desfez. Seu material genético – Meu material genético – foi espalhado por dentro da Mãe Unicelular. E desfez-se o espermatozóide. O homem que gerou o espermatozóide, diriam os mais biológicos, esse sim é meu pai. Não o espermatozóide. Nego. Ele era apenas um vetor...um vetor que fez minha existência ser possível.


O Vetor chamava-se Pierre Lovieuax. Contam-me que era chinês. Nunca o conheci.
(E será por isso que o vejo apenas como um Vetor?
Assim quis me fazer acreditar
o Psicanalista Primeiro de minha pessoa –
Eu Mesmo.
Não creio que assim seja.
Era um vetor.
Somente um vetor.)
Mamãe unicelular, essa sou eu.
Eu sou a Mãe.
Minha Mãe Maior está em Mim.
Pois do interior de minha Mãe Unicelular, o óvulo, fiz-me.
O ovo duplicou-se.
Dois ovos.
Os dois ovos se duplicaram.
Quatro ovos.
Células.
Núcleo celular?
Seria essa a essência de todos nós? Um Núcleo Celular?
Pois assim fui concebido.

Meu coração dispara. Apalpo meu bolso. Nada. Perdido. O Níquel foi perdido. Durante anos cunhado, durante anos estudado...e agora, perdido.
Resignação?
Derrotado?
Não. Olho novamente a água. É como um filme passando em minha cabeça e, traindo as leis da Natureza – Natureza suprema, pois então como tão facilmente traída? – a água inverte seu curso. Procuro-me no reflexo. As rugas...Permanecem. Percebo que estava de olhos fechados.
(Quais olhos?)
Abro-os. A água segue seu curso regular. As rugas...Permanecem. O Níquel, este se foi. Sinto que minha Metade Menor impulsiona-me para baixo. Olho a grama tão verde, tão verde -- e o Verde, a cor-mor da Mãe Natureza. Ela me seduz.
“Venha, Filho”, ecoa.

2 comentários:

  1. Olha, eu sei que é difícil hoje em dia, com o tempo do jeito que está e tudo...
    Mas leiam aí, é bacana, de verdade!

    Tá? =*

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  2. Eu li, sempre leio. É só que... nunca tenho nada a dizer.

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