20101231


Nostalgia é o passageiro gordo que faz o automóvel capotar.

Teve este lampejo enquanto guiava com os olhos petrificados em muitas coisas que ficavam para trás. Não havia muito com o que se preocupar, o tanque estava quase cheio, havia um mapa debaixo do banco, sua garota dormia no banco de trás. O que lhe preocupava era mesmo aquilo que ele já sabia estar em sua cabeça desde sua despedida, desde a partida. O fim. O fim já se vislumbrava em algum lugar entre seus olhos e a pista que rodava suas linhas para debaixo do carro, engolidas por sua escolha. Era o fim, pensava. Era a nostalgia que lhe pesava os olhos.

O lampejo, na curva da serra, para fora em tangente como ensina a prática aos desatentos, piscando dentro de si, como um sub-lampejo: na curva mais curva onde se deve sentir a desaceleração como uma doença e marchar engatado: o passageiro gordo de seus olhos: ainda houve um terceiro lampejo dentro do mesmo, como um resquício que provava que o instante era de fato bastante espaçoso como um esgarçamento em que ele poderia viver mais pensamentos como aquela nostalgia que pulsava entre os dedos do volante na buzinapárabrisaguiapulocrackecurvouseladomoinhosnostalturadodiaboestamosindoevoumeseguraraliquandoeupodereiárvores---***####`````galhosna--

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20101229

elementos sólidos construídos sob perspectiva euclidiana. o homem atravessava a rua e percebia as faixas de pedestre como paralelas. distraído, um carro de frente o acertou.


na linha do horizonte traçam-se encontros entre todas as outras. as duas surfavam por cima de todas as formas daqueles sólidos geométricos sob perspectiva euclidiana. por trás do grande edifício há outro e outro e uma estrada que se encaminha e árvores, além do céu, e um pedaço de mar. sucediam intercalavam. constantemente afastados, sem bordas de frente ao mar.


pisando na areia todo o mundo se abria em grande angular. as duas mal tinham agora, pra onde correr, mas ensaiavam aproximações. há, abaixo, homens e mulheres de mãos dadas escaldando sobre o sol do meio-dia, em devoção. o que sabiam aqueles homens e mulheres de não traçarem percursos ao se constituírem por meros acasos da vida. a criança tropeça e cai ao correr da onda e o menino ruivo a puxa pela mão, erro de cálculo. há distração.


há também, um porém da desmagnetização da Terra, e a reconstituição do espaço , tão necessária. noutro tempo-lugar, um menino olha o mar, distante. as linhas , forçadas ao retorno reconstituem o mundo e entram pelos dois olhos - há algum encontro interior possível, ou é tudo só imagem? o mundo está pronto e, então, ele perde o interesse.


20101228


Não ao sonho lúdico.

20101225

haicu

se lhe como a bunda
é porque adoro bunda
adoro você

Manhã de Natal

Fui dormir espremido entre uma crise de bronquite e uma barriga cheia demais de comes-e-bebes natalícios. Com a digestão comprometida pela falta de ar, meus amiguinhos tiveram que vir em meu auxílio, os sempre-nobres Beroteque e Atrovente. Caí no sono, enfim.
Fui abduzido por alienígenas que me transformaram em um desenho sem cores, congelado no desespero de olhar o mapa que me mostravam, dizendo onde estávamos, para onde estávamos indo (seu planeta) e de onde estávamos vindo (minha casa): o caminho que minha raça teria que percorrer para me resgatar, diziam. Enquanto isso, eles preenchiam minha cara com traços fortes de lápis-de-cor, laranja para a pele e azul nos vincos ao redor dos olhos para representar minha angústia (algo razoavelmente parecido, no fim das contas, com aquele álbum do Crimson King, só que um bocado mais rústico). Era impossível voltar, porque eu e minha raça não tínhamos a Compreensão: das coisas, dos lugares, do espaço. A Compreensão era só deles, prova disso era que nosso GoogleMaps ainda mostrava o território brasileiro como ele sempre fora, quando na realidade, no GoogleMaps DELES, Pernambuco estava preso em um oceano estranho ao lado de uma ilha cor-de-rosa - seu planeta (leur planète). Saí em busca de ajuda pela nave labiríntica, enquanto os alienígenas se riam de mim, de minha incapacidade congênita, meu desespero. Mas eu encontrei, filhosdasputas, eu encontrei!! Aquela garrafinha abaloada com o líquido que me traria a Compreensão! Esfreguei um pouco dele, como fosse uma colônia, na minha testa e na minha nuca. Fui, como se diz, Iluminado. Passei a Compreender, e dizia com grande propriedade, <<todas as coisas são todas as coisas, e todas as coisas não são coisa nenhuma!>>, enquanto eles, malditos despressurizados, me diziam para parar com aquele fingimento, aquela pseudo-iluminação de banca de jornal, aforismo patético, etc.etc., mas eu fui até o computador e VI, num fléche de luz e o mapa era um zoom infinito que ia e voltava e não seguia pra parte alguma, um aproximar e re-aproximar da pequena ilha cor-de-rosa mas cada vez de uma maneira diferente. Eu quebrei as regras, eu me livrei, eu tinha a Compreensão de que não significava nada eu estar aqui ou ali ou no fundo do espaço indo pruma ilha cor-de-rosa transformado em desenho, eu era e estava (i was) o que/onde/quando eu quisesse. E assim dei por mim com a garrafinha abaloada ensinando aos outros, amigos meus ou coisa assim, a como passar o líquido, como ter a Compreensão.
Acordei com a bexiga explodindo de tanto mijo e só me dei conta que já eram onze da manhã quando comecei a escrever aqui, nessa ilha cor-de-rosa.

Conheçam o novo mascote da República

20101223

Parte 6 - A história do automóvel,


eu não sei. Sei que houve Henry Ford e pouco mais que isso, só. Mas eu sei, porque assisto aos desenhos animados, que o carro fez parte do sonho americano e de boa parte das propostas de felicidade e, particularmente, de liberdade anunciadas pela televisão nos últimos anos, correspondendo estes aos anos em que houve carro e em que houve televisão. O automóvel se transformou em um símbolo da felicidade consumista a ponto de estarmos fadados a cortar a parte superior de todas as cruzes do mundo e transformá-las em referências ao Ford T quando vivermos neste admirável mundo novo que tem criaturas tais, ele se tornou o mais poderoso exteriorizador do sucesso humano e, diz-se, um feromônio indispensável nos dias atuais. Junto com a motocicleta, o automóvel representou e representa a fuga, o desprendimento, a velocidade e o que quer que seja que os beatniks queriam dizer e eu acho tudo isso muito lindo, de verdade, mas todos os eus paulistanos foram lá e estragaram tudo.

20101217

Você tem algumas das características mais abomináveis em um ser humano

Você é racista, você é uma ignorante política, você usa o ar-condicionado o tempo todo, mesmo quando não é preciso, você paga pela marca, você faz coisas sem sentido porque "é o correto", você é um pouco machista (mas de forma inocente), você insiste na literatura ruim mesmo sendo uma leitora esperta dos bons livros, você liga demais para as aparências, você quer só o chique, o confortável, o fácil, você tem suas hipocrisias, seus medos, você me põe tanto peso nos ombros, nas costas.


Eu ainda posso te amar?

Enquanto houver burguesia, não vai haver poesia

Burguesia

Composição: Cazuza/ Ezequiel Neves/ George Israel


A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

(...)

Pobre de mim que vim do seio da burguesia
Sou rico mas não sou mesquinho
Eu também cheiro mal
Eu também cheiro mal

(...)

Vamos acabar com a burguesia
Vamos dinamitar a burguesia
Vamos pôr a burguesia na cadeia
Numa fazenda de trabalhos forçados
Eu sou burguês, mas eu sou artista
Estou do lado do povo, do povo

(...)

A burguesia fede
A burguesia quer ficar rica
Enquanto houver burguesia
Não vai haver poesia

20101216

4º Intervalo – Biologia


Muitos animais, por mais perigosos que sejam, geram nas mais variadas pessoas uma certa simpatia. Os mamíferos, em particular — talvez por serem mais próximos dos seres-humanos, só que sem o inconveniente de poderem ser responsabilizados por seus atos de selvageria —, possuem um séquito tão fanático de seguidores que se uma família pobre do norte de algum país gelado não encontrar forma melhor de se sustentar que matando pequenos filhotes felpudos para arrancar-lhes a pele, é melhor que ela vá se habituando às pedras arremessadas.
Outros vertebrados, também privilegiados, talvez, pela proximidade evolutiva, costumam ser admirados em zoológicos, observados pela TV ou guardados como ornamentos, em aquários. Os filos mais afastados, porém, fomentam a antipatia de algumas pessoas, especialmente as do sexo feminino, que se sentem enjoadas pela mera observação de certos platelmintos ou nematelmintos, por exemplo.
Em particular, porém, os artrópodes parecem ter se especializado em ser odiados por essas pessoas. O grupo reúne aranhas e escorpiões, baratas e mariposas, centopéias e lacraias. São animais com um potencial enorme para gerar horror nos seres humanos, mas nenhum desses é tão preparado para nos incomodar quanto o pernilongo.
Eles sabem como atacar.
Entram pela janela aberta, escondem-se nas sombras e lá ficam, aguardando o momento mais adequado para saírem atrás de seu alimento. E eles se alimentam do terror a que submetem suas vítimas.
Há um entendimento mais ou menos generalizado de que os pernilongos se alimentam de sangue, mas o sangue que sugam não passa de uma desculpa para nos importunar. É só uma forma de fazer com que as pessoas se apavorem frente à presença desse minúsculo inimigo. A picada é apenas uma forma de o pernilongo ser lembrado por um tempo mais longo.
E tudo começa no verão, quando está quente demais para o uso de roupas que os mantenham afastados. Começa, também, à noite, quando as pessoas se sentam no sofá e começam a ler um livro à juz do abajour. A luz é o sinal. De repente, uma sombra cambaleante projeta-se na parede. O pavor é imediato. O inseto voa perto da lâmpada, gerando uma sombra monstruosamente grande que dança por um tempo — tempo suficiente para ser notada — e depois desaparece.
Quando o leitor interrompido decide averiguar o fato, nada encontra — os pernilongos são mestres em desaparecer. Pode-se seguir um com os olhos atentos até que, cedo ou tarde, ele fatalmente sumirá. Já preocupado, o leitor considera, enfim, que já é hora de ir dormir. É o primeiro erro.
É na cama que, com o perdão da brincadeira fácil, começa o pesadelo. Deitado, no escuro, o indivíduo ouve o familiar zunido. Não há nenhuma justificativa evolutiva que explique o zumbido do pernilongo. Quando se leva em conta que é um animal furtivo, que se aproxima sem ser percebido, o barulho parece ser somente um empecilho.
Porém, agora que sabemos que o pernilongo se alimenta de pavor, podemos desvendar a verdadeira razão para o famigerado som, um dos mais temidos do universo conhecido. Voltemos ao nosso personagem.
Estava ele, dissemos, deitado quando ouviu o som. Tentar acender as luzes para localizar a fera é inútil: o animal desapareceria imediatamente. De qualquer forma, matar um, dois, cem deles também não solucionaria o problema — sempre haverá outro.
A solução, portanto, é cobrir o corpo todo com o lençol. O calor atordoará o corpo, mas o desconforto da temperatura não se compara ao horror de dormir exposto ao inimigo. De qualquer forma, se a vítima, suada, decidir descobrir-se um tantinho que seja, logo um zunido oportunista far-se-á ouvir, jogando-a novamente para debaixo das cobertas.
Aqui, cabe mais um comentário sobre o zumbido dos pernilongos. Ele não é emitido por ondas sonoras, como se poderia supor. Trata-se de uma vibração no espaço-tempo propagando-se através de abalos dimensionais diretamente para dentro da mente da vítima. Agora, por exemplo, nosso personagem, além da coberta, pôs sobre a cabeça dois travesseiros, na tentativa de tampar os ouvidos, mas continua a ouvir os zumbidos.
E há muitos outros aspectos da engenhosidade destes insetos que merecem reflexão. Por exemplo, os animais, que surgem nas férias de verão, têm por conveniente habitat justamente as casas de praia e de campo. Apreciam, também, atacar regiões das costas impossíveis de serem coçadas ou voar daquele jeito inconstante que, embora menos eficiente como locomoção, dá às sombras projetadas um ar mais fantasmagórico e hipnótico.
Em sua cabana em meio ao exército, rodeado pelos mosquitos, porém, Marc não pensou em nada e limitou-se a se enfiar mais no saco de dormir, tapando os ouvidos com as mãos, inutilmente.

facts diver, literatura de front(page): jornal do futuro

Silvio Santos é um senhor de idade avançada que atira aviõezinhos de dinheiro no meio das multidões para se divertir e divertir todo o mundo; não sei o que ele tem a ver com o Banco Panamericano e o Grande Calote (aliás, nem sei qual calote que é esse), mas logo deixo de prestar atenção e vejo ali num canto outro rosto conhecido e é o de um bom-moço, sem sombra de dúvidas, é BILLY BOLHA e ele diz que já soprou o canudo três vezes - perda de tempo, policiais, Will é um homem SÉRIO, pai-de-Família e cordial visitante de todas as noites Bresilafora, como podem sequer pensar que ele tomou alguma coisinha antes de pegar o volante? Ele não é como aquele outro, ali, com o carro bem no meio da lanchonete, que barbaridade... Bom, também é certo que pelo metrô é que não o encontrariam, ele que é um homem tão SÉRIO e OCUPADO, não tem condições de perder seu tempo valioso dando com a cara na porta das estações fechadas da linha Azul. Não ele.
Olá, Billy! Adeus, Billy! Espero que a "dança das cadeiras" não te aborreça, Billy!
E lá vai o Nenê preso, enfim. E lá vai o Assanger processado, HERÓI DE NOSSO TEMPO, e falam de conspiração - ha! ha! - os putos.
...
Pelo menos está mais quente que aqui, pena que chove tanto... Espero que meu vôo não atrase - mas eu também não posso me atrasar pro vôo, preciso voar!
(que com essa chuvarada a lentidão não vai ser mole, não)

20101214

20101213

A República dos Coxinhas

Um dia, ir ao estádio no Brasil será o mesmo que na Europa. As pessoas entrarão sem bagunça e assistirão aos jogos sentados em cadeiras confortáveis e com boa visibilidade. É certo que isso vai acontecer, com ou sem a Copa de 2014, porque este é o mundo que estamos construindo. As pessoas se preocupam demais em rotular e criticar ecochatos, feminazis, antitabachatos, veganazis e pessoas que não gostam de piadas de judeus ou de corintianos, mas poucos percebem qual é o verdadeiro mal do nosso tempo.
Na Índia, cidadãos de bem denunciam, mandando vídeos gravados por eles mesmos para um site específico, seus vizinhos que desrespeitam leis de trânsito. Na Europa, já disse, assiste-se ao futebol sentado e em silêncio. E o Brasil, meus amigos, está caindo no mesmo buraco.
Existe desmatamento e existe gente que protesta pelada contra ele. Existe crueldade com animais e existe gente que borda os dizeres “100% vegan” em todas as suas peças de roupa. Existe câncer, racismo, sexismo e existem pessoas que, ainda que bem intencionadas, se tornam insuportáveis. Mas nenhum desses é o nosso problema. São problemas antigos ou são frutos de problemas antigos e são coisas que, bem ou mal, estamos resolvendo, coisas com as quais estamos lidando.
O mal do nosso tempo... O mal do meu tempo é cinema com lugar marcado.

MACACOMOÇA (meorgulhotantodefotografarreflexosaoacaso)

20101208

INSTRUÇÕES DE MÁXIMA IMPORTÂNCIA



O Homem aprende que a desobediência é o que cria pêlos na cara.

faits divers, literatura de guerrilha: wikileaks

julian assange é um homem branco de cabelos brancos e foge por túneis negros de paredes negras de homens brancos de cabelos negros com cassetetes negros de contornos vermelhos que querem lhe mostrar o que é verdadeiramente o estupro a violação anal que consiste em inserir um cassetete negro no ânus do indivíduo a ser educado até que o cassetete negro adquira contornos vermelhos portanto você deve entender porque ele foge ele que é um revolucionário porque quando criança um deus azul de olhos verdes lhe disse garoto você nunca deve mentir nem tolerar mentiras e então ele decidiu que isso era verdade e usando sua mente que se estende uma mente de telepata ele invadiu com projeções astrais transparentes de olhos brancos os mais fechados bancos do mundo capitalista e de lá tirou planos de dominação e de entreguismo e de venda e de compra e de morte e disse a todos vejam só o que eles fazem e então agora querem matá-lo porque ele é um herói de talentos diferenciados e todos os heróis devem morrer em poças negras de sangue vermelho ele que vive em iglus feitos de chips verdes de coração branco agora um technhomem um ubermensch benigno feito de cabos negros e coração de silício que voam no céu arco-íris de cores muitas e deixam pó mágico cair sobre as nossas cabeças dizendo amanhã vão chegar homens novos de cores novas com vozes que viajam pela luz e não pelo som homens do vácuo que vão extinguir o vácuo preenchê-lo com cores novas e sons e agora ele foge porque é humano assim como todo herói e é essa sua perdição ter esporrado em alguém essa sua queda como a de todos um pecado original de uma cor só uma cor sem nome que deus egoísta guardou para si e suas maquinações e então toda a biblioteca de um mundo em fuga dentro desse homem explodindo em confete um enforcamento ao vivo pois assim sem sangue e o mundo segue o mesmo era um falso messias anticristo sem chance e os segredos continuam mudos e de cor cinza morta enquanto eles matam nossas mães.

20101207

Parte 5 - Depois eu fiquei (chato) assim.

Foram, portanto, a consciência do distante e a inconsciência, também, que escondem essas canções todas, todas elas do exílio, todas elas sobre a palmeira e o sabiá e nunca sobre aquilo que doía, porque o que dói, agora, é essa falta infinita da palmeira e do sabiá, minha primeira visita ao sentir São Paulo, ainda que antes, muito antes eu já vivesse um saber a cidade que devo em grande parte ao namorar uma arquiteta ou urbanista potencial, alguém que olhava para os prédios e me dizia mais do que gosto ou não gosto. Mas saber não é sentir e foi só quando eu primeiro vi no céu a falta do cruzeiro, só quando eu primeiro sonhei numa língua que não era minha pátria e quando me faltaram o pão francês e a mortadela (esses dois que nem nossos são!) e um suco de laranja que prestasse, foi só então que eu senti além de saber, muito embora sentisse pouco e soubesse menos.

Foi lá, também, que eu aprendi a sentir uma cidade (assim, genericamente) ou a me sentir parte de uma cidade, que são conceitos parecidos, acho, embora nitidamente diferentes. E foi por isso que no final de 2009, quando eu voltei para casa finalmente em um dia chuvoso que não podia ser mais propício e fui a um restaurante com meu pai e meu irmão, embora eu não me lembre se era uma pizzaria ou um restaurante japonês e minha memória cisme em fingir que era uma lanchonete, foi por isso que neste dia específico eu já tinha o plano de contrariar toda a minha saudade e todo o meu ufanismo e incorporar à minha recém retomada vida paulistana o elemento máximo de minha vida pregressa inglesa, ou seja, uma bicicleta.

O plano era ousado, para dizer o mínimo: envolvia não apenas desembolsar uma quantia relevante em um objeto que aumentaria meus riscos diários consideravelmente, mas também fazê-lo insensatamente, investindo não em um equipamento urbano, mas em uma bicicleta sem marchas ou freio nas mãos, desenhada para andar na praia ou nos asfaltos planos e bem cuidados da Europa que eu fingia negar. Dava, assim, a impressão de ser como aqueles mesmos arquitetos que, trazendo as idéias de fora, deixam nossa cidade tão pouco nossa ou como, sei lá, a Cow Parade de que tanto reclamam aqueles que clamam por um intervencionismo urbano mais paulistano, esquecendo-se, talvez, de que São Paulo é farta em sua própria linguagem de rua, nas pontas de suas pixações ou no preto de seus grafites e de que é absolutamente coerente ao espírito de Sampa trazer de fora tudo quanto pudermos, sem maiores pudores.

Seja como for, a idéia tinha algumas justificativas à época e há outras que eu poderia citar agora sem grandes receios, apesar de claramente terem sido criadas a posteriori, para explicar a decisão somente depois de tomada. Em primeiro lugar, no que diz respeito à inadequação de uma bicicleta caiçara, pesada e de guidão alto às ladeiras e ao asfalto truncado de nossas ruas, eu me defendia, então, com a desculpa prática de que eu não pretendia me aventurar para além das fronteiras do meu bairro e que, portanto, a questão era de menor relevância, devendo prevalecer o conforto maior que uma bicicleta dessas propicia nos passeios breves, em que a coluna ereta nos cai bem (embora eu posteriormente fosse descobrir que esta postura sentada seja, na verdade, danosa à coluna). Hoje, porém, todos podem ver que eu faço — e a verdade é que eu já então sabia que faria — percursos longos de dez, quinze quilômetros, às vezes tendo que descer uma via rápida como a Sena Madureira (rápida para uma bicicleta, vejam) ou tendo que subir o Everest que é uma Bela Cintra ou uma Brigadeiro Luís Antônio, tendo que brigar com os ônibus da Paulista, Vergueiro ou Joaquim Floriano, tendo que me apertar entre os carros da Lins e da Francisco Cruz, enfim, tendo que fazer tudo aquilo que uma bicicleta caiçara sem marcha e com freios nos pés não nasceu para fazer. Aos que levantam estes argumentos, eu talvez não tivesse resposta na época, mas agora eu diria que comprar uma bicicleta nunca foi uma questão de adequação e que, se eu quisesse andar em São Paulo com um veículo para o qual São Paulo foi feita, eu não teria opção ao carro, e que andar de bicicleta é tanto uma decisão pessoal quanto uma forma de ativismo, porque não se anda de bicicleta em uma cidade como São Paulo sem se estar protestando contra nosso trânsito, nossa visão motorizada de como o mundo deve ser etc. Assim, uma bicicleta inadequada me parece tão propícia quanto qualquer outra, se não for mais, me forçando, a cada buraco no asfalto, a cada trecho em que tenho que dividir a faixa com motoristas ignorantes, a lembrar que estou em São Paulo e que são esses alguns dos problemas da minha cidade. Mas também não é minha intensão fazer panfletismo aqui e é por isso que corro logo para minha última consideração a respeito da minha escolha cíclica, ou seja, a opção por uma bicicleta com freio no pé, o freio “contra pedal”, ao invés dos tradicionais v-brakes, na mão, que são o que mais se vê na bicicletas que teimam em circular por nossas vias hostis. Essa é, na verdade, a questão mais relevante dentre todas essas observações tediosas sobre bicicletas, porque ela envolve o entendimento da diferença principal entre andar de bicicleta e andar de carro, ao menos do ponto de vista desse texto, isto é, de sentir a cidade: andar de bicicleta é como andar a pé (só que mais rápido), é poder fazer qualquer caminho, poder parar e olhar uma árvore florida etc, ao contrário de um carro em que se entra e se sai do mundo; uma bicicleta é uma extensão de você, não algo externo como um carro e, da mesma forma, estar em uma bicicleta é como não estar, é seu corpo que roça os carros, quando a manobra não é rápida o bastante, é em seu peito que bate o vento e é sua cara que se dá a tapa.

E é mais ou menos por isso que comprar uma bicicleta foi meu segundo avanço no meu processo de internalização da cidade em mim ou de mim na cidade ou internacionalização nenhuma de nada em lugar nenhum, somente uma sensação de sentir que, francamente, já me basta.

20101205

TOKYO mon amour

história & veneno

em 1955 aos quatorze anos ricardo
rodrigues dos santos
um alemão exilado
sem nome(
e portanto
sem alma)
perdeu
(sempre perde-se)
chance única e prodigiosa de felicidade
(algo que ele como alemão nem mesmo merecia)
:
uma mocinha de quinze
(ou dezesseis)
(ou treze)
anos
que amava.
ninguém
(de importante)
chorou.

"
meu peito é um rombo
de sangue seco
vazio
anticoagulado e vazio
e seco
sem mira e sem tiro
estéril ainda bem.
eu
sou um míssil
v4
oco
falho
sem explosão.
eu sou sem explosão."

um pouco foi escrito sobre ele
(todos sabem):
um pouco discreto
(um por
co secreto)
detonou zyklon ontológico penetrante como a alma de um zumbi
algo-herói algo-épico
(por critérios gregos)
sem espada
rasgante
(pequeno)
grande
, um poeta sim
(naquilo que há)
faltaram-lhe vitaminas
(garoto vitorioso
)perjúrio(perdeu)
fugitivo
(tudo) um déjà vu
sem sangue.

20101202

Mais uma obra do capitolismo cristão




Um menino Jesus traquinas, que subia nos telhados, quebrava os cântaros alheios, brincava com leõezinhos, apaziguava dragões, transformava crianças em carneiros e, vez ou outra, fazia também malvadezas. Zangado, podia amaldiçoar e punir com a morte quem lhe enfrentasse. Outras vezes, para tirar uma história a limpo e provar que não tinha culpa de uma morte casual, ressuscitava mortos para que contassem o que aconteceu, depois os mandava dormir o sono eterno outra vez.

fonte: http://www1.folha.uol.com.br/livrariadafolha/839763-menino-jesus-era-traquinas-e-ate-fazia-malvadezas-mostra-livro-de-padre.shtml

ninguém segura os ANARQUISTAS

20101128

Parte 4 - Um dia, eu fui assim

Houve um tempo em que eu dormia tarde e acordava cedo. Pro café da manhã, por preguiça e economia, eu só tinha pão, que eu mantinha congelado, e manteiga boa, ambos guardados com etiquetas com o meu nome, para evitar que fossem usados pelos outros que compartilhavam a cozinha. Nesse tempo, eu fazia o pão na torradeira escutando no ipod qualquer coisa que me lembrasse de casa e eu passava a manteiga nele, e eu me refiro ao pão, claro, não ao ipod, e o segurava, o pão de novo, com a boca enquanto saía correndo, porque eu sempre acordava já meio atrasado.
Quando eu saía, embora fosse verão, estava sempre frio. Eu abria a porta pra rua de uma vez e encarava direto e então eu pegava a minha bicicleta e pedalava pra aula enquanto engolia o pão com manteiga e o frio que batia de frente, o vento que batia de frente.
Tudo era estrangeiro. Meus amigos, minhas aulas, o pão com manteiga, o céu à noite, e até eu, estrangeiro ali, estranho, alheio, alienígena. Todo o tempo era uma procura de defeitos, uma procura de razões pra gostar mais de casa, para querer voltar pra casa. Quando eu estava em Paris, era só Buenos Aires e vice-versa. Mas eu também era dali. Eu conhecia os caminhos, eu tinha meus truques, eu pegava o trem pra Londres e me virava lá, no metrô, nos teatros, nos pubs que não cobravam mais caro e que tinham bandas de rock ao vivo. Eu tinha meu pão inglês, minha manteiga inglesa e, às vezes, um leite inglês com o equivalente inglês do Toddy. Eu ia pra aula e era mais um ali, como todos os outros eram, até comer no refeitório da faculdade, eu comi.
E, porque eu era dali sem ser, eu percebia as coisas; eu não tinha o deslumbre quieto (porque passivo) dos que se chegam a um lugar e veem pela primeira vez a torre Eiffel, o Cristo, o Big Ben ou os desenhos cravados na madeira do portão do Queen's College. Mesmo turista, meus passeios de punting eram só uma liberdade que eu tomava, não eram minha razão de estar ali, assim como um italiano pode um dia pagar o tíquete e entrar no Coliseu e se misturar com todas as outras línguas que se encontram por ali sem por isso ser uma língua a mais. Eu via, claro, tudo o que há de bonito, mas meus olhos eram críticos e, mais que isso, nostálgicos: eles tinham saudades e viam ali a falta de uma padaria, a falta de azeite bom nos restaurantes (menos o português), a falta de sentido das ruas, de calor das pessoas (e, por Deus, do clima), a falta da bagunça e da aleatoriedade que deveriam me nortear. Brazilian way, eu dizia quando saía sem saber pra onde, só acreditando que, indo naquela direção, a gente iria chegar onde quer que fosse.

20101126

20101125

literatura celular

E aí, como se fosse de papel, ela se dobra sobre si mesma e murmura uma ideia numinosa.

Ele desliga o som, mas finge que não ouviu nada - talvez seja hora de dormir. Outros dias e outros faróis acesos podem ajudar a torcer a linha do horizonte.

Se ao menos fosse de papel couché! Ela insiste, já sem saber o que estava dizendo. Ele diz que ela pare, que aquilo já tinha sido muito bonito e não precisava de conclusão ou réplica.

Ela não entende como uma coisa assim tão bonita pode gerar silêncio. A beleza que ela empresta para o mundo é para fazê-lo girar. Ele não entende como um narrador pode saber ao mesmo tempo o que pensam dois personagens. O narrador está sempre preso do lado de cá ou de lá. Se ele finge estar dos dois é só porque não está chegando a lugar nenhum com o que estava do seu lado.

Faróis apagados. Ela se desdobra e olha para fora. A porta se abre e acende a luz interna do automóvel. Ela se vê no retrovisor e resolve que vai dormir ali hoje - que ele pode subir e dormir na cama dela se quiser mas ela mesma não vai a lugar nenhum e nem o carro e nem aquela luz que insistentemente mostra para ela que os anos não vêm sozinhos e que tudo que tinha passado não se repetiria e nem seria melhor.

20101124

Sobre Benjamin sobre o ator




aktior spassiot liudi liubliut smatret liudi liubliut aktior on liobov liudiei.

aKtior prevoshodIt. Nam On spassiot.

pincenê

20101123

Divulgação gratuita

Parte 2 – A história das pessoas que não são eu

Pedro toca saxofone. Quando ele tinha 11 anos, algum tio de gostos estranhos chegou para o natal com uma caixa preta aveludada e lha entregou animado. Quando o menino destravou os trincos e tirou o instrumento – muito mais bonito que qualquer brinquedo que já tivesse tido –, os pais foram tomados de desespero. Violões, flautas-doces, harmônicas, são todos instrumentos chatos e barulhentos nas mãos de uma criança, mas o saxofone, além de mais chato e barulhento, é também muito mais caro.
Mas Pedro tinha jeito. Depois de algumas semanas em que a casa parecia ter se transformado em uma imensa orgia de gatos, as notas foram se acertando e em pouco tempo ficou óbvio que ele havia nascido para aquilo.
Quando a família se mudou para um condomínio e os vizinhos os viram chegando com aquela caixa, logo começaram as reclamações. Já na primeira noite, o síndico tocou no interfone avisando que não era permitido barulho após certo horário.
Mas assim que Pedro começou a tocar, ninguém mais reclamou. As músicas que ele tocava, fossem quais fossem, soavam mais lindas que qualquer outra coisa que os vizinhos já tivessem ouvido e a decepção geral era tamanha quando chegavam as 22h e o menino paravam que, na semana seguinte, o síndico teve que interfonar de novo, avisando que a restrição de horário não se aplicava às músicas que Pedro tocava.
E Pedro tocava. Quando Pedro estava muito feliz, ele ia para a varanda e tocava o sax para a noite. E quando ele estava muito triste, como no dia em que seu tio morreu doente, ele se trancava no quarto e tocava versões de jazz e umas composições novas que ninguém sabia bem o que eram, além de lindas.

Amanda saía todas as noites. Ela trabalhava cedo e dormia pouco, mas isso não a impedia de sair sempre com gente nova, para lugares novos. Amanda tinha vinte e cinco anos e eram muito poucos para se cansar e demais para ficar parada.
Numa segunda, alguém talvez a encontrasse numa festa que ainda não tinha acabado em algum sítio no interior, buscando alguma carona que a deixasse direto no trabalho, que tempo não teria nem pra um banho. Na terça, amanheceria na casa de alguém que conheceu na noite anterior, vestiria uma camisa dele e sorriria enquanto saía pra rua ainda fechando o zíper. E ainda com a camisa dele ela iria para uma balada friendly, onde se manteria totalmente sóbria e riria até o diafragma doer com seus amigos bichas que encontrava e fazia por ali. Na quarta, um samba-rock num teatro, na quinta, tem festa na USP e na sexta ela vai pra Augusta e só volta na segunda ou quando alguém chamar ela pra um sítio, pra uma festa. E sempre que alguém vir ela, ela vai estar rindo e linda, e sempre em boa companhia.

Eduardo organiza ataques DDoS. Ele escolhe sites de empresas com logotipos muito feios ou cujo SAC o tratou mal e os tira do ar. Senão, ele programa aplicativos para celular ou extensões para navegadores. E ele cria contas de e-mail, msn, facebook, ele cria personagens incríveis e conhece gente e cria laços, mas um dia esses personagens somem e só ele fica.

20101120

Tenho saudades tuas.

E já agora ficas a saber que eu virei chalupa.

A espada e a rosa, João Nicolau, 2010.

20101118

Parte 1 - O cenário

São Paulo é feita de toneladas e toneladas de carne, ferro e concreto. Cada porçãozinha disso não é uma célula, como exigiria a metáfora, não é um pedaço do todo, são todos eus, eus, eus. Por isso a cidade é tão grande e horrível, porque cada prédio é eu, cada muro é eu e todos os eus se fecham dos outros, se escondem, se expõem enquanto eus.
São Paulo tem muros demais e eles falam. Não são as buzinas, não são os motores nem os gritos, não são as risadas que ainda hoje se ouve, são os muros que falam por São Paulo. É o concreto liso que escurece impotente quando as motos zunem, é o tijolo exposto sob a tinta seca que envelhece com a gente, que se repinta porque mente, em que mijam os cães e os bêbados, em que se apóiam as velhinhas e os que esperam o ônibus, tudo isso é grito. Como é grito os desenhos, uns mais bonitos que tudo, outros assim como sujeiras de letras de pontas agudas anunciando amores e ódios.
São Paulo tem carros demais e eles não andam. Os fluxos são orgânicos, os caminhos são os mesmos, os destinos também. Em São Paulo, é assim: o destino ou é Centro ou é Bairro. E sempre demora.
São Paulo tem gente demais e, falem o que falarem, humanidade demais, também. A cidade tolera todo mundo, pena que até os intolerantes. Gente, tem de monte; às vezes, falta gentileza.
São Paulo tem comidas demais e elas vêm de toda parte. E elas ficam por aqui, crescem, se misturam como tudo se mistura em São Paulo, como receitas que nascem e morrem umas nas outras e de que nos orgulhamos como nos envergonhamos de nossa fome, que São Paulo também tem demais.
São Paulo tem males demais e eles são tão nossos quanto o resto. Outras cidades também têm seus problemas, seus Godzilas, suas invasões alienígenas, suas invasões por nazistas, suas invasões por turistas sexuais, suas invasões por ladrões de bicicletas, seus pervertidos no metrô ou o que quer que seja que as outras cidades têm, mas a gente tem nossa pequenez imensa, nossa fartura de miséria, nosso individualismo coletivo, nosso orgulho vira-lata, enfim, nossos oximoros maleducados.
São Paulo tem mais coisas, também, mas são coisas demais.

20101116

Only the young


ANARQUISTA [14.03.2010]

Anarquista

Fogo

Porrada

Punhos em chamas

Cocota

Viagem

Qu’est-ce que je faire? Unfaire!

Ou seje...


Depressão. Tesão. Fuga da prisão, quebra de lacres, rompimento de pedágios em altíssima velocidade, mas derrepente!: bossa nova, sacocheio. Tacar fogo na praia, correr com a roupa do corpo, correr sem roupa no corpo; queda do abismo. Grito, peito rasgado, paixão sem limites imaginários. Fronteiras, perseguição, bombas – “Matei um, matei um”... Três meses depois sozinho numa cabana solta no mato, bebendo urina. É o fim.

Bebi com eles, joguei e contei as piadas que eu sabia. Foi pouco, muito pouco.

Euzébio nasceu em 3 dias diferentes: 21 de março pelo RG, 22 de abril pela certidão de nascimento e 4 de janeiro pela sua mãe. Confiemos, pois, na mão direita de seu pai.

20101114



Ele tinha medo de mármore.
Era um idiota.


20101111

AZUL: tocar

estado é tudo!

horror
amor
estado

São Paulo para os paulistas

Existe esse movimento aí (nem sabia, mas era de se supor): São Paulo para os paulistas. Faz sentido.

São Paulo começou com padres importados de Portugal. Enriqueceu com trabalhadores manufaturados na Itália e até hoje nossa comida mais típica, aquela de que de fato nos orgulhamos, é a pizza. Depois, trouxemos japoneses, árabes... E fomos nos construindo, em muito, com braços do nordeste.

Se alguém me perguntar como reconhecer um paulista entre outros brasileiros, vou ter que dizer: procura alguém em um grupo impossível de pessoas cuja única semelhança seja a diferença. Isso aí que é ser paulista. A xenofobia e o preconceito são impraticáveis em São Paulo. Quem os pratica, portanto, não pode ser daqui (mesmo que seja).

Eu amo São Paulo. Mais do que dá pra entender. E eu quero que ela seja dos paulistas.

E por "paulista", eu entendo todo mundo.

20101110

MERGULHO E DOR DE CABEÇA

A dor de cabeça (cefaléia) pode aparecer nas seguintes situações:


NA DESCIDA
DURANTE O MERGULHO
NA SUBIDA
APÓS O MERGULHO



Na descida



Barotrauma de seios da face: (frontal/esfenoidal/ maxilar e mastóide) podendo ou não estar associado a sangramento nasal e náuseas. A cefaléia pode ser geral ou localizada no respectivo seio acometido.

Barotrauma de ouvido médio: a dor de cabeça está localizada ao redor da orelha ou dentro dela podendo irradiar-se para região temporal, cervical e na região central da cabeça. Associado a náuseas, tonturas e perda parcial da audição.

Barotrauma dental: relacionado a restaurações precárias. A dor é referida na mandíbula, pescoço, região da maxila do lado acometido, associado a dor na região central da cabeça.


No fundo



A retenção de CO2: é uma das principais causas de cefaléia durante e após o mergulho. Causada por erro na maneira de se respirar (respiração superficial) impedindo a troca correta dos gases no alvéolo pulmonar. A dor de cabeça é generalizada e pode estar associada a náuseas e vômitos (uma das principais características deste tipo de dor de cabeça é que ela passa gradativamente com o retorno da respiração correta – inspiração profunda e expiração total). Às vezes roupas muito apertadas impedem a expansão adequada do tórax podendo ajudar no seu aparecimento.



Síndrome têmporo-mandibular: (dor na articulação da mandíbula) ocorre quando não existe uma perfeita adaptação do bocal do segundo estágio ou ele está em condições precárias dificultando sua apreensão pelos dentes tendo que se desenvolver um esforço maior e contínuo para mantê-lo na boca. A dor é referida nesta articulação podendo se irradiar para região temporal e cervical posterior (nuca) muitas vezes associada a zumbidos.

Quando o snorkel é colocado sob a tira da máscara pode pressionar a região temporal desencadeando dor de cabeça por compressão dos vasos nesta região.



Barotrauma de máscara: além dos sintomas locais pode estar acompanhado por dor de cabeça.



O capuz apertado: pode levar a uma diminuição do retorno venoso da cabeça para o coração por compressão das veias do pescoço. Leva a dor de cabeça generalizada.



A posição ao mergulhar: pode desencadear dor de cabeça. A hiperextensão do pescoço continuada (olhando para frente) pode levar a uma cervicalgia (dor na nuca) com irradiação para a região occipital da cabeça (posterior).



Ar contaminado por CO: pode levar a dor de cabeça associada à náusea e vômitos. A característica é que este tipo de cefaléia tende a melhorar com a subida (dependendo do grau de contaminação) e respirando ar não contaminado (octopus do dupla). Quando os sintomas persistem na superfície pode se usar oxigênio para agilizar a melhora dos sintomas


Na subida


Barotrauma reverso: de ouvidos e seios da face.Pode ocorrer quando existe um edema, inchaço e sangue acumulado nos seios da face bloqueando a permeabilidade durante o mergulho. Esta situação também pode ocorrer quando se usa descongestionante antes do mergulho e o efeito acaba durante o mergulho (principalmente).

A dor pode ser severa localizada no seguimento afetado e tendo a dor de cabeça generalizada associada ainda sangramento no nariz e ouvido.


Após o mergulho



Doença descompressiva: também pode estar associada à neurológica, mas não é o sintoma predominante. A manifestação além da cefaléia é parestesia/paralisia dos nervos cranianos (como alterações dos músculos da face-retrações).


Algumas considerações relevantes



A mais freqüente dor de cabeça após o mergulho é o barotrauma de seios da face e retenção de CO2 (esta se inicia durante o mergulho).



A cefaléia do nadador é a dor de cabeça que aparece por uma associação de imersão na água fria e vaso-dilatação por esforço físico.



A pessoa que já tem enxaqueca controlada com uso de medicamentos contínuos ou esporádicos pode desenvolver crise de enxaqueca durante seu mergulho (pelo stress, água fria e roupa apertada e exercício). É fundamental que se controle a enxaqueca antes do mergulho ou se aparecer durante o mergulho é recomendado que se interrompa o mergulho, pois poder ocorrer uma crise forte acompanhada de vômitos e desorientação.



A crise hipertensiva com dor de cabeça (um dos sintomas) ocorre quando não existe um controle eficaz da hipertensão arterial e pode ser precipitada pelo stress, água fria e o exercício físico. O controle rígido dos níveis pressóricos acompanhado por um especialista é fundamental para se evitar uma crise hipertensiva durante o mergulho.



Percebemos assim que existem inúmeras causas de cefaléia cada uma com suas particularidades. È fundamental investiga-las e entende-las. Uma consulta com um especialista, muitas vezes pode tornar-se necessária.



Dr Hélcio