20101123

Parte 2 – A história das pessoas que não são eu

Pedro toca saxofone. Quando ele tinha 11 anos, algum tio de gostos estranhos chegou para o natal com uma caixa preta aveludada e lha entregou animado. Quando o menino destravou os trincos e tirou o instrumento – muito mais bonito que qualquer brinquedo que já tivesse tido –, os pais foram tomados de desespero. Violões, flautas-doces, harmônicas, são todos instrumentos chatos e barulhentos nas mãos de uma criança, mas o saxofone, além de mais chato e barulhento, é também muito mais caro.
Mas Pedro tinha jeito. Depois de algumas semanas em que a casa parecia ter se transformado em uma imensa orgia de gatos, as notas foram se acertando e em pouco tempo ficou óbvio que ele havia nascido para aquilo.
Quando a família se mudou para um condomínio e os vizinhos os viram chegando com aquela caixa, logo começaram as reclamações. Já na primeira noite, o síndico tocou no interfone avisando que não era permitido barulho após certo horário.
Mas assim que Pedro começou a tocar, ninguém mais reclamou. As músicas que ele tocava, fossem quais fossem, soavam mais lindas que qualquer outra coisa que os vizinhos já tivessem ouvido e a decepção geral era tamanha quando chegavam as 22h e o menino paravam que, na semana seguinte, o síndico teve que interfonar de novo, avisando que a restrição de horário não se aplicava às músicas que Pedro tocava.
E Pedro tocava. Quando Pedro estava muito feliz, ele ia para a varanda e tocava o sax para a noite. E quando ele estava muito triste, como no dia em que seu tio morreu doente, ele se trancava no quarto e tocava versões de jazz e umas composições novas que ninguém sabia bem o que eram, além de lindas.

Amanda saía todas as noites. Ela trabalhava cedo e dormia pouco, mas isso não a impedia de sair sempre com gente nova, para lugares novos. Amanda tinha vinte e cinco anos e eram muito poucos para se cansar e demais para ficar parada.
Numa segunda, alguém talvez a encontrasse numa festa que ainda não tinha acabado em algum sítio no interior, buscando alguma carona que a deixasse direto no trabalho, que tempo não teria nem pra um banho. Na terça, amanheceria na casa de alguém que conheceu na noite anterior, vestiria uma camisa dele e sorriria enquanto saía pra rua ainda fechando o zíper. E ainda com a camisa dele ela iria para uma balada friendly, onde se manteria totalmente sóbria e riria até o diafragma doer com seus amigos bichas que encontrava e fazia por ali. Na quarta, um samba-rock num teatro, na quinta, tem festa na USP e na sexta ela vai pra Augusta e só volta na segunda ou quando alguém chamar ela pra um sítio, pra uma festa. E sempre que alguém vir ela, ela vai estar rindo e linda, e sempre em boa companhia.

Eduardo organiza ataques DDoS. Ele escolhe sites de empresas com logotipos muito feios ou cujo SAC o tratou mal e os tira do ar. Senão, ele programa aplicativos para celular ou extensões para navegadores. E ele cria contas de e-mail, msn, facebook, ele cria personagens incríveis e conhece gente e cria laços, mas um dia esses personagens somem e só ele fica.

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