20101125

literatura celular

E aí, como se fosse de papel, ela se dobra sobre si mesma e murmura uma ideia numinosa.

Ele desliga o som, mas finge que não ouviu nada - talvez seja hora de dormir. Outros dias e outros faróis acesos podem ajudar a torcer a linha do horizonte.

Se ao menos fosse de papel couché! Ela insiste, já sem saber o que estava dizendo. Ele diz que ela pare, que aquilo já tinha sido muito bonito e não precisava de conclusão ou réplica.

Ela não entende como uma coisa assim tão bonita pode gerar silêncio. A beleza que ela empresta para o mundo é para fazê-lo girar. Ele não entende como um narrador pode saber ao mesmo tempo o que pensam dois personagens. O narrador está sempre preso do lado de cá ou de lá. Se ele finge estar dos dois é só porque não está chegando a lugar nenhum com o que estava do seu lado.

Faróis apagados. Ela se desdobra e olha para fora. A porta se abre e acende a luz interna do automóvel. Ela se vê no retrovisor e resolve que vai dormir ali hoje - que ele pode subir e dormir na cama dela se quiser mas ela mesma não vai a lugar nenhum e nem o carro e nem aquela luz que insistentemente mostra para ela que os anos não vêm sozinhos e que tudo que tinha passado não se repetiria e nem seria melhor.

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