20130514

mitologia de botequim.







fiz câmera uma vez para um pequeno documentário pouco ambicioso sobre bailes de tango em são paulo. à época, eu era muito cru e muita coisa ficou ruim. problemas técnico-estéticos, certo constrangimento. mas me serviu para cunhar uma anedota mítica sobre minha relação com os retratos, sobre o ato de retratar, sobre estar atrás de uma câmera. era um evento grande em um salão estranho, e descobrimos (eu, meu irmão e henrique) quase na hora do evento que precisaríamos de roupas sociais para lá entrar. improvisamos. eu não tinha bom terno, nem bons sapatos, nem nada adequado - fui muito mal vestido, todos estávamos um pouco mal, um pouco ridículos, com uma câmera muito ruim, com um microfone pior ainda, um tripé péssimo. sabia que as coisas estavam indo mal, mas não havia muito mais a fazer além do trabalho. costuma ser assim: saber que está errado não é suficiente para fazer diferente.

(é uma digressão que pretende se tornar progressão em breve)

sentamos alguns dos personagens mapeados e filmamos entrevista com eles. não sei o que eles falavam, não conseguia escutar nada com o barulho. meu irmão perguntava, henrique precisava estar invasivamente perto dos entrevistados com o microfone duro, de mão, o mais próximo possivo. pra mim, uma bola prateada entrando em quadro. para ele, provavelmente, dor pela posição forçada. por algum motivo, queríamos o corpo dele fora de quadro (hoje eu faria diferente). isto é: meu irmão precisava colocar no jogo, henrique precisava se colocar em jogo, mas eu, apenas eu, estava duplamente protegido. distante. escondido atrás da câmera, olhando pelo visor eletrônico. sinceramente, não lembro quase nada, quem entrevistamos... tinha a juliana, professora de tango na fau, amiga de meu irmão, e

havia uma dupla curiosa, um pai que dançava tango e começou a levar a filha aos bailes, e ela também começou a dançar tango com o pai e com as duplas que começaram a aparecer. foi uma entrevista um pouco esquisita, havia uma dinâmica de constrangimento visível, no modo como alternavam a fala. pelo que me lembro, ela falou pouco, pode ser que minha memória tenha pouca relação com o que de fato aconteceu. sei que, nesse incômodo presumidamente compartilhado (meu irmão como entrevistador, henrique captando um som que provavelmente sairia muito ruim, pai e filha colocados em cena, eu suando no meu terno e cansado de ficar de pé num sapato ruim), aconteceu algo que me marcou e provavelmente mudou algo em mim.

a filha, provavelmente pelo incômodo da situação, não sustentava as regras do jogo. ela encarou algumas vezes a câmera, a minha lente, a minha câmera, a mim. evidentemente, ela não me encarava, mas, para mim, a insistência de seu olhar atravessava a câmera que antes me protegia. percebi naquele momento que retratar alguém, mesmo em uma entrevista ingênua para um filme ingênuo, não era uma atividade isenta, que eu também estava em contato com aquelas pessoas, que havia comunicação ou má comunicação em meu ato.

não sei como o filme ficou. ele nunca terminou direito.


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