Houve um tempo em que eu dormia tarde e acordava cedo. Pro café da manhã, por preguiça e economia, eu só tinha pão, que eu mantinha congelado, e manteiga boa, ambos guardados com etiquetas com o meu nome, para evitar que fossem usados pelos outros que compartilhavam a cozinha. Nesse tempo, eu fazia o pão na torradeira escutando no ipod qualquer coisa que me lembrasse de casa e eu passava a manteiga nele, e eu me refiro ao pão, claro, não ao ipod, e o segurava, o pão de novo, com a boca enquanto saía correndo, porque eu sempre acordava já meio atrasado.
Quando eu saía, embora fosse verão, estava sempre frio. Eu abria a porta pra rua de uma vez e encarava direto e então eu pegava a minha bicicleta e pedalava pra aula enquanto engolia o pão com manteiga e o frio que batia de frente, o vento que batia de frente.
Tudo era estrangeiro. Meus amigos, minhas aulas, o pão com manteiga, o céu à noite, e até eu, estrangeiro ali, estranho, alheio, alienígena. Todo o tempo era uma procura de defeitos, uma procura de razões pra gostar mais de casa, para querer voltar pra casa. Quando eu estava em Paris, era só Buenos Aires e vice-versa. Mas eu também era dali. Eu conhecia os caminhos, eu tinha meus truques, eu pegava o trem pra Londres e me virava lá, no metrô, nos teatros, nos pubs que não cobravam mais caro e que tinham bandas de rock ao vivo. Eu tinha meu pão inglês, minha manteiga inglesa e, às vezes, um leite inglês com o equivalente inglês do Toddy. Eu ia pra aula e era mais um ali, como todos os outros eram, até comer no refeitório da faculdade, eu comi.
E, porque eu era dali sem ser, eu percebia as coisas; eu não tinha o deslumbre quieto (porque passivo) dos que se chegam a um lugar e veem pela primeira vez a torre Eiffel, o Cristo, o Big Ben ou os desenhos cravados na madeira do portão do Queen's College. Mesmo turista, meus passeios de punting eram só uma liberdade que eu tomava, não eram minha razão de estar ali, assim como um italiano pode um dia pagar o tíquete e entrar no Coliseu e se misturar com todas as outras línguas que se encontram por ali sem por isso ser uma língua a mais. Eu via, claro, tudo o que há de bonito, mas meus olhos eram críticos e, mais que isso, nostálgicos: eles tinham saudades e viam ali a falta de uma padaria, a falta de azeite bom nos restaurantes (menos o português), a falta de sentido das ruas, de calor das pessoas (e, por Deus, do clima), a falta da bagunça e da aleatoriedade que deveriam me nortear. Brazilian way, eu dizia quando saía sem saber pra onde, só acreditando que, indo naquela direção, a gente iria chegar onde quer que fosse.