20130227

Sexo no banheiro

Entraram no banheiro sorrateiramente, a respiração curta pelo tesão potencializado pelo perigo de serem pegos. No quarto, o irmão usava o computador. Na sala, os pais e familiares. Dentre eles, tia Regina, fiscal da moral e dos bons costumes, que não cansava de pregar que sexo só depois do casamento (mas não explicava o porquê abortara quando ainda solteira: teria sido fecundada pelo divino espírito santo ou usara um sanitário infectado no shopping?), e era capaz de vomitar de nojo caso soubesse que estavam transando sob o mesmo teto que ela.
Ela ligou a água para disfarçar. Meu pai me mata se pegar a gente aqui. Ele sequer chegou a tirar toda a roupa. Em menos de cinco minutos estavam satisfeitos relaxados contentes. Ele girou delicadamente a chave e baixou a maçaneta: a porta não abriu. Preferiu nem comentar nada: se ela descobrisse que ele esquecera a porta destrancada, quase teriam uma briga ali mesmo. Novamente, girou a chave delicadamente e baixou a maçaneta: a porta não abriu. Girou a chave já um pouco menos cuidadoso: seguia trancada. O que houve? – ela estranhou a demora dele para sair. Não sei, parece que quebrou. O que quebrou? Ela foi até a porta e girou a chave várias vezes: a mesma coisa. Puta merda! O que a gente faz? Sei lá, tenta aí. Ele seguiu girando a chave, com algum cuidado. Ela se desesperou: sai! – o empurrou e começou a forçar a chave, agora sem qualquer precaução, forçou a porta, a maçaneta: nada. E agora? Agora fudeu, vou ter que chamar pra virem abrir pra gente. Meu pai já havia avisado que a chave andava perigando quebrar.
Tia Regina não vomitou de asco, e ainda cerrou fileiras com mais afinco nas visitas seguintes.

Dos crimes que não vingaram


"Since literally the day he was arrested, the defendant has been cooperating with the government proactively"



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a velha questão do espaço

tem um espaço aqui, que eu preencho
e outro que é impossível de alcançar,

alguma coisa assim: " ".


faz muito tempo que dois pedaços de espaço preenchidos vieram parar na minha mão - um depois do outro.

eu não lembro de onde eles vieram
[o espaço entre nós dois cresce infinitamente, agora:

eu posso gritar
mas não cabe a você me ouvir]

neles, existem coordenadas
mas o espaço que elas indicam já não se encontra,
já não te encontra.


viver é preencher esses espaços,
inconsequentemente.

não espero te encontrar;
espero até 
que eu me esqueça.















20130226

poesia para rpg maker


Abrir o coração para o mundo de maneira que não há volta


poesia


é preciso muita energia positiva para não ser, assim, um cara negativo

lágrimas de jacaré


 acordei hoje de um sonho muito contente: eu assistia no youtube um vídeo de coreanos sorriam muito em uma praia, vestindo um de seus amigos de jacaré. eu também teria sorrido um monte, se estivesse lá.

era uma fantasia muito-muito incrível: uma lona plástica verde por cima do torso, a cabeça do jacaré em espuma e o escolhido para interpretá-lo dando urros de jacaré que pareciam arrotos. em determinado momento, os amigos decidiam que o jacaré ainda estava muito mirrado e começavam a bombear ar para a roupa de lona, que crescia-crescia até ficar gigantesca. eles então passavam uma resina verde em spray para fixar bem as escamas de papelão. não lembro como o amigo-jacaré fazia para se locomover, porque a roupa parecia pesada, mas ele se punha a dar uns passos pela beirada do mar, arrotando e rindo, até ser puxado por uma onda imensa que levou a roupa embora. eles deviam ter muitas delas ou eram muito desapegados, porque continuaram genuinamente felizes!

e, depois disso tudo, terei eu mesmo um dia muito feliz.
tenham um bom dia, meus amigos!



PS: o jacaré só chora no bote por causa dos canais lacrimais curtos.

20130224

poesia para rpg maker


poesia para rpg maker


Das esperas que não vingaram


Parece um paradoxo, por exemplo, considerar o peixe que ainda não foi pescado meio de produção da pesca. Mas até agora não se inventou a arte de pescar em águas onde não haja peixes.


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20130222

poesia para rpg maker


Dos detetives que não vingaram


Há uma diferença entre o suicídio e matar-se acidentalmente enquanto se está tentando o suicídio.


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20130218



O que há de melhor no amor são os jogos. Ainda está por fazer uma catalogação deles em livro, não para serem reproduzidos, mas para serem vistos já mortos, mostrar seu circuito de coerências, evidentemente através de sua incoerência. Com algum empenho a partir desse livro os cientistas provavelmente fariam o mal de determinar o gene do ciúme botando por terra toda a Graça.

Um dos capítulos seria a respeito dos jogos de regras restritivas. Eles são como amputações divertidas. Contorcionismo de um futuro liberador –– cansamos das regras, podemos nos tocar! finalmente o chão! palavras! adeus mordida.


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20130215

A história de Y. (versão estendida)

Y. defendia a extinção das segregações baseadas em gênero. Ele era homem, branco, não-pobre e, até onde se sabia, heterossexual, o que o colocava em uma posição confortável na sociedade, mas um dia saiu às ruas revelando --- não por meio de um discurso acalorado, o que seria considerado adequado pelas mais variadas castas de nossa sociedade, mas através de uma saia frisada --- seu amor pelo crossdress: um Ed Wood com talento, dir-se-ia. O mundo das artes foi tomado de assalto.
Nos dias que se seguiram, jornais reportaram o fato com manchetes alarmantes acompanhadas da foto de Y. em um vestidinho tomara-que-não-caia estampado e de depoimentos do padeiro, do jornaleiro, dos vizinhos: não imaginávamos nada, sempre nos pareceu um sujeito tranquilo, sempre nos pareceu um cara normal. A resposta da parcela engajada da população ao tom conservador das matérias foi ainda mais barulhenta, o que alimentou um debate acalorado na mídia impressa e nas redes sociais.
Passado algum tempo, consolidou-se a ideia de que Y. era só um cara que gostava de roupas de seda e não queria nada apertando seu entrepernas, o que era bastante compreensível para a maioria dos homens, embora estes não o admitissem publicamente. Tudo parecia assentado até um dia, quando Y. se envolveu em um incidente ao tentar usar o banheiro feminino de um restaurante. O evento resultou no primeiro debate público de que tenho conhecimento da questão de divisão de gêneros em banheiros públicos no Brasil, de forma que mesmo o desconforto no momento (e o prolongamento do desejo de mijar) acabaram revertidos para o Bem, de certa forma.
Contudo, a experiência de Y. não parou por aí. Em algum momento aí no meio, houve a revelação de que Y. não era um heterossexual "vestido de mulher", mas sim um bissexual-em-termos --- mas, diante de todo o resto, a notícia não surpreendeu ninguém. Ocorreu que, dia desses, chamaram atenção para o fato: Y. não apenas trocou as calças por saias, num movimento reverso à Revolução Feminina, mas também passou a portar barbeado rente, cabelo longo, maquiagem. Depilava o corpo todo (in-tei-ri-nho), usava produtos de beleza, se perfumava. Pegava homens. Veio a constatação: em sua crítica aos papeis baseados no gênero, Y. acabou por criar uma fantasia de mulher que adotava todos os aspectos que a sociedade por ele criticada atribuía a ela. A personagem que ele criou se submetia às imposições estéticas criadas pela sociedade machista, era heterossexual-em-termos, usava o banheiro considerado adequado ao seu gênero etc.
Y. percebeu, então, que para alcançar seus reais intentos, precisaria se transformar em uma mulher que não usasse roupas consideradas tipicamente femininas, não se depilasse, não usasse para si mesma a flexão feminina das palavras. Deixou a barba crescer, comprou cuecas, se livrou da cera de depilar.
Mas isso não era o suficiente. Não bastava deixar de obedecer a estereótipos, era preciso subvertê-los. Como mulher moderna, Y. assinou o pay-per-view do futebol, passou a coçar o saco em público e a cuspir no chão. E não parou por aí.
Passadas algumas semanas, Y. podia ser encontrado gritando obscenidades para as mulheres que passavam na rua. Familiares afirmavam tê-lo ouvido citar posts do Testosterona no almoço de Páscoa e três testemunhas juraram que ele usou a expressão "macho alfa" em ao menos duas ocasiões. Y estava fora de controle.
À misoginia, aliou a homofobia e, por que não?, o racismo. Passava madrugadas na internet pesquisando novos comportamentos ultrajantes para colocar em prática.
Em resumo, Y. havia se transformado em um verdadeiro monstro, quando um colega antropólogo e psicanalista mencionou o fato de que ele incorria no mesmo erro do início de sua empreitada, apenas invertendo-o. Percebendo horrorizado em quê se transformara, Y. correu para sua casa, tirou às pressas o macacão de lumberjack e sentiu, pela primeira vez em meses, o toque suave de um vestido de algodão em sua pele.
Desde então, Y. nunca mais ligou para o que os outros pensavam.



openbar





[lábios semicerrados]
"morre, maconheiro!"

poesia para rpg maker


20130208

"prendam-me, por favor! já não posso mais!!"

dirigia pra casa numa madrugada qualquer quando me botei a pensar (eu tinha assistido recentemente a um filme que falava de freud e coisas do tipo, e estava um pouco confuso) me botei a pensar que a gente, ou pelo menos eu, raramente sinto que eu posso algo; o sentimento só existe quando eu não posso fazer alguma coisa - por incapacidade física, ou força das circunstâncias.

tenho a mais absoluta certeza que isso é um fato já conhecido e exaustivamente estudado por uma miríade de senhores e senhoras muito mais competentes do que eu, de forma que não quero aqui me colocar como um grande sábio nem nada do tipo...

mas passei a pensar, por exemplo, a respeito do modo como eu dirijo: completamente repreensível, ainda mais de madrugada, ainda mais quando sob força de pressões das mais variadas formas (o tempo, um compromisso, o sono, etc. etc.) e em como eu quase nunca sou parado nas ruas. eu, rapaz de figura quase decente, acima de tudo branco e guiando aquele carro japonês. me ocorreu então o óbvio, que eu posso mais do que outras pessoas, em outras circunstâncias (e, evidentemente, não posso tanto quanto outras, em circunstâncias ainda diferentes das duas primeiras).

isso me pareceu errado, absurdamente errado.
a minha formação de caráter (caractere, character, charque) se dá, acima de tudo, por um constante tatear de limites, do espaço estreito entre poder e não poder.

essa desigualdade [social, que se reflete] no campo das escolhas e das possibilidades gera inúmeras aberrações de personalidade (caráter) na sociedade; tanto o excesso de poderes quanto o excesso de não poderes deforma o cidadão.

e isso é (também) violência.
violência pra caralho, quando você para pra pensar.

.
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então eu decidi abandonar minha vida, queimar meus pertences e rumar sem nome.
a partir de hoje, vou me dedicar a caçar todas as Aberrações que eu encontrar pela frente.

porque nenhum homiciodiozinho pode ser comparável a tamanha violência...
né?

20130206

reflexões geopoliticas


tava vendo um anime (meio ruim, é verdade) que se passava num futuro em que um gerador-imenso abastecia o mundo inteiro de energia limpa, "vinda do céu", e não tinha mais guerra por recursos energéticos.

comecei a pensar em como isso só ia terminar de foder os países já fodidos que tinham algum petróleo, em como essa utopia toda não fazia o menor sentido e daí a protagonista se transformou num ciborgue-voador de vestidinho vermelho indo salvar o mundo e eu lembrei que aquilo era só um anime meio ruim.






20130205

E se Tim Burton regravasse A vida de Pi?

Não sou alguém que acompanha cinema com grande afinco, então pode ser que fale besteira aqui. Mas tenho a impressão que a cada década hollywood precisa de um blockbuster de náufrago e ilhas e tal. O da vez é A vida de Pi (ou As aventuras de Pi, conforme nossos tradutores).
Fico a imaginar uma regravação do dito filme por Tim Burton. Creio que haveria algumas modificações, por mais que o filme já seja suficientemente hollywoodiano. (aviso: a seguir eu conto partes do enredo do filme, se você for se irritar com isso, nem prossiga).
Primeira mudança: Johnny Depp, com sua expressividade quase do mesmo nível da de Keanu Reaves, no lugar de Suraj Sharma, para o papel principal. Que Depp não tenha lá muitos traços indianos para ser Pi Patel, isso é o de menos: importante é um galã no papel principal, e um galã não pode ter traços "exóticos". Se preciso, faz com que o personagem tenha ascendência em alguma família inglesa, sueca, canadense, pouco importa, importante é o galã branquinho e sexy do Depp.
Também imagino cores um pouco mais vibrantes, gritantes, mesmo as de tom escuro. O filme é colorido, mas faltou mais cor: as bóias e o barco, por exemplo: muito pastel.
O enredo, esse precisa de modificações mais severas. Falta emoção, pra começo de conversa: faltou Pi ver os pais afundando com o navio (ou prestes a salvá-lo, para perdê-los em seguida), faltou uma maior amizade com Suco de Laranja, para uma maior dramaticidade pra sua morte. Faltou Richard Parker ser mais simpático, após um primeiro estranhamento e, principalmente, ter olhado para trás, para agradecer Pi. Faltou o reencontro com Anandi – um absurdo! Principalmente, faltou bandido pro mocinho desenvolver todo seu potencial do bem num mundo onde ou se é bom ou se é mau.
Burton provavelmente deve acusar Ang Lee de dar um nó na cabeça dos seus apedeutas espectadores ao se alerdar no desenvolvimento da história e, principalmente, ao não deixar claro quem do bem quem é do mal – nem os japoneses do final puderam ser assim classificados.
Se a Burton fosse impedido grandes modificações no enredo, ele teria uma saída dentro da própria história: era só optar pela segunda história: um cozinheiro assassino e a vingança do jovem e meigo e frágio e sexy Pi Johnny Depp Patel.

Depp já tem experiência no mar e um visual mais apropriado pra galã, com seus dreads piratas.


miojo sabor fome



Notícias de meu tio morto, I (CLIQUE PARA AUMENTAR)



20130204

refluxo pictórico

gaguejeira
ga gue jeira
ga- ga- ga- ga- guei jera
uma caranguejeira
que cheira
a estrume
no cume
do ciúme
que me deixa à beira
da gagueijeira
gaguera
sabor carangajera
que me pica
e eu choro


20130201

easy reader


estudo para exposição de uma conspiração

Os ricos são atrocidade. Ninguém duvida disso - a relação é metonímica, simbiótica, evidente. Mas às vezes - vezes raras e preciosas como uma bactéria pedra de roseta sob um microscópio - são mais do que metafóricos, são sólidos inconsoláveis à mercê de olhos: e aqui vemos uma dessas vezes.

As praias são religiosas - isso é indiscutível, inegável. O barro claro onde vemos copular onda e areia é e sempre foi lugar de prece, de respeito - ainda que de respeito oposto ao que se prega um tanto. Por isso, tanto melhor dessacralizá-las: aniquilá-las.

Os ricos, sempre tão necessitados de sacrifício para manter, justificar, amplificar e abençoar sua(s) fortuna(s), há mais de mil anos assassinam praias. É normal. É tradição. É do nosso sangue. Pode ser com barcos, com óleo, com lixo, com cercas. O que importa é matar. Desaparecer.

A (nossa) questão é: nem sempre é suficiente o assassinato terceirizado. Nem sempre delegar tarefas é adequado. É um mérito óbvio comandar um navio que tomba melado de óleo negro na costa onde trepam alegremente tartarugas satisfeitas, mas não é o bastante. Às vezes precisamos agir pessoalmente: tudo é mais forte quando envolve mãos, pés, pernas, cabeças, ar respirado lentamente por coxas que fogem inconscientemente da areia.


Para cumprir a cota de sangue bombeante, alguns dos nossos ricos - nossos melhores, mais heróicos - sacrificam-se. Um dia após o outro. Rotineira e burocraticamente, para não desagradar ninguém (nem às suas mentes quadriculadas). O que fazem é:

De manhã, de manhãzinha, se levantam boquiabertos e perfeituosos, e vão até a praia. Não importa como - a maioria com motoristas, alguns que moram colados a pé. Vão até lá enquanto o sol ainda vomita no mar e, encarando-o desafiadores, o imitam como podem. Arriam as calças e imponentes apenas como alguém que efetivamente domina o mundo (metonimicamente), cagam no mar. Cagam o quanto podem, o máximo que podem. Merda dura, seca, negra, raivosa, ou merda amolecida e quase riachueira, aquosa, com seu ritmo próprio e misterioso. Cagam agachados, relaxando, ou cagam de pé, impávidos. Cagam sonhando com cobrir o mar inteiro de merda - com o dia em que a sua (pessoal, intransferível, orgulhosa) bosta estratégica dominará a vista de todos que ainda têm olhos. Cagam sentindo a merda escorrer pelas pernas, quente e arrogante, e depois se lavam no mar como crianças. Cagam sabendo que viverão até depois do fim do mundo. Cagam tudo que guardaram, denso e imenso e sinfônico, até se sentirem vazios e quase fracos, e então vão embora sem olhar para trás, sabendo que são quem são.

E assim continuam vivendo os ricos, certos do que são donos.


PS: uma pequena & sintética lista daqueles que cagam na baía de guanabara, RJ:

- Eike Batista
- Luciano Huck
- Donald Trump
- Eduardo Paes
& grande elenco.