20121230

Minha grande descoberta religiosa dos últimos dias.

Natal! Natal! Bimbalham os sinos! Bimbalhavam, no caso, mas pouco importa. Talvez contagiado por esse espírito natalino, meu pai – ateu praticante – resolveu contar uma piada com santos. Descobri, com isso, que ele não leu minha última crônica – assim como ele descobriu que meus conhecimentos cristãos não me autorizariam a ser um coroinha, para sua surpresa e decepção. Chegou a me questionar depois: como você, filósofo (sic), não sabe coisas básicas de religião? Tentei me justificar dizendo que certas ignorâncias nos permitem visões sob ângulos inusitados de questões aparentemente batidas.

De qualquer forma, esta minha última descoberta, mais do que aumentar meus conhecimentos religiosos, destruiu minha crença da infância, adolescência, idade adulta...

Antes, um parênteses: ao me sentar para escrever este caso, lembrei de outros dois importantes eventos de minha formação religiosa, que deixei passar no texto anterior. Um deles foi em 2004, quando andei visitando uns museus por aí: foi um festival de mulheres segurando Jesus já morrido de morte matada (presunto, na linguagem dos homens de bem), santos flechados, caindo do cavalo, prestes a cortar a cabeça do filho, e por aí vai. O outro foi por 2010, 2011, quando, intrigado por uma música do Racionais MC'S, fui pesquisar na internet, e descobri que Sodoma e Gomorra, antes de ser título da obra do Proust, era algo ligado à Bíblia. Já me criticaram dizendo que isso era óbvio (não sabiam das minhas proezas no campo do desconhecimento): óbvio pra mim é Em busca do tempo perdido, respondi, quase ofendido.

A piada que meu pai contou, que não reproduzo aqui por não ser bom de contar piadas (dizem que contar tirinhas eu faço relativamente bem), era sobre um homem que ia trabalhar numa loja de artigos religiosos, e ao lhe encomendarem um São Jorge, ele entregou um São Pedro. Meu pai gargalhava, enquanto eu sustentava um sorriso amarelo, até perguntar: O São Jorge, ok, tem um cavalo (e não caiu), mora na lua; mas e o São Pedro, como sabia que era o São Pedro e não, sei lá, Santo Agostinho? Como?, meu pai me olhou perplexo, Ora, por causa da chave! Chave? Sim, a chave do céu. Ah!!! É do céu? Do que você achou que fosse?, interveio minha mãe.

A cidade na qual nasci e passei os dezessete primeiros anos da minha vida, tem como santo padroeiro São Pedro. Em cima da igreja matriz – que até hoje me intriga por sua interessante arquitetura, sem neo-classicismos ou pós-modernismos, em tal fim de mundo – tem o tal santo segurando uma chave, que eu, até este fim de ano, imaginava ser a chave da cidade – afinal, não era o santo padroeiro da dita cidade? Imaginava que se o padroeiro da cidade fosse São Tomás ou qualquer outro santo, seria ele dependurado na frente da igreja, segurando uma chave – a chave da cidade, claro. Achava um gesto bonito, apesar de pouco condizente com a realidade dos locais, oferecer assim, tão gratuita e despreocupadamente, tamanha hospitalidade aos visitantes – sem nada da agressiva “Esta cidade está abençoada por Jesus”, ou coisas do gênero, que se vê em trevos país afora.

Foi-me um tanto decepcionante essa descoberta: de democrático anfitrião a carcereiro do céu. Para um católico deve ser lindo, para mim, ateu não-praticante, soou decadente. Não olharei mais para São Pedro com a simpatia que o vi por trinta anos.

Detalhe do Santo que me enganou por trinta anos. Nesta foto, não dá pra identificar bem que gesto ele faz com a mão direita (mas na esquerda está a chave, que não é da cidade).

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