Natal!
Natal! Bimbalham os sinos! Bimbalhavam, no caso, mas pouco importa.
Talvez contagiado por esse espírito natalino, meu pai – ateu
praticante – resolveu contar uma piada com santos. Descobri, com
isso, que ele não leu minha última crônica – assim como ele
descobriu que meus conhecimentos cristãos não me autorizariam a ser
um coroinha, para sua surpresa e decepção. Chegou a me questionar
depois: como você, filósofo (sic), não sabe coisas básicas de
religião? Tentei me justificar dizendo que certas ignorâncias nos
permitem visões sob ângulos inusitados de questões aparentemente
batidas.
De
qualquer forma, esta minha última descoberta, mais do que aumentar
meus conhecimentos religiosos, destruiu minha crença da infância,
adolescência, idade adulta...
Antes,
um parênteses: ao me sentar para escrever este caso, lembrei de
outros dois importantes eventos de minha formação religiosa, que
deixei passar no texto anterior. Um deles foi em 2004, quando andei
visitando uns museus por aí: foi um festival de mulheres segurando
Jesus já morrido de morte matada (presunto, na linguagem dos
homens de bem), santos flechados, caindo do cavalo, prestes a cortar
a cabeça do filho, e por aí vai. O outro foi por 2010, 2011,
quando, intrigado por uma música do Racionais MC'S, fui pesquisar na
internet, e descobri que Sodoma e Gomorra,
antes de ser título da obra do Proust, era algo ligado à Bíblia.
Já me criticaram dizendo que isso era óbvio (não sabiam das minhas
proezas no campo do desconhecimento): óbvio pra mim é Em
busca do tempo perdido,
respondi, quase ofendido.
A piada que meu pai contou, que não reproduzo aqui por não ser bom
de contar piadas (dizem que contar tirinhas eu faço relativamente
bem), era sobre um homem que ia trabalhar numa loja de artigos
religiosos, e ao lhe encomendarem um São Jorge, ele entregou um São
Pedro. Meu pai gargalhava, enquanto eu sustentava um sorriso amarelo,
até perguntar: O São Jorge, ok, tem um cavalo (e não caiu), mora
na lua; mas e o São Pedro, como sabia que era o São Pedro e não,
sei lá, Santo Agostinho? Como?, meu pai me olhou perplexo, Ora, por
causa da chave! Chave? Sim, a chave do céu. Ah!!! É do céu? Do que
você achou que fosse?, interveio minha mãe.
A
cidade na qual nasci e passei os dezessete primeiros anos da minha
vida, tem como santo padroeiro São Pedro. Em cima da igreja matriz – que até hoje me intriga por sua interessante arquitetura, sem neo-classicismos ou pós-modernismos, em tal fim de mundo – tem o tal santo segurando uma
chave, que eu, até este fim de ano, imaginava ser a chave da cidade
– afinal, não era o santo padroeiro da dita cidade? Imaginava que
se o padroeiro da cidade fosse São Tomás ou qualquer outro santo,
seria ele dependurado na frente da igreja, segurando uma chave – a
chave da cidade, claro. Achava um gesto bonito, apesar de pouco
condizente com a realidade dos locais, oferecer assim, tão gratuita
e despreocupadamente, tamanha hospitalidade aos visitantes – sem
nada da agressiva “Esta cidade está abençoada por Jesus”, ou
coisas do gênero, que se vê em trevos país afora.
Foi-me um tanto decepcionante essa descoberta: de democrático
anfitrião a carcereiro do céu. Para um católico deve ser lindo,
para mim, ateu não-praticante, soou decadente. Não olharei mais
para São Pedro com a simpatia que o vi por trinta anos.
Detalhe do Santo que me enganou por trinta anos. Nesta foto, não dá pra identificar bem que gesto ele faz com a mão direita (mas na esquerda está a chave, que não é da cidade). |
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