20121109

dupla




Hélio e Niltão existem nos concertos de música erudita contemporânea  em São Paulo.

Niltão sempre é visto antes, pois é grande e se veste com jaqueta militar, coturnos, boina, barba espessa, óculos, palito de dente (ou talvez um cotonete sem algodão) e bengala com símbolo maçônico.  

Hélio é pequeno, careca, calado, sorridente e carrega uma pasta de couro.

Hélio e Niltão referendam o concerto: se ambos comparecem, pode-se considerá-lo um marco na agenda cultural; se apenas um marca presença, trata-se de um evento underground.

Mas eles estarão lá, inevitavelmente, antes e depois do concerto, em um canto qualquer.

Não é todo mundo que se aproxima para conversar com Hélio ou Niltão, mas o freqüentador mais ou menos assíduo certamente já se permitiu uma aproximação maior.

Niltão é quem puxa papo, iniciando a conversa como quem conversa com um velho conhecido. Ele fala em voz baixa e obriga o interlocutor a se aproximar para ouvi-lo por entre a barba.

Hélio apenas sorri e cumprimenta com a cabeça.

E se o interlocutor já conversou ao menos duas vezes com Niltão, há grandes chances de que saiba algum detalhe de sua vida pessoal: sua mãe judia; sua experiência no exército; sua iniciação maçônica; seu aperto financeiro.

Hélio ouve as histórias repetidas vezes, calado, sorrindo.

Mas basta uma conversa para que o interlocutor ouça Niltão reclamar sobre a precariedade do cenário erudito brasileiro: as orquestras tocam apenas velharias, sempre velharias; onde estão as novidades? E se algo interessante aporta por aqui, o preço é uma barbaridade, seja de vinte a duzentos reais. E Niltão dará ao menos dez exemplos de eventos promissores que o decepcionaram por completo.

Hélio – “o carequinha”, como o chama Niltão - concordará, talvez com algumas palavras. E depois sorrirá.

Onde eles moram? Como moram? Como vivem?
Acho que eles não são de mentira.

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