20120712

Carol, 2

Na minha quinta ou sexta semana na Inglaterra, eu decidi voltar ao Soho e tentar, talvez, resgatar um pouco do entusiasmo que eu tinha quando cheguei. Desci em Piccadily, andei um pouco pela Coventry Street, olhei algumas lojas de quinquilharias para turistas no caminho até a Leicester Square, passei em frente ao Leicester Square Theatre e cogitei comer em algum dos restaurantes chineses baratos que havia por ali.
Quando parei na frente de uma livraria e comecei a olhar a vitrine, um rapaz parou do meu lado e me chamou a atenção. Ele estava completamente bêbado. Ficou um tempo em silêncio, me encarando de um jeito estranho e, quando eu estava para ir embora, me perguntou com sotaque irlandês onde ele poderia achar um ATM.
Eu não sabia.
Tinha andado por ali quase diariamente por duas semanas, mas não sabia, porque eu havia sido sempre turista naqueles dias, sempre atenta às cores, mas não a algo tão banal quanto um ATM. Também é verdade que eu poderia simplesmente ter apontado para qualquer direção e dito: "Lá, lá você acha um ATM", e provavelmente ele acharia, mesmo. Eu poderia ter feito isso em outra ocasião, mas ao invés disso eu pedi desculpas, tropeçando no inglês por puro nervosismo, e disse que não sabia, que não era dali.
 O irlandês me olhou como quem acha graça e falou que era óbvio que eu não era dali, mas que ele agradecia de qualquer forma.
E então eu desabei a chorar.
No Soho, no meio de milhares de pessoas que passavam tirando fotos ou procurando em seus guias de viagem pelo endereço exato de algum pub ou do teatro onde estão encenando Chicago. Dava no mesmo, chorei aos prantos. Algumas pessoas me olhavam, mas eu não me importava com elas. Pelo contrário. Achei todas aquelas pessoas ridículas enquanto chorava no meio delas, também ridícula --- também, como percebia qualquer irlandês embriagado, turista.

(...)

Eu me lembrei de uma música, enquanto voltava para casa. "I may be walking on the streets of a city called London, but the dust on my boots and the rhythm of my feet and my heartbeat say 'Africa'".
Eu não tenho, até onde eu sei, sangue africano --- não mais do que todo mundo tem, quero dizer. A totalidade da minha árvore genealógica remonta à Europa. Meu DNA deveria ser tão europeu quanto o daquele irlandês do Soho, mas eu entendia perfeitamente o que Vusi queria dizer. Não sei se era a poeira em meus sapatos, se era o meu ritmo --- minha ginga, alguém diria ---, mas até mesmo um sujeito completamente bêbado podia olhar para mim e ver além do cachecol, do sobretudo de tweed, da minha pele branca e do meu DNA germânico, para saber que eu podia tentar, se quisesse, e eu podia forçar meu sotaque, se conseguisse, mas eu nunca, não importa quanto me esforçasse, seria dali.

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