Enquanto escrevíamos, sentou na nossa mesa um russo putiniano: careca de cabeça raspada, muito forte, uns quarenta anos. Eu só entendi por alto o que ele falou (que ele tinha uma boa vodca e que queria tomar com alguém). Um cara que estava na mesa também, e que eu descobri nessa conversa que é da Bulgária, aceitou. O putinesco sentou na minha frente e eles brindaram. Aí logo começou a tirar sarro do fato estarmos escrevendo. Perguntou o que era que eu estava batucando (e fez uma imitação, acrescentando logo depois que - 'respect, respect', e, em russo, мне не нравится англискй язык, isso é, eu não gosto da língua inglesa). Perguntou se era um diário, pra quem era, pra que é que eu estava escrevendo. Perguntou pra Julia pra quem que ela escrevia. Ela respondeu, já um pouco irritada, que era para ela mesma. E o russo perguntou, "Pra quê? Você não consegue lembrar? Vai esquecer?" "Pra daqui a cinquenta anos, talvez", ela disse. "Hêh! Esclerose, é? Você já está pensando em esclerose? O povo russo não precisa disso. Nós lembramos de tudo, não precisamos escrever o que vemos. Nós só vivemos e vemos, isso aí não faz sentido. Nós vivemos com os olhos. Ou isso ou escrevemos poemas."
Então sendo assim, dedico a ele os seguintes versos:
Vim a Petersburgo
Sabendo que não era inverno
Mas calor assim não esperava
Baita forno, um inferno...
Suei montão. Mas!
o verão ao menos trouxe alguma recompensa:
Vi na fortaleza uma praia
Com muita cocota de saia
20120730
20120729
20120727
РОССИЯ II: No купе para São Petersburgo
"Que calor insuportável, ainda mais para mim, que sou tão gorda! Façamos assim, crianças: eu e Iúlitchka aqui embaixo e vocês, meninos, nas camas de cima, sim? Eu não consigo ir em cima, sou muito grande, muito grande, não vai dar certo! então agora façamos assim, certo? Ótimo. Querem... Hêh.... Querem um conhaquezino?
- Titia, esconde isso! É proibido, aqui não pode!
"Ah, dane-se, vamos tomar só um copinho! Busca lá, Iuri! Ótimo... Oras, não querem? Mas o... o que.... Oh! Huhu! estrangeiros, estrangeiros, imagina, botou água no copo, huhu!, mas muito bem, então, vamos lá, brindemos a que? Muito bem, a Petersburgo! Agora, vamos lá (rolam pra fora de uma sacola preta, em ordem: batatas, pedaços soltos de salame condimentado, pepinos frescos, picles, queijo, tomate e pão) eu mesma faço o picles, acreditam? Siiim, siiim.... E... Oh, estrangeiros! huhu! Não faça assim, coma junto com a batata, senão fica salgado demais! Como? satisfeitos? vou me ofender, aqui, coma, engole! Salame, tá vendo? Mais tomate, mais tomate, mais um pouco vira um sanduíche! Muuuito bem. Posso limpar, então? Segure aqui e que lindinha, quantos anos ela tem? Vocês têm filhos? Aqui, isso, uma foto comigo, Iúlitchka... Ela é francesa, é? Brasileiros, brasileiros! Veja só, Iuri, filma eles, são portugueses! Pára de reclamar da ferrovia, Oleg... O que eles vão pensar? São estrangeiros! e por que é que você fala russo e a Iúlitchka não? Hohoho! Ela só sorri e fala 'sim', não entende nada! Muito bem. Nossa primeira vez em Petersburgo também, vamos com uma excursão, e vocês? Amigos, é? Tem conhecidos lá? Quem diria... Então façamos assim: vocês fumam?
- Não.
Muito espertos! Então eu vou fumar lá fora e já volto, pronto, agora apaga aí essa luz, onde é, você não sabe? hoho, estrangeiros! Durmam bem. ............. Iúlia? Iúlh? Você me ouve?"
Mas a Julia já estava cansada demais e ficou olhando pela janela, fingindo que já estava dormindo.
- Titia, esconde isso! É proibido, aqui não pode!
"Ah, dane-se, vamos tomar só um copinho! Busca lá, Iuri! Ótimo... Oras, não querem? Mas o... o que.... Oh! Huhu! estrangeiros, estrangeiros, imagina, botou água no copo, huhu!, mas muito bem, então, vamos lá, brindemos a que? Muito bem, a Petersburgo! Agora, vamos lá (rolam pra fora de uma sacola preta, em ordem: batatas, pedaços soltos de salame condimentado, pepinos frescos, picles, queijo, tomate e pão) eu mesma faço o picles, acreditam? Siiim, siiim.... E... Oh, estrangeiros! huhu! Não faça assim, coma junto com a batata, senão fica salgado demais! Como? satisfeitos? vou me ofender, aqui, coma, engole! Salame, tá vendo? Mais tomate, mais tomate, mais um pouco vira um sanduíche! Muuuito bem. Posso limpar, então? Segure aqui e que lindinha, quantos anos ela tem? Vocês têm filhos? Aqui, isso, uma foto comigo, Iúlitchka... Ela é francesa, é? Brasileiros, brasileiros! Veja só, Iuri, filma eles, são portugueses! Pára de reclamar da ferrovia, Oleg... O que eles vão pensar? São estrangeiros! e por que é que você fala russo e a Iúlitchka não? Hohoho! Ela só sorri e fala 'sim', não entende nada! Muito bem. Nossa primeira vez em Petersburgo também, vamos com uma excursão, e vocês? Amigos, é? Tem conhecidos lá? Quem diria... Então façamos assim: vocês fumam?
- Não.
Muito espertos! Então eu vou fumar lá fora e já volto, pronto, agora apaga aí essa luz, onde é, você não sabe? hoho, estrangeiros! Durmam bem. ............. Iúlia? Iúlh? Você me ouve?"
Mas a Julia já estava cansada demais e ficou olhando pela janela, fingindo que já estava dormindo.
isto é:
alegria russa,
pepino,
russia,
seriedade russa,
Swordfishtrombone,
travelog,
trem
20120723
РОССИЯ I
nossa aqui na russia é muito legal e dá pra ver bem os contrastes tipo a gente chegou e o aeroporto era muito moderno e também o trem, muito legal!, mas aí o trem foi andando e a gente passou por uns lugares que pareciam a marginal mas aí a gentr chegou de novo na cidade e foi lindo, muita coisa muito grande e bonita e aí em casa mais um contraste: tem uma
gata que chama gato e que fez cocô na banheira achando que era a caixinha e ficou arranhando a banheira achando que era areia.
gata que chama gato e que fez cocô na banheira achando que era a caixinha e ficou arranhando a banheira achando que era areia.
isto é:
cadê o gato gato ali gato gagá,
diário,
gato,
Rússia,
Swordfishtrombone,
viagem
20120721
se ao menos uma calculadora de nuvens nubladas
Como você pode medir a passagem do tempo de tempo em tempo? Não há meios!!!
Sete vezes cinco sete meia oito sobe doze - ela suspirou no guardanapo e me deixou ali, café gelado na mesa e tudo. DIABOS!, voltei pra casa pro meu banho e uísque e quem sabe um filminho (geladogeladogelado...
Mas na mesma noite veio a moto e eu não pude acreditar, não posso acreditar - eu não acredito de maneira alguma "jamais!!", mas é verdade.
ele me olha, estática cinzazulada em cheio na minha cara e vai embora, whitenoise no pneu e tal.
***
Já faz horas que eu encaro o painel, números piscando vermelho vivo atrás do outro e começo a derreter em M3046, L2334 e C0457, 82 ou 94...
o rapaz à minha esquerda tem um papel com uma sessão totalmente diferente da minha (H ou talvez bananas) e fico pensando, então, se eu devo odiá-lo e lutar contra ele em nome da HONRA; talvez não, talvez pelo contrário, por sermos de sessões tão diferentes jamais cruzaríamos o caminho um do outro, livres da rivalidade - e daí, será que deveríamos nos aproximar?, uma amizade cortante no meio do labirinto de mesas e botões que sorriem!!
Os números continuam me martelando, e eu sei que eles não são só o que parecem, sei que eles querem me FALAR ALGUMA COISA, e se ao menos ela estivesse aqui - mas não está.
só as máquinas me sussurram, agora.
Sete vezes cinco sete meia oito sobe doze - ela suspirou no guardanapo e me deixou ali, café gelado na mesa e tudo. DIABOS!, voltei pra casa pro meu banho e uísque e quem sabe um filminho (geladogeladogelado...
Mas na mesma noite veio a moto e eu não pude acreditar, não posso acreditar - eu não acredito de maneira alguma "jamais!!", mas é verdade.
ele me olha, estática cinzazulada em cheio na minha cara e vai embora, whitenoise no pneu e tal.
***
Já faz horas que eu encaro o painel, números piscando vermelho vivo atrás do outro e começo a derreter em M3046, L2334 e C0457, 82 ou 94...
o rapaz à minha esquerda tem um papel com uma sessão totalmente diferente da minha (H ou talvez bananas) e fico pensando, então, se eu devo odiá-lo e lutar contra ele em nome da HONRA; talvez não, talvez pelo contrário, por sermos de sessões tão diferentes jamais cruzaríamos o caminho um do outro, livres da rivalidade - e daí, será que deveríamos nos aproximar?, uma amizade cortante no meio do labirinto de mesas e botões que sorriem!!
Os números continuam me martelando, e eu sei que eles não são só o que parecem, sei que eles querem me FALAR ALGUMA COISA, e se ao menos ela estivesse aqui - mas não está.
só as máquinas me sussurram, agora.
20120717
snapshotting a sniper
não me lembro do ano
1944 ou 2015
encontrei essa jovem atiradora de elite
(ela prefere se chamar 'sniper')
conversamos por alguns minutos
ela nunca me olhava nos olhos
alguns anos depois a reencontrei
em ocasião menos explosiva
perguntei como ela estava
ela disse que bem
sorri
(eram impressionantes as rugas
em sua testa)
você já fez acupuntura
eu perguntei
ela respondeu
que não, por quê
relaxa
eu disse
dessa vez ela me olhou
bem nos olhos
preferia que nunca
descobri mais tarde:
uma sniper não atira com os dedos
nem com os fuzis, rifles
(não sei como se chamam)
são os olhos que matam
isto é:
grão de prata,
intervenção,
querido diário,
ricardo miyada,
sniper
20120715
Diário de uma sniper, IV
13/7
15h38. O visor riscou. Isso me irrita. Atiro a olho nu. Quando erro por pouco o homem se move como se um gato tivesse caído do telhado. Sim. Um gato. Espere mais um pouco e verá o gato.
17h05. A contagem revela que o alvo 5 é o único a almoçar a essa hora. Perco a vontade.
.
isto é:
grão de areia,
querido diário,
rafaelnantes,
sniper
20120714
.
às vezes
às vezes
quando termino um texto
escrevo mentalmente:
bjo.
.
.
20120712
mensagem de apoio ao novo gênero: tokusatsu cristão
Não há cura para as chagas do Jesus Robô. Instigado por seus
fiéis, ele caminhou por toda a Síria, por meio Líbano e além, chegando até o
norte do Mediterrâneo. Mas não encontrou nada que estancasse seu óleo.
Jesus Robô, diante de um pôr-do-sol agradável, tira seu capacete e cofia a barba. “Que belo
presente, Papai!” Mas ele não se demora. Há muito o que fazer. Para apaziguar a dor, só lhe resta partir para mais um
combate contra os Flibusteiros Filisteus.
isto é:
cristianismo,
cristo,
japão,
Jesus Robô,
projeto,
ruim,
série,
Swordfishtrombone,
televisão
Carol, 2
Na minha quinta ou sexta semana na Inglaterra, eu decidi voltar ao Soho e tentar, talvez, resgatar um pouco do entusiasmo que eu tinha quando cheguei. Desci em Piccadily, andei um pouco pela Coventry Street, olhei algumas lojas de quinquilharias para turistas no caminho até a Leicester Square, passei em frente ao Leicester Square Theatre e cogitei comer em algum dos restaurantes chineses baratos que havia por ali.
Quando parei na frente de uma livraria e comecei a olhar a vitrine, um rapaz parou do meu lado e me chamou a atenção. Ele estava completamente bêbado. Ficou um tempo em silêncio, me encarando de um jeito estranho e, quando eu estava para ir embora, me perguntou com sotaque irlandês onde ele poderia achar um ATM.
Eu não sabia.
Tinha andado por ali quase diariamente por duas semanas, mas não sabia, porque eu havia sido sempre turista naqueles dias, sempre atenta às cores, mas não a algo tão banal quanto um ATM. Também é verdade que eu poderia simplesmente ter apontado para qualquer direção e dito: "Lá, lá você acha um ATM", e provavelmente ele acharia, mesmo. Eu poderia ter feito isso em outra ocasião, mas ao invés disso eu pedi desculpas, tropeçando no inglês por puro nervosismo, e disse que não sabia, que não era dali.
O irlandês me olhou como quem acha graça e falou que era óbvio que eu não era dali, mas que ele agradecia de qualquer forma.
E então eu desabei a chorar.
No Soho, no meio de milhares de pessoas que passavam tirando fotos ou procurando em seus guias de viagem pelo endereço exato de algum pub ou do teatro onde estão encenando Chicago. Dava no mesmo, chorei aos prantos. Algumas pessoas me olhavam, mas eu não me importava com elas. Pelo contrário. Achei todas aquelas pessoas ridículas enquanto chorava no meio delas, também ridícula --- também, como percebia qualquer irlandês embriagado, turista.
(...)
Eu me lembrei de uma música, enquanto voltava para casa. "I may be walking on the streets of a city called London, but the dust on my boots and the rhythm of my feet and my heartbeat say 'Africa'".
Eu não tenho, até onde eu sei, sangue africano --- não mais do que todo mundo tem, quero dizer. A totalidade da minha árvore genealógica remonta à Europa. Meu DNA deveria ser tão europeu quanto o daquele irlandês do Soho, mas eu entendia perfeitamente o que Vusi queria dizer. Não sei se era a poeira em meus sapatos, se era o meu ritmo --- minha ginga, alguém diria ---, mas até mesmo um sujeito completamente bêbado podia olhar para mim e ver além do cachecol, do sobretudo de tweed, da minha pele branca e do meu DNA germânico, para saber que eu podia tentar, se quisesse, e eu podia forçar meu sotaque, se conseguisse, mas eu nunca, não importa quanto me esforçasse, seria dali.
Quando parei na frente de uma livraria e comecei a olhar a vitrine, um rapaz parou do meu lado e me chamou a atenção. Ele estava completamente bêbado. Ficou um tempo em silêncio, me encarando de um jeito estranho e, quando eu estava para ir embora, me perguntou com sotaque irlandês onde ele poderia achar um ATM.
Eu não sabia.
Tinha andado por ali quase diariamente por duas semanas, mas não sabia, porque eu havia sido sempre turista naqueles dias, sempre atenta às cores, mas não a algo tão banal quanto um ATM. Também é verdade que eu poderia simplesmente ter apontado para qualquer direção e dito: "Lá, lá você acha um ATM", e provavelmente ele acharia, mesmo. Eu poderia ter feito isso em outra ocasião, mas ao invés disso eu pedi desculpas, tropeçando no inglês por puro nervosismo, e disse que não sabia, que não era dali.
O irlandês me olhou como quem acha graça e falou que era óbvio que eu não era dali, mas que ele agradecia de qualquer forma.
E então eu desabei a chorar.
No Soho, no meio de milhares de pessoas que passavam tirando fotos ou procurando em seus guias de viagem pelo endereço exato de algum pub ou do teatro onde estão encenando Chicago. Dava no mesmo, chorei aos prantos. Algumas pessoas me olhavam, mas eu não me importava com elas. Pelo contrário. Achei todas aquelas pessoas ridículas enquanto chorava no meio delas, também ridícula --- também, como percebia qualquer irlandês embriagado, turista.
(...)
Eu me lembrei de uma música, enquanto voltava para casa. "I may be walking on the streets of a city called London, but the dust on my boots and the rhythm of my feet and my heartbeat say 'Africa'".
Eu não tenho, até onde eu sei, sangue africano --- não mais do que todo mundo tem, quero dizer. A totalidade da minha árvore genealógica remonta à Europa. Meu DNA deveria ser tão europeu quanto o daquele irlandês do Soho, mas eu entendia perfeitamente o que Vusi queria dizer. Não sei se era a poeira em meus sapatos, se era o meu ritmo --- minha ginga, alguém diria ---, mas até mesmo um sujeito completamente bêbado podia olhar para mim e ver além do cachecol, do sobretudo de tweed, da minha pele branca e do meu DNA germânico, para saber que eu podia tentar, se quisesse, e eu podia forçar meu sotaque, se conseguisse, mas eu nunca, não importa quanto me esforçasse, seria dali.
20120711
esta noite ainda não fiz minha ronda de segurança (ou: quer dançar comigo?)
Sultão nunca aceitou bem
a companhia de outros gatos
- em especial dos estrangeiros.
imperialista rancoroso,
se amuava e não arredava
pé; reinava só
em sua rabugentice.
anos se passaram sem que o quadro
mudasse de figura;
quase choro pensando
em tantas diplomacias abortadas.
a companhia de outros gatos
- em especial dos estrangeiros.
imperialista rancoroso,
se amuava e não arredava
pé; reinava só
em sua rabugentice.
anos se passaram sem que o quadro
mudasse de figura;
quase choro pensando
em tantas diplomacias abortadas.
isto é:
boa vizinhança,
gatos,
ódio ao ódio,
poesia de geladeira,
Sultão
20120709
the amazing spider-man
assisti ao 'espetacular homem-aranha' / gostei /
tem algumas coisas toscas e bestas, mas gosto do
nerd-cool-gatinho com a gwen stacy mais-legal-qu
e-a-mary-jane / em geral, um filme bonito // no
mesmo dia, revi o original, de 2002 / foi um fil
me que marcou minha infância / fiquei surpreso,
é muito ruim
tem algumas coisas toscas e bestas, mas gosto do
nerd-cool-gatinho com a gwen stacy mais-legal-qu
e-a-mary-jane / em geral, um filme bonito // no
mesmo dia, revi o original, de 2002 / foi um fil
me que marcou minha infância / fiquei surpreso,
é muito ruim
20120708
Carralho Filipa!
"música" da época do lançamento de À Deriva
cantar com qualquer ritmo de qualquer música do Bonde do Rolê
"Carralho Filipa!
Vive nos anos oitenta
Seu pai é o Vincent Cassel
No Cauã Raymond fez créu!
Sua mãe é a Deborah Bloch
Não há ninguém que se choque!
Ca-ca-carralho Filipa!
Ca-ca-carralho Filipa!"
na ponte, cantar como a ponte de "That's not my name"
"Ca-arra-alho Fi-li-ipa,
Ca-arra-alho Hei-tho-or"
cantar com qualquer ritmo de qualquer música do Bonde do Rolê
"Carralho Filipa!
Vive nos anos oitenta
Seu pai é o Vincent Cassel
No Cauã Raymond fez créu!
Sua mãe é a Deborah Bloch
Não há ninguém que se choque!
Ca-ca-carralho Filipa!
Ca-ca-carralho Filipa!"
na ponte, cantar como a ponte de "That's not my name"
"Ca-arra-alho Fi-li-ipa,
Ca-arra-alho Hei-tho-or"
20120707
Diário de bordo
São dez para as sete quando o ônibus chega ao terminal.
Não espero por mais nada, entro logo de mala e cuia e corro para meu assento.
Só quero dormir.
Acordo. O ônibus está parado e eu me sinto revigorado. Já
teremos chegado? Acredito ter dormido mais que nas últimas noites todas, mas
pego o celular para confirmar. São dez para as oito.
Acordo. O ônibus está parado e minha mão esquerda está
petrificada, sem circulação. Meu dedinho não se move. Minhas suspeitas de que
dessa vez, enfim, terei que amputá-lo são logo superadas, quando o formigamento
começa. Por tudo o que sei, até agora, o ônibus não andou um metro.
Acordo. Parados. Duas crianças deixaram seus lugares e por
qualquer razão estão sentadas ao lado do meu assento, em frente à porta do
banheiro. Sem muita razão, sou tomado de uma imensa raiva. Penso que, se me der
vontade de ir ao banheiro, mijarei em cima delas por vingança. Não será a
primeira vez para mim, é claro, nem a última para elas.
Acordo. Está frio, mas há um rapaz de camiseta ao meu lado
e eu, já de agasalho, sinto vergonha de pegar mais um casaco. Será o frio sinal
de que nos aproximamos da antártica Curitiba? Não, reconheço pela janela uma
salgaderia em que parei na minha primeira ida ao Paraná e que sei ser próxima
de São Paulo. Sinto fome, uma fome de doer a barriga, e me lembro do pacote de
Stiksy no meu bolso. No entanto, hesito, por medo de que, se o pegar, as
crianças pedirão. Ora, Gabriel, não é preciso passar fome por puro egoísmo.
Basta dizer Não.
Comer os Stiksys provou-se-me uma maldição: já não posso
dormir antes de acabar o pacote ou sabe-se lá o que acontecerá a ele. Da frente
do ônibus, um senhor se levanta. Lança um olhar resoluto e começa a andar
inabalável em direção aos fundos. Seu andar não é exatamente firme, pois o
ônibus balança (enfim nos movemos, se bem que a passo lento), mas é
determinado, convicto e inexorável como uma força da natureza. De repente,
compreendo: ele vai mijar nos garotos. Uma excitação me domina e eu não sei o
que fazer. Quero ver esta cena, ao mesmo tempo lúdica e grotesca? Não quero,
mas que fazer? Não se pode impedir o velho. Mas não, ele já sorri, pede
licença, vai entrando no banheiro.
Dos dois meninos, apenas um continua aqui. Dorme todo
torto, no chão, e acorda triste quando alguém pede licença para mijar. Já não
sinto raiva. Me pergunto por que ele não vai ao seu lugar. Não terá um? Acaso
venderam passagem a mais? Penso que ele pode ter pulado a catraca, mas isso
seria absurdo em um ônibus que não tem catraca. Atônito, percebo que o que
sinto já é pena, ou até simpatia. Cogito oferecer um stiksy, mas isso criaria
uma situação estranha quando me bater o aperto e eu enfim mijar nele.
Parece que foi só ilusão, ele tinha um lugar. Apenas havia
preferido se sentar à porta do banheiro, o que, agora me lembro, eu também já
fiz. Mas não, desistiu, voltou a uma poltrona lá para a frente. Nem me pediu o
salgadinho. Nem me pediu perdão. Olho para o lado, mas o rapaz de camiseta
ainda dorme. Estou completamente sozinho.
São onze horas quando ele volta. Para não* correr riscos,
vou logo oferecendo os stiksys e ele, é claro, aceita. Já se passaram quatro
horas, afinal, e eu estou escrevendo isso pela segunda vez. Perdi o texto sem
querer. Vocês (quem?) nunca saberão.
*Aumentativo de Paraná.
O ônibus anda bem. Para poder dormir, dei os stiksys ao
menino, num ato de alteregoísmo do qual já começo a me arrepender. Acho que a
viagem ainda dura mais de três horas, hipótese em que as forças extras que a
comida der aos demais passageiros me porá em desvantagem na briga pela
sobrevivência. Me consola saber que morrerei em nome da ciência e, de algum
lugar, Darwin sorrirá.
Acordo. O ônibus está parado, mas há grande movimentação
em sentido à porta. Os assentos ao meu redor estão vazios. Rapidamente, abro a
curtina na esperança de ver uma rodoviária, mas não, é só um posto de serviços.
Tudo bem, ao menos não precisarei recorrer ao canibalismo. Desço, pego uma garrafa
d'água, um bombom e uma fila enorme no caixa. Me pergunto, animado, quão
infiltrado já não devo estar no território paranaense, mas a moça que me cobra
é uma víbora: Nota paulista?
Acordo. Há algum debate sobre as pessoas faltantes do
ônibus, acho que busca-se o consentimento geral para partirmos sem elas e eu,
que já estou aqui, estou disposto a fazer esse sacrifício em nome da
celeridade. Mas aparentemente o consenso é o de que já estamos todos aqui, e a
diferença na contabilidade se deve a haver duas pessoas --- e não uma, como se
supunha --- no banheiro. Estava um pouco alheio aos fatos, mas essa informação
nova me atiça o interesse. Passo os minutos seguintes de olhos cravados na
porta do banheiro, esperando o momento em que os dois incautos terão de sair e
enfrentar o julgamento da sociedade. Decido voltar a dormir quando vejo saírem,
na verdade, uma mãe e sua filha.
Acordo. Sonhei que, para provar um ponto, meu padrasto
despedia o Bob Esponja imediatamente após prometer-lhe que, naquele dia, todo
mundo trabalharia fantasiado. Já começo a desistir da esperança de que algum
dia o ônibus vá chegar a algum lugar. Curitiba não passa de mais uma ilusão ---
como trabalhar fantasiado e tudo o mais.
Chegamos à rodoviária. O ônibus parou, apenas, e todo
mundo já foi se levantando, se desconfortando. Percebo que sou o último que se
deixa ficar e momentaneamente sinto algo como saudades da jornada e de todos os
seus acordos.
20120706
um poema pra todos os garotos e garotas que não tiveram sorte no parquinho quando encantados pelo pikachu que vendia algodão doce
eu você
e seu depê -
o terceiro
(ou trigésimo)
eu você e
dois depês
[quatro]:
eu sentado lendo
você você
você
e eu sentado
me-lendo.
isto é:
ANAL :D,
eu não sei fazer poemas,
H.Chiurciu,
Pikachu
20120704
20120703
20120702
20120701
Assinar:
Postagens (Atom)