20101030

Convite especial ao sr. F. A. e ao "sr." F. K.

Normalmente não é assim que se dá, mas como os métodos científicos andam se abrangendo sem fim, temos que flexibilizar nossa história e tudo mais. Em sendo assim, convido os excelentíssimos senhores F.A. e F.K., leitores costumeiros de nossas paragens, a participar dessa bela e pequena família incestuosa, como colaboradores ativos e produtores indomáveis de conteúdo. Em caso de resposta positiva, por favor entrem em contato pessoalmente, emailmente ou através dos comentários. Deixo ambos os nomes assim, codificados, para evitar envolvê-los desnecessariamente em nosso antro de prostituição literária. Abraços,

a direção

20101025

Gorila Zé Moleiro

O gorila Zé Moleiro perdeu um dente comendo côco. Mandaram, a mando do guarda-jaula, chamar um dentista que pudesse fazer implante. De forma alguma encontrar um odonto seria problema, mas o diretor do zoológico chiou. Zé Moleiro permaneceu banguela, entristecido.

Quando começou a sentir mais falta, olhou primeiro para o seu dedo mais portentoso. Unha portentosa também, perigo a vista... mas Zé Moleiro era curioso e no buraco escavado aprumou o dedão, que machucou a gengiva.

Aí sim, sentiram que ele afligira-se. Não havia uma única bananeira na propriedade de Zé Moleiro, a “jaula” assim dizem, e bananas só em rações periódicas. Zé pensara em estancar o buraco com uma massa mastigada e ele ficou bem, bem irado ao se ver sozinho e desolado.

Quebrou as barras, desculpou-se com seu zelador Pedro e fugiu de vez, aputecido com o descaso e louco por algo que lhe estancasse a dor. Chupou um sorvete que pegou na padaria e com isso se viu calmo o suficiente a buscar um dentista.

Dr. Bicudo o recebeu sem constrangimentos maiores, apenas um incômodo causado pelo bafo de Zé. O procedimento foi simples e no final os dois se sentaram para uma conversa informal. Zé Moleiro expressou suas convicções, especialmente àquelas referentes a administração e Bicudo ouviu atento, pois eram poetas.

- Mas...veja bem, Moleiro – disse enquanto se reclinava e passou os dedos na coxa, para tirar alguns fiapos – Alguma vez pediram ou disseram que a função sua seria exibir os dentes? Não é fato que sua graça está antes no movimento pela jaula e similitude conosco? Por que haveria o diretor de gastar bom dinheiro público em dente que ficaria – se o Sr. se comportasse com o decoro exigido – oculto na maior parte do tempo? O senhor é vaidoso! Vaidoso e egoísta! Um vaidoso mimado! Deveria arrancar-lhe de volta o pivô e puxar mais alguns em companhia! Ladrão vaidoso!

O doutor balançou as mãos e cadeira enquanto percebia o quão patife ele parecia, ali querendo consertar o que não precisa ser consertado, e seu ataque foi feito com orgulho cívico e um pouco de medo (afinal, era um gorila); não obstante, Zé Moleiro absortou-se em alguma vergonha – pois também tinha algo de Homem - e saiu, honesto, desapontado. Ao dobrar esquina, cravou os molares numa moça de bijuteria e perdeu todos eles e ela; viu o pivô incrustado (que gorila usa pivô?) ali no pescoço caído da moça que era bonita mas não forte o suficiente e, criminoso, voltou-se à jaula.

Enquanto isso o doutor se levantou, passou os olhos pelos livros do consultório na estante como que para mostrar erudição e em pose acabou tendo que sorrir para si mesmo e olhar para os lados. Triunfo em haikai!

macaco safado
mostra sua malvadeza
metendo no bolso

20101021

20101020

intervalo instrutivo (e divertido)!

PRESQUE RIEN, numéro un.

— Je suis à bout de souffle ! — elle m’a dit — La vie est impossible !

— Oui, oui — je riais à elle, qui était gracieusement jolie quand son air « existentialiste » la possédai —, mais Godard ne peut aider personne.

— Je ne le crois pas. Pour quoi ?

— Parce que ! Écoute-moi : je vais acheter quelque chose là-bas, donc… Ne fais rien de stupide, d’accord ?

Elle m’a regardé attentivement. Je ne savais pas ce qu’elle pensait (bien sûr, ceci n’est pas de la littérature ! c’est le… cinéma vérité ; presque !), mais je savais que je pouvais croire en elle :

— D’accord, d’accord. Le suicide n’est pas la réponse aujourd’hui — elle a dit, en fermant les yeux – Je dors et j’oublie tout. Si j’étais américaine je pourrais acheter une mitrailleuse et… « Tatatatata » ! Les assassinats aléatoires !

— Heureusement, nous sommes brésiliens et tout que nous faisons c’est assassiner le français. Veux-tu quelque chose à manger ?

— Oui, merci. Un pain au fromage.

— D’accord. Au revoir !
Je suis parti, elle est restée là.


C’était la dernière fois que je l’ai vue. Merde.

20101019

Literatura Publicista

Dois pequenos-bois encontravam-se atónitos. À frente deles (na hierarquia, porque no carro era de trás que estralava o chicote) estava um senhor admirável que já há algum tempo cuidava de imaginar ser possível plantar algo bom, mas se via sem perspectivas e com os dois tocava para a rodovia. Ao menos seu filho continuava na chaloça pra ver se surgiam uns brotinhos, hêm. E, bem, cansados demais para andar ou não, lá iam os pequenos-bois em frente balangueando com músicas na cabeça.



O que estava mais à esquerda já parara de ruminar o último matinho que arrancara do campo há um tempo, mas ainda guardava ali entre os dentes tudo que seu maior companheiro do passado – também boi, mas já aposentando-se com honras - lhe dera: um broto especial, que todos queriam saborear e que ele havia sido bom o bastante para guardar para o momento em que pudesse dividir com todos.

Olhava para frente quando dava e o sol estava deixando ele vermelho, mas não ligava, porque pelo menos o mantinha acordado. A despeito de tudo, ele ainda tem mais fôlego do que seu companheiro, que já se anuncia mais velho...também, pudera, era um boi que circulara mais por essas fazendas ditas importantes. Havia sido de outros donos, de outros tempos, já fora até mesmo garanhão e até mesmo se achava meio pastor às vezes. Mas dessa vez estava uns dois passos atrás e até um pouco amarelado de sabe-se lá o que. Bolsas fundas lá nos olhos dele.

Uns passarinhos bicudos ora pousavam nele, ora se rebuliçavam por cima e davam umas mordiscadas, mas... ele não parecia se incomodar muito, não. Resmungava, fingia que não estavam lá, mas era quase que necessário. “Coitados, veja só o sol. Pelo menos assim têm companhia de alguém maior...”

“Hêm. Boi é tudo igual. Boi é tudo igual”, resmungava o senhor que bem ou mal tinha lá o freio e o chicote nas mãos.


E enquanto passavam e passavam devagar, os dois bois sentiam que não agüentariam. Bem, um deles teria que permanecer para carregá-lo...o outro, que se esfalfe, que não vai ter jeito. O sol cada vez mais forte....e eis que um dos dois, que infelizmente não pude ver pois na hora fiquei de ponta-cabeça e perdi as noções de direita e esquerda, se desprendeu, foi chicoteado pelo dono por isso e ainda se espreguiçando e mugindo meio fraco caiu na beira da estrada. O dono e o boi ainda atrelado olharam por alguns instantes, mas tem-se que prosseguir e tiveram que deixá-lo lá mesmo.

O boi caído continuava achando que poderia voltar, mas...que baita sol e que tristeza de se ter solto, que grande vergonha. Cedo ou tarde iria acontecer, mas...nunca se sabia quando e ele muito menos, todos diziam que ele agüentaria certeiro até o fim, mesmo quando duvidavam de sua capacidade no começo...

Ele respirou fundo, levantou o pescoço e deu uma olhada em volta para ver se encontrava alguém, e ei-lá que viu um espantalho mirrado, mirrado, mas de porte ainda sisudo que o encarava de longe. O sol devia fazer mal igual pros dois, ele pensou, que não tinham nada ali.
O boi conseguiu se arrastar até o espantalho, que meio antipático ou não era a única companhia no momento. Ele levantou o que conseguiu do pescoço e esperou o espantalho se manifestar. Ele se virou ali, mostrou ao boi que os dois tostariam, mas...arre, que dali a alguns anos tudo aconteceria de novo. O boi caiu morto.

O espantalho suspirou e...ainda encontrando ânimo, disse:



- Viva o Brasil!

História sem glória

Ninguém se lembra de Eomar Riss. Ninguém esperou por ele no cais. Ficou lá ele e ninguém mais. Ninguém quis pegar-lhe as malas, levar-lhe às salas, ouvir-lhe as máguas - e foram tantas águas, enchentes e serpentes, tanto rio que ele cruzou e quando o navio aportou (no cais), ficou lá ele e ninguém mais. Nem os jovens (porque viris) que vinham, quase servis, prestar às madames de lis serviços em troca de gis... Nem eles, que vis!, lembraram-se de Eomar Riss. Não lhe ofereceram os braços pobres para, em troca duns cobres, fazerem-se nobres, levarem-lhe os coldres, as malas e roupas e chamarem-lhe jovem.

O velho, que era, sequer ficou à espera, tomou logo a bagagem e sem titubeagem, seguiu pela trilha que levava pra vila. Era um caminho comprido e seu corpo torcido não aguentou sem gemido o exercício exigido. Teve que parar. Arfar. E então, ali mesmo na estrada, envolto de mata, de meio de nada, sem ter caduceu, Eomar Riss, sem mais nem menos, morreu.

Era primavera e há algo de triste na morte de um homem que sequer existe, mas podia existir, como tantos -- que vivem suas vidas de guerreiros ou santos e ganham as lutas ou choram os prantos e morrem depois, sozinhos nuns cantos.

20101016

certeza

Era aos sábados que Júlio saía de casa, de chinelo, e ía até o bar na esquina, comprava meia dúzia de chicletes, dois isqueiros e voltava pra casa, sem correr e sem arrastar o pé, entrando rápido pelas portas entreabertas como se fosse uma savana, se estendendo pelo deserto recortando o chão com descaso. Entrava, então, sem sorrir, olhando baixo à moda outonal e evitando o próprio olhar reprovador nos quadros e fotos e espelhos e desenhos que o acompanhavam caricaturalmente corredor adentro, um corredor longo, esticado quase dimensionalmente, um wormhole de desenho animado tornando seu trajeto mais agradável. Entrava, enfim, sem grandes intenções, um grande homem em si mesmo e em seus trejeitos, pequeno em tudo mais, e deixava escapar o gás dos isqueiros enquanto mascava enormes chicletes, e assim era feliz.

Foi num sábado, portanto, óbvio, evidente, que eu conheci Júlio, entrando em sua casa de maneira direta e pontual, portando um sorriso. Eu sabia que Júlio era inocente e oval como um pião, girando em sua órbita falsamente elíptica e deformada, porém autocontida e totalmente alheia ao universo, em seu loop definitivo, olhos virados para dentro como os de um monstro, mas sem o ser. Eu sabia que ele era um homem fraco, no plano objetivo, de mãos quebradiças e de unhas mal-comidas, rosto de poucas camadas, que mal seria capaz de levantar uma cadeira para me acertar. E eu sabia que ele era um homem sem imaginação, e os grandes monstros são apenas figuras de imaginação, românticas, excessivamente transbordantes de romantismo apodrecido, como o vinho, que quando passa do tempo se torna cianureto, uma poção mortal de lenda donzelas, e que portanto não poderia ser um monstro, nenhum horror lá, só o tédio. Eu sabia, portanto, que ele era inocente, mas isso não poderia importar, porque eu já fora pago e Júlio era um homem estranho que não sabia dizer cumprimentos a ninguém de maneira satisfatória, e mais de três meninos já tinham sumido, e havia tantos pais preocupados, raivosos, sedentos, babando, esporrando necessidades, e alguém precisava sumir que não fosse um menino de seis anos, encontrado duas semanas depois com o cu arrombado e cheio de sangue seco e poeirento, e então esse alguém era Júlio, porque os pais precisam de paz.

20101013

bilhetes de entrada

No meio da noite, no meio do sono, no meio do nada:

"O senhor está me incomodando"

-Ora, pois... Desculpe, me avise que eu lha desincomodo, o que é que estou fazendo de incômodo?

silêncio
"O senhor sabe."

...

ORAVÁTOMARNOCU
VELHA CRETINA!



Chegar cheguei, mas entender não entendi nadinha e daí ao ônibus ao trem à rua cheia de gente e movimento que não prendi. Saí da estação e esperei, incomodei, sei que sim. Querer voltar, querer nunca mais voltar de novo (pra lá / pra cá). "J'ai tenté téléphoner", mas tive que correr, aqui sempre se corre, ônibus e trem e trem de novo e chatice sem fim pra no fim do dia eu deitar a cabeça no chão e pensar com gosto que gosto de você.

Aí vale a pena.



20101007

bilheta de despedida


Eu vou pegar a estrada.


vai chover - eu sei,
vai fazer frio - eu sei,
você vai morrer - NUNCA!



20101006

Desfeitura

(Retomada de um antigo trabalho, ainda inédito)

Documento de ficção.

A dor da criação, o parto e o aborto das idéias e das matérias. Sonho urbano, captado como se pôde.

20101004

Trecho incluído numa história de ficção científica.

" Mas ela é uma terrorista e uma mentirosa, filho, como alguém poderia votar nela? Nunca que eu votaria. "
' Terrorista contra quem? '
" Uma terrorista, uma mentirosa! "
' Contra quem? Por quê? '
" Contra a ditadura... "
' E isso é ruim? '
" Ela participou de sequestros! "
' Sim, imagino. '
" Uma terrorista! "
' Me parece razoável. Não ótimo, nem bom, mas razoável. Mais razoável que o entreguista do diretório dos estudantes. '
" Ele, entreguista? De onde você tirou isso? "
' Não foi dos jornais, né. Você viu que saiu naquela revista uma entrevista dum ex-torturador da ditadura a acusando disso aí que você tá falando. '
" Porque é verdade! "
' Mãe, um ex-torturador! '

20101001

Curada a cuca, restava o peito.