20090629
Tom Zé VS Coralie Clement : o Belo contra o Sublime
***
- Olha! Atrás de você tem uma moça chorando. De vestido florido.
- Que fofo.
- Puts. Agora ela está mandando mensagem para alguém. Ela era quem estava mais AQUI. E de repente é quem está mais longe DAQUI.
***
- Esse, isso, agora vou gostar dele por mais cinquenta anos.
- Sua primeira?
- Sim, foda.
- Quem sabe ele te ensina a gostar de bossa.
- Nem, heim.
***
- Você, absolutamente, não presta.
- Quê?
- Você ouviu.
- Ah. Estou um pouco ofendida.
- Não, não é desse jeito. É o contrário. Que nem gim com tônica não presta.
- Assim eu fico metida.
***
Sono
Olhos fechados
Toque
Olhos Fechados
Riso
Olhos Fechados
Frio
Meio-dia da tarde
trincado
"você vem?"
--são todos homens perfeitamente cabíveis, iguais a ele'
É triste, enfim, dizer, mas Thiago sumiu - sua voz não foi o suficiente para manter sua forma, e se proclamo é apenas por amor à verdade, algo que ele nunca cultivou, diga-se de passagem, imerso que estava em suas - belas, é inegável - estesias tão incompreensíveis, nenhuma força que proviesse da verdade, só olhos verdes que o tornavam imensamente popular entre as mulheres mais velhas, e sinceramente nenhum talento, sua arte era outra, impermeabilidade era o que cultivava, um rinoceronte avançando - até desvanecer-se como todos os seus filhos já haviam feito antes. O que eu quero dizer, enfim: não será lembrado: era um desnecessário.
todos nós só somos
faces estéticas vãs
caindo das nuvens
Era uma menina gostosinha até perder o cabacinho, aí ficou flácida e eu disse TCHUN.
ELESBRUN, Thiago.
(tudo)
20090627
experiência de narrativa instantânea
"tã tãnan tananaaaan"
pensava em escrever alguma coisa, mas sua cabeça estava caótica
"Gardenal"
"troca de abas"
cocava o nariz em busca de algum assunto
"Genki Dama
olhava ao seu redor procurando algum motivo ou assunto
"afinal o que fazem os bons textos serem bons"
e não encontrou nenhum
20090625
Planejamento familiar
Eu vou me casar com ela algum dia.
E depois vou me casar com uma outra mulher e manter a G_ _ _ _ _ em um apartamento muito luxuoso, muito-muito luxuoso mesmo.
Aí de vez em quando eu vou visitá-la pra ouvir aforismos neo-escatológicos, sentir-me melhor, e voltar para minha verdadeira família.
Atividade_8: Árido Movie
20090623
Atividade_7: O trabalho acadêmico mais elegante já feito e entregue na história da Escola de Comunicação e Artes.
Em Adivinhadores de Água, Eduardo Escorel traça uma importantíssima retrospectiva do cinema nacional durante o que poderia ser chamado de seu ciclo mais recente – do Cinema Novo até o fim da Embrafilme e, posteriormente, a Retomada dos anos 90, realizando um interessante percurso de uma ressaca a outra (Vera Cruz – Embrafilme).
[bem centralizado na página, com perfume de almíscar levemente borrifado por cima]
20090620
Niver de Karol
20090619
Atividade_6: [___½___] as Lacunas.
DICA:"É quase impossível se defender de suas foices atacantes. Seus movimentos são como os de um ninja."
20090618
Obra derivada
Era uma vez
Um sábio chinês
Que um dia sonhou
Que era uma borboleta
(...)
E pro resto da vida
Uma dúvida lhe acompanhou:
Se ele era um sábio chinês
Que sonhou que era uma borboleta
Ou se era uma caderneta
Sonhando que era um frango xadrez (2x)
20090617
ménage a trois MFM
20090616
Caso prático
Do outro lado da rua, coincidentemente saindo do shopping Morumbi, o escritor bestseller Paulo Mangusto presenciou a cena, entrou em sua Hilux, dirigiu acima do limite de velocidade para sua casa e escreveu um conto de cinco linhas inspirado no ocorrido. Doze dias depois ele incluiu a pequena crônica em um livro de contos que enviaria para a editora e que precisava mesmo de mais páginas.
No dia 14 de março, ao fazer o backup dos vídeos registrados pelas câmeras de segurança do edifício Rochaverá, vizinho a ambos os shopping centers, José Tabicuera lembrou-se de um pequeno ocorrido que lhe chamara a atenção no dia anterior. Encontrou o trecho do vídeo e enviou para si mesmo por e-mail, encaminhando uma cópia para Roberto Lacustre, um amigo que trabalhava operando a iluminação de um grupo de teatro.
Roberto Lacustre, que havia sido recentemente contratado para um serviço para o cinema, mostrou o vídeo para alguns colegas que, por fim, levaram os cinco minutos em preto e branco de Norberto ao conhecimento de Fernando Tevarellas, renomado diretor, que trabalhava no filme em questão.
Este, no dia 22 de março, editou um curta de 10 minutos inspirado no cortejo, usando imagens originais da câmera de segurança aliadas a gravações com atores. O curta seria exibido como abertura para o filme que, por sua vez, estrearia nos principais cinemas do país ainda naquele semestre.
No dia 11 de julho de 2008, a segunda sexta-feira do mês, os dois shopping centers mencionados, assim como tantos outros na cidade de São Paulo, expunham pela primeira vez para seu público o filme Homo Metrópolis e o livro A Deusa ou Três Homens Santos – Contos de Paulo Mangusto.
No dia 15 de julho de 2008, o escritor ajuizou ação cível contra a distribuidora Olhalém com pedido de antecipação de tutela almejando retirar imediatamente dos cinemas de todo o país o filme Homo Metrópolis, sob alegação de infração dos direitos autorais de Paulo Mangusto no curta-metragem que introduz o longa. A antecipação de tutela foi rejeitada por ausência de indícios suficientes para sustentar o fumus boni iuris do autor, mas o processo continuou seu percurso normalmente.
No dia 8 de novembro de 2008 (e eu me lembro bem, porque o Corinthians tinha acabado de assegurar o título da série B do Campeonato Brasileiro), porém, a situação teve uma reviravolta inesperada quando Norberto Bartolomeu Cáspio de Jesus ingressou na Justiça pleiteando ser ele, na verdade, o detentor de quaisquer direitos sobre o andar peculiar, o cortejo e mesmo o singelo final da investida. Norberto utilizou-se do próprio curta-metragem de Tevarellas como prova, obteve a vitória em primeira instância que se sustentou nos tribunais e que lhe garantiu R$180.000,00 em indenizações pelo uso comercial indevido de sua criação.
No dia 31 de março de 2009, pouco antes de embarcar em um vôo para Orlando com sua nova namorada – que nada tem a ver com a moça do andar tolo e do cafuné –, Norberto confessou ao Jornal da Tarde que aquele havia sido seu xaveco mais lucrativo, embora não tivesse levado a jovem para a cama.
20090614
E lá vamos nós traduzir uma coisa tão facilmente apreensível em algo extremamente inóspito, ao menos se você não quiser acreditar que é apenas o texto
—FORA PM DO CAMPUS!
Então estou-raram as primeiras bombas de efeito moralizante e eu peguei uma delas no ar e chorei muito antes de conseguir jogar de volta aos filhos da puta, mas foi perfeito e miraram a escopeta com as balas de borracha de efeito (não-)mor(t)al pra o meu peito e eu abaixei a cabeça e foi tudo, no fim das contas, no meu cocoruto e em mais um monte de lugar, até que chegaram mais perto e começaram a me cacetear os culhões e sei lá mais o quê, não importa muito, eu achei que ia apagar.
mas
ESTOU-ROU na minha cabeça o U N I V E R S O ou pelo menos a nossa G A L ´ A X I A e eu não tive dúvida eu experimentei aquilo que eu sabia que seria capaz de fazer e eu
E X P L O D I a CABEÇA de um DAQUELES só estalando os dedos e EU CONSEGUIA SABER EXATAMENTE O QUE FARIAM e FIZ COM QUE ELES SE ATACASSEM ENTRE SI E USASSEM OS ESCUDOS PARA DEGOLAR UNS AOS OUTROS SABE deus DE ONDE VINHA TANTA FORÇA e eu só precisava sentir e saber que era eu que fazia aquilo e então meus colegas todos (INCLUSIVE OS QUE LUTAVAM POR OUTRAS CAUSAS E os que estavam claramente jogando sujo e) VIERAM PRA CIMA e a m a s s a r a m aqueles bostas e então surgiram os tanques, mas era EU DENTRO DOS TANQUES e destruímos toda a UNIVERSIDADE de uma VEZ e agora sim somos AUTÔNOMOS, até porque agora o U N I V E R S O todo é meu.
e virtual.
20090611
entrego.mirada.presente.
desnuda sus ojos blancos o plateados
como perfume urgente de debilidad posible
cubren la caliente rabia hasta el vacio
20090610
grito, ouvi um grito, você ouviu? um eco pulsante que rebateu nas árvores, asfalto, pés e cabeças até chegar aqui, no fim silábico de um grito. você ouviu? acho que ouvi ão. grito, um grito! um grito completo de fuxicos e artifícios. mas ouvi também um grito de vísceras. a brand-new-ão, que talvez estivesse completando coraç-ão até chegar a esse meu ouvido ruim.
deve ter desviado em um vento ruim, dentro desse pedaço odioso teve alguém mal amado. ainda assim submersa nesta onda rasa e violenta há algo maior que ouvi de relance chegando pulsando a esse meu ouvido ruim. está de joelhos se afogando por quê, estúpida amorosa?
.
O pior eufemismo do mundo
As mãos vão ser apertadas para oficializar o fim do embate quando: cabrungum. Troiscentos passam correndo e fumaça. Mocinhas em desespero se escondem-tatus. Tirotirotiro e o sol sumindo esfumaçado; as gentes gritam de canto a canto e não se entende. O grosso do povo lá por perto logo se dissolve (gente gritalhona & inconveniente) e mocinhas sentem-se seguras para dar ao mundo novamente a graça de suas belezas. Vêem um moço capacetado e resolvem inquirir:
- Ô moço, que houve, essa bagunça toda? Que que cês tão fazendo aqui?, pergunta olhos-grandes a mocinha 2.
- Fazendo valer a lei e a ordem, é claro!, responde o rapaz azulado antes de lhe acertar uma bem-dada marretada no crânio.
20090609
TODOS AMAM JENECI - cap. 1.1
- Prenderam o Brandão!
Bem, isso já não era exatamente novidade para nós ali presentes, rsrs...de toda maneira, quando optamos levar a sério certas situações nas quais nos encontramos, alguns riscos estão obviamente envolvidos. Foi por isso que decidi permanecer por pelo menos mais um mês e meio na cidade. Hospedagem eu teria, sem problema, e com diferentes temas: se eu quisesse, casa de intelectual (Hatoum não me negaria um sofá...), ou bangalô flutuante (minhas reservas me permitiam), ou ainda um belo hotel (talvez pago pela Rede).
Pela companhia, continuei no hotel, no terceiro andar. Acho que quem gritou a "novidade" foi uma mulher que parecia estar só de passagem, por alguns dias. Ninguém deu muita atenção, como eu já disse, e todos continuaram comendo. Suzana apareceu horas mais tarde e disse que também tinha ouvido o rumor numa barraquinha do mercado, quando fora comprar lanchinhos pras atividades dos dias à frente. A Suzana é assim, não é uma pessoa que fica triste com muitas coisas...é sempre pra cima!! Mas senti que alguma coisa havia acontecido, e duvido que tivesse sido o rumor que se espalhava. Alguma coisa na barraquinha. Mas eu não gosto tanto de me envolver nesses assuntos, acho importante, acho interessante pra nossa relação, mas uma intimidade completa pode até atrapalhar o andamento das coisas.
Fiquei observando o andamento do humor de Suzana nos dias que vieram, sempre tentando parecer mais distante do que realmente estava. Alguma coisa continuava me intrigando. Foi quando me telefonaram do Rio, querendo saber dos progressos. Tudo corria bem, mas poderia estar melhor. Pedi autorização para contratar mais alguns assistentes que levantassem tudo a tempo. Tudo dentro dos conformes, claro, porque pedir mil novos funcionários não faz sentido numa estrutura como a nossa...mas o inesperado aconteceu: eles se negaram. Eu senti uma onda ruim vindo (como disse o Cedrico ano passado).
Na tarde desse dia, saí para caminhar pelos arredores com o Cauã, que parecia entediado também. Não havia muito o que ele fazer, no estágio em que estávamos. E ele é assim, se fica sem trabalhar, amarra a cara e não consegue se concentrar em muitas outras coisas...e foi nessa mesma tarde que nós dois descobrimos, escondido atrás dumas árvores, um verdadeiro templo para almas desoladas...como nós.
"Meus filhos serão músicos (roqueiros!) :)"
- fill.zanchez, Membro Novato
(ou poderia ser: 'V.D.F., O Amigão de Zurawski')
"O Diabo é o pai do Rock"
- um desatualizado.
Atividade_5: Doutor F.
“Acredito que o momento mais difícil desse processo seja, ao final de tudo, tirar o lençol. É nesse momento em que expomos o nosso trabalho, nossa monstruosidade para o mundo, mesmo que ninguém mais efetivamente veja o que fizemos. É complicado.
Expomos nosso trabalho ao ar que nos cerca, aos olhares de desgosto, inclusive o nosso próprio. Pois mesmo que saibamos em nossas mentes o resultado de tudo aquilo... O nosso trabalho é feito quase sempre debaixo do lençol, por trás de uma névoa segura que isola nossos monstros em uma outra realidade, um outro modo de existência. Ao erguer o lençol, estamos destruindo esta ilusão, aceitando a existência de nossas monstruosidades mais íntimas; não podemos mais negar a proximidade daquilo que fizemos e de nós mesmos, nossas mãos estão impregnadas pelo fruto do nosso trabalho.
Este momento crítico de revelação se agrava ainda mais por não termos, ao nosso lado, a mesma euforia que tínhamos antes, durante o trabalho febril e apaixonado que resultou naquilo tudo. Estamos de volta aos nossos sentidos, não há mais desculpa para nossa consciência; só nos resta enfrentar a nossa criatura, nosso monstro irreversivelmente concebido. Arrancar o lençol é descobrir este monstro logo ali, colado à nossa pele – e não mais em algum ponto distante de nossas mentes ou almas. Quando se ergue o lençol, caímos de volta ao mundo do real e do racional, somos surpreendidos por essa luz dura justamente no momento que expomos o que nós temos de mais vulnerável, o ponto mais maleável de nossa carne à mercê de um mundo pontiagudo. Não é fácil.
Mesmo assim continuo, continuamos criando nossos monstros, um após o outro, erguendo o lençol e sofrendo a cada vez que somos forçados a encarar nossas criações. Pois isso é encarar o que há de pior em nós, é destruir as ilusões confortáveis de que somos, ao final de tudo, boas pessoas. Fazemos isso porque somos escravos de nosso poder, do êxtase que o segue e que nos domina. Tentamos nos tornar deuses, mas nosso poder é incompleto, a nossa vida não é viva e nem é bela – é horrenda e monstruosa; é a Morte nos encarando na sua forma mais primitiva.”
[Ingolstad's Tribune - Julho de 1915]
20090607
Atividade_4: Drinque
1½ dose de Conhaque2 colheres de bar de Cointreau1½ colher de bar de suco de limão1 colher de bar de açúcar1 colher e meia de amaroMisture todos os ingredientes vigorosamente com gelo. Sirva em um copo de cocktail e decore com uma pequena fatia de limão.
20090606
Atividade_3: encomenda do cigano
Fazendo as contas, no fim das contas, continuo sendo exatamente o mesmo.
Partitura
20090605
Membrana
Era uma membrana que se mexia.
Mas tudo bem, ninguém está correndo, deve ser normal.
Nossa!
Put...nossa.
Ela é rápida.
Talvez devesse perguntar discretamente, porque pode ser minha falta de cultura.
Você... veja bem, tem um-a...
Ok, não precisa, deve ser normal.
Mas ela é rápida. Será que é salgada?
Devia bater uma foto, e aí sim perguntar pra alguém.
Boto no blog e tudo bem, está lá pra - urghmexeu- analisar.
Como é difícil não olhar. Olho duro, ponto fixo (crianças chinesas beisebol dança folclórica romena)
Agora me afasto escandalosamente.
Vou correr, parece que vai me perseguir.
Preciso falar.
É isso, boto no blog, ligo pra Naná, descrevo e disseco. Vivisecto, se der ou existir.
Era uma membrana. É algo novo. Será normal.
Atividade_2: Chá
20090604
Atividade_1: Muler de fases (une memoire)
"A gente morava tudo junto, tocava violão, bebia... Bom, era basicamente um apê cheio de vagabundo achando que ainda tava no auge do, sei lá, novobaianismo. Mas era legal, era uma turma toda muito juntinha e tal, a gente funcionava. Teve uma época em que o Gu chamou um amigo dele pra morar lá, acho que era Bruno ou Fernando, sei lá, um nome sem graça desses. Era um cara legal, assim, meio esquisito, mas nunca fez mal nenhum. O Lê que não curtia muito ele, mas tudo bem, a gente continuou funcionando – pelo menos por um tempo. Depois que o Lê e a Nina começaram a ficar juntos a coisa meio que degringolou. Eles foram ficando fascinados pelo centro, barzinho e cinema e aí a galera ficou toda animada também, ainda mais depois que teve aquela festa toda. Era legal, mesmo, só que era caro e a nossa grana não dava pra esse tipo de vida. Aí foi um tal de correr atrás de trampo, dinheiro, a coisa foi sofisticando, tudo pra sustentar um tipo de padrão de vida novo. Foi assim que acabou, eu não acho que tenha sido ruim, foi só uma coisa que aconteceu e que depois passou. Fase."
(BRASIL, B. do. in: Memoires dune Poutainette - Rio de Janeiro, Globo, 1997)
20090603
20090602
Foi Gustavo quem me chamou para morar na república,
Laura e Joana ficaram olhando e não disseram nada, enquanto Alex parecia não ligar para mim, então eu disse oi e o meu nome, e contei da oferta de Gustavo, me surpreendendo quando Alex perguntou se então eu ia morar ali. Ia. Ele assentiu, elas voltaram ao que quer que estivessem fazendo e foi só então que, enquanto levava minhas coisas para um dos quartos, eu me senti em casa.
Eram dois quartos, na casa, então supus com razão que eles eram divididos entre o masculino e o feminino. Ajeitei minhas coisas no quarto que Gustavo até então dividia com Alex e, na falta de uma terceira cama, estendi um lençol sobre um sofá velho, que me seria mais do que suficiente. Experimentei deitar e testar as almofadas, que me pareceram confortáveis o bastante. Depois, quando me levantava, Gustavo entrou, feliz pela minha aparente adaptação à nova casa. Então, ele perguntou o que achei. Respondi um ótimo ótimo e joguei novamente a cabeça para trás, soltando-me sobre o sofá e provando o que dizia. Ele ficou satisfeito, e me chamou para a sala, onde eu finalmente teria uma chance de conversar com meus novos companheiros de casa.
Joana ainda era Joana, ainda era uma pessoa silenciosa e arisca, ainda me olhava com alguma indiferença enquanto costurava alguma coisa. Essa era ela e não era exatamente hostilidade o que ela me direcionava, ao contrário de Alex, que claramente também era ainda Alex, e me evitava abertamente. Laura era quem mais havia mudado e agora falava comigo de forma quase franca, demonstrando um humor muito próximo ao de Gustavo, o que, a essa altura, muito me agradou. Ela pegou um violão e os dois insistiram muito para que Alex o tocasse, então foi logo no primeiro dia que eu formei a imagem que guardaria por todo o tempo que se seguiu como sendo a de meus companheiros: Alex encostado na parede, o violão tocando uma música que eu não conhecia; Joana deitada de bruços com a cabeça apoiada nas mãos e os pés erguidos para o ar; Gustavo abraçando as pernas, sentado; Laura olhando vidrada, quase sem se dar conta de que sorria, e por muito tempo eu me perguntei se era a visão em primeira pessoa o que me impedia de fazer parte da cena.
As tarefas se dividiam, louça num dia, lixo no outro, as despesas, idem, e assim é que vivíamos. Depois que cheguei na casa, que ficava a mais de cem quilômetros de qualquer coisa, mais de um mês se passou antes de eu sair dali para qualquer motivo que não fosse comprar comida, materiais de higiene e qualquer coisa que fosse necessária na casa, mas essas coisas nós comprávamos numa mercearia não tão distante, de forma que ninguém havia ido para a cidade propriamente dita durante todo esse período. Até onde eu podia saber, mesmo antes de minha chegada era assim que viviam e a única ida à cidade de que tomei conhecimento foi a própria viagem de Gustavo, quando de minha chegada. Calcula-se: éramos todos novos e confinados, bebíamos e nos amávamos, tínhamos-nos por irmãos e companheiros.
Durante três semanas, sentávamos no chão da sala e Alex ou eu tocávamos alguma coisa no violão (em geral ele, que era mesmo melhor) e abríamos garrafas de vinho tinto ou de cachaça artesanal, e Laura dançava, e Gustavo dançava e eu dançava. Por fim caíamos, de sono, de bêbados ou de dançar, no chão da sala e lá infinitávamos nossas noites.
Já na primeira semana, percebi que ninguém ali se dedicava a nada que não a convivência. Para conseguir o pouco dinheiro que tínhamos, Joana escrevia poesia, Laura e Gustavo pintavam e Alex compunha modinhas e músicas populares, e as poesias eram nós, as telas eram nós, as músicas eram nós. E eu tinha meu notebook e fazia trabalhos freelancer de design.
Em tudo, acho que éramos assim. Eles eram eles, eu era quase. Inicialmente, achei que Alex havia visto em mim um rival, o que não seria absurdo, embora eu não admitisse à época. Hoje em dia talvez tenha uma ideia melhor do que de fato acontecia, e se for este o caso, afirmo aqui que o receio que ele demonstrava se assemelhava menos à competitividade entre machos do reino animal do que à xenofobia. Eu nunca consegui deixar de ser um estranho, ali, por mais que nenhum de nós se desse conta disso; eu era uma lembrança constante de que havia um mundo lá fora; de que a vida não era só uma casa com vinho e música e artes. Como eu disse anteriormente, não era assim que eu entendia as coisas à época, assim como provavelmente não era essa a interpretação de nenhum dos demais, mas me parece suficientemente verossímil enquanto teoria, e funciona bem como metáfora. Ademais, serve como ligação com as coisas que aconteceriam depois, quando tudo mudou.
Alex ainda se recusava a abrir-se comigo, mas não pôde esconder quando começou a enamorar-se de Joana. Apesar de ter dito, e não menti, que nos amássemos, aquele foi o primeiro envolvimento afetivo, no sentido que talvez outro daria à expressão, entre pessoas da casa. Depois, muita coisa mudou.
Primeiro, tivemos que mudar a organização dos quartos, de forma que Laura passou a ficar comigo e com Gustavo. Essa questão, porém, foi secundária. Depois que passaram a estar juntos, Joana e Alex começaram a frequentar a cidade diariamente.
Como crianças novas demais, os dois demonstravam uma sede enorme de ver tudo quanto havia na noite urbana, ansiavam por ir a cinemas e teatros, a restaurantes e boates e, também como crianças, voltavam para casa à noite escondendo, por meio de relatos incríveis, a frustração por não conseguirem realmente pertencer àquele meio. Sim, adianto-me às adivinhações que decerto surgem da forma como dispus os fatos, e confirmo que me senti vingado quando percebi a forma como Alex e Joana agora se sentiam frente ao mundo que se lhes impunha. Ouso dizer mais: que foi desse meu sentimento de vingança que começou a nascer minha atual compreensão da minha situação estrangeira na casa, e não errará quem estipular que eu aproveitei os novos fatos para tentar reverter minha condição.
Foi quando soubemos, por meio dos aparentemente entusiasmados Alex e Joana, que haveria na cidade uma festa noturna de rua, uma espécie de carnaval fora de época. Animados com a recente euforia metropolitana de Alex e Joana, Gustavo e Laura se interessaram em participar da festa, o que gerou uma situação quase conveniente demais para que pusesse em prática meus planos de aumento de popularidade e intimidade com meus companheiros.
Foi estranho pisar novamente nas ruas esburacadas, nas calçadas tortas. Foi estranho estar novamente entre milhares, ao invés de cinco. A cidade ainda era linda. Imaginar aqueles jovens outrora reclusos se movendo pelas ruas escuras, pelas calçadas esburacadas e pelos corredores abarrotados de gente, imaginá-los entrando em bares, desviando-se de automóveis, trombando com desconhecidos, imaginá-los usando banheiros químicos e dançando ao som de trios elétrios, pode ser desafiador, e se serve de consolo ao leitor, confesso que mesmo visualizar as cenas me foi custoso. Eles eram tímidos, mas não podiam evitar que se destacassem dos demais, e eram maravilhosos e eu os amei demais naquele momento. Eu, se não completamente afeito à situação, era ao menos o mais descontraído dos cinco, mas ainda me doía que não me seguissem. No começo, achei que fosse o entusiasmo, ou essa necessidade que aqueles que se encontram artificialmente em uma determinada posição têm de legitimar que ali estejam ainda que para isso tenham que agir de forma exagerada, muitas vezes forçando uma autoridade maior do que a daqueles que ali nasceram. Essa teoria me explicava o por quê de não recorrerem a mim, mas logo meu incômodo se tornou demasiado.
Não me ouviam (nem Gustavo, nem Laura!), não me incluíam nas conversas entre eles ou com estranhos, não me procuravam quando me desgarrava. Por três vezes fomos obrigados a parar e pedir informações e nas três vezes fui eu quem conseguiu as melhores respostas. Só por isso é que, em uma quarta ocasião, Alex virou-se para mim e perguntou se será que eu poderia ver isso com aquele grupo, porque por algum motivo eu me dou bem com essas pessoas, e foi então que eu fiquei realmente nervoso e falei girando no meio do grupo (porque falava para todos, e não apenas para Alex) que é óbvio que eles se dão melhor comigo porque eles são eu e tudo o que vocês procuram aqui sou eu e eu estou com vocês o tempo todo, mas eu não entendo por quê eu não sirvo.
Eu estava girando e também bêbado, e eu via todos eles, menos Alex e Joana que já não estavam lá (teriam ido perguntar, teriam...), eu via todos, Gustavo, eu via Laura do lado dele e eu no meio e eu via a forma como ela me olhava e foi então que eu entendi.
Depois, não sei bem. Acho que tive um branco, um apagão. Talvez eu só não me lembre. Lembro de Laura, depois. Gustavo foi comprar cerveja, eu acho, ou ao banheiro, ou talvez ele estivesse ali, mesmo, e eu é que não via. Eu falei para Laura que eu tinha entendido, eu falei que eu estou perdendo, não é, e ela disse que sim. Eu disse o jogo, não é, e ela disse que era. Depois eu vi Gustavo, ou então ele voltou. Depois a gente estava em casa, tanto faz. Quando eu cheguei eram quatro pessoas, depois dois casais viraram o mundo. E eu perdi.