Ela estava fazendo o melhor que podia, procurando tocá-lo. No ombro, no braço; ofereceu um almoço. Ele, quieto, não sei, indiferente. Os dois vinham andando na rua lado a lado, ela meio debruçada sobre ele e forçando um sorriso, ele com os braços cruzados atrás e olhando as lojas enquanto passava, olhando os livros em exposição em uma banca, olhando um carro de modelo diferente.
Você devia comer, ela disse que disse, talvez um yakisoba que sei que gosta, e parou diante de um dos carrinhos que preparavam na hora o macarrão oriental, mas logo se apressou, porque ele continuou andando. Vai fazer bem para o seu humor. Não, disse ele, e o sol do meio do dia esquentava ambos debaixo das roupas sociais. Eu consigo ver isso enquanto imagino os dois entrando no metrô para atravessar a avenida por baixo e enquanto penso no que significa trabalhar com a pessoa que ama.
Cinco horas depois, conforme ela me contou, eles entravam no mesmo metrô, ou então no estacionamento, porque só agora me ocorre que não perguntei esse detalhe, e estavam de novo lado a lado e ela lhe disse que tinha uma surpresa para o jantar e ainda que ela não tenha querido me contar qual foi a resposta que teve, eu adivinhei que mais tarde, na cama, ela choraria pensando naquilo.
Meia margherita, meia portuguesa. Um vinho tinto chileno, um tocador de acordeon. Oje vita, oje vita mia... Minha Nápoles e Roma, minha Milão e eu equilibrando berinjelas sobre o pão italiano e ela sorrindo triste quando tudo caía às minhas mordidas. Por que eu?
Ela falava, eu só ouvia, que era muito mais fácil continuar amando do que perceber o momento exato em que tudo havia acabado, que era uma injustiça jogar a culpa nos ombros de quem tinha o maior fardo, e eu assentia enquanto rodava a taça na mão e via o rosto dela através do vidro. Porque, ela dizia, também taça-rodeando, todo mundo precisa de... de alguma coisa, sabe? Pra pisar em cima. Eu sabia, acho que eu sabia.
Eu olhava o vermelho cambaleante no copo que ela agora estendia quase acusador, enquanto jogava o cabelo para trás, uma mão passada na testa e um pouco de sardella no canto esquerdo dos lábios pintados. Devo indicar a ela?, talvez estender o guardanapo?, talvez ficar quieto enquanto ela fala? Ela mesma limpa, logo suja de novo. Eu tomo meu vinho e espero minha pizza e penso na minha noite.
Sempre é difícil jantar com pessoas com quem eu não estou acostumado, e ela era irritantemente passiva, embora fosse dela a iniciativa; irritantemente recatada e resolvida a falar de seu marido, embora fosse dela a mão tocando a minha. Ela tinha feito uma surpresa para ele no jantar, mas agora era pizza e agora era eu.
Quando saímos, a noite estava fria. Ela veio pra junto de mim, talvez para se esquentar, e estava mais alegre, então comentávamos rindo das pessoas que passavam com seus cabelos roxos e suas meias calças escandalosas, ou seus vestidos góticos. Subimos a escadaria que levava à rua de trás enquanto um casal gay se divertia, ambos vestidos como noivas e nós fomos a pé, mesmo, para um bar onde uma banda tocava MPB.
Lá eu tentei mudar de assunto, interesses, hobbies, filmes favoritos. Ela respondia e só. Por que porra, eu pensava, ela me chama pra ficar falando do casamento frustrado? Depois de tanto tempo nos limitando a uns ois e boa noites ou a dividir os aparelhos da academia, por que ela me chamaria para sair se não quisesse mais do que lamentar a indiferença do marido? Ela se inclinava para mim, tocava meu braço e olhava nos meus olhos, mas quanto mais ela tentava se aproximar, mais longe dava para ver que ela estava. Pedi outra Original.
Eu nunca o trairia, ela me disse enquanto acenava para o garçom, pedindo mais uma sakerinha. É só que eu o amo demais. Ela parecia desconfortável ali no balcão, mas insistiu em não querer procurar uma mesa.
Agora, mais algumas horas haviam se passado e estávamos em uma boate e ela continuava falando do casamento, mas parecia completamente bêbada. Ela estava linda demais, e eu rodava meu copo vazio, brindando sozinho e em silêncio. Keep still, wait, until... Ela se virou e pôs um dedo na minha boca, eu sentia cheiro de morango e gosto de laranja, eu sentia a música ruim e a vodka, eu tenho certeza de que não teria feito nada se ela não tivesse me olhado chorando e se seu cabelo não fosse tão liso ao toque enquanto eu dizia que não, não, que ia ficar tudo bem.
Tunts tunts, a música batia e ela também, no meio dos meus braços e com o rosto no meu peito. Eu estava perdido no meio da noite, ciente demais das outras pessoas me olhando, ciente demais das lágrimas na minha camisa Armani, ciente demais da pouca importância que eu dava para tudo aquilo enquanto dizia que não era culpa dela, que ele era o culpado, e eu não percebia que quanto mais eu falava isso, mais ela chorava e se espremia contra mim. A sakerinha demorou muito mais do que devia, mas o álcool enfim veio como uma bem vinda fuga de suas complicações conjugais, e eu aproveitei o momento para puxá-la do balcão para a pista de dança.
O resto do tempo que passamos lá foram mais duas sakerinhas e três hi-fis. Ela pagou a parte dela, mas eu segurei a porta aberta enquanto saíamos para a noite, e quando eu pagava o manobrista, pensei que depois daquele abraço molhado, eu não teria como deixá-la ir.
A gente correu na chuva até o carro, rindo, e quando paramos num farol eu pensei que nada daquilo fazia muito sentido, nem eu nem ela nem o vermelho refletido no asfalto, e me lembro de ter cantado junto a música que ela escolheu no rádio. Minha Londres das neblinas finas...
O limpador do para-brisa rodava à toda, as luzes da avenida e dos prédios pareciam um sonho esquisito. Sempre gostei de dirigir de madrugada, de ver as ruas enfim vazias, e de repente tive a ideia de parar num Pão de Açúcar para tomar uma sopa com outras tantas pessoas, tantos cúmplices quando nos beijamos. Eram três e tanto da madrugada daquela quarta-feira e eu ainda sentia gosto de laranja e morango, por cima do caldo de feijão.
Nós, saindo do supermercado entrelaçados, e de novo no carro e depois indo para um motel. Enquanto ela escorregava a calcinha para o meio da canela, enquanto ela descia dos saltos altos e tirava o vestido preto ou enquanto me abraçava e me beijava, eu não reparei no momento em que ela fez a ligação. Quando prontos, porém, ela apertou o botão vermelho do celular e logo depois o aparelho começou a tocar. Eu ouvia gritos do outro lado e via ela chorando em silêncio. Ela tinha o rosto vermelho e encharcado, mas sorriu para mim e me agradeceu quando saiu sozinha do quarto, e aquela foi a última vez em que eu a vi.