20090209

ensolarado (a bondade do mundo)

Giravam. Bailavam as gaivotas, como eles. crianças, desenhavam formas improváveis no céu, adivinhando nuvens. Da pedra, pés fincados, desta vez como espectador. Um dia de sol como aquele.

Surgia o rosto, impreciso, mas constante: a boca pequena mas bem marcada por covinhas dos dois lados, os olhos claros, aqueles que pregados nos cantos lhe davam um ar mais misterioso, e um cabelo loiro-castanho-quase-liso, normalmente despenteado. A menina girava. Na imagem, porém, com o sol de frente, suas feições quase se apagavam. Não só isso, o movimento a distorcia, como se ela passasse, e, de repente, não estivesse mais. O que ficava fixo? Ficava o sorriso, presente em todos os momentos em que abriu os olhos e venceu o medo dela soltar a mão. Sorriso-borrão-branco, mas constante, sempre, ainda agora, com as gaivotas, alegria da brincadeira de menina, liberdade longínqua.

Se lembrava como correndo, faceira, lhe escondeu os olhos, e levou-lhe até um canto escuro, nas escadas de serviço. Ali, tirou as mãos, o beijou e saiu correndo. Ele, atordoado, deu voltas atrás a procurando, mas não a achou, se perdendo por ela. Desde então, nenhuma lembrança intacta (porta-retratos).

Saia rodada, a menina rodava. Se lembrava que era um domingo, que fora puxado por ela, e, mesmo rejeitando, se deixou levar até os giros no pátio que terminaram com ela tonta, caindo sobre ele, beijando-o (rapidamente), deixando-se ficar olhando o céu, até esquecer a tonteira e sair correndo para outro canto. Entendeu: Ela, congelada-em-movimento, não era exatamente o que ele pretendia, não podia ser. Não eram os borrões do sol que a marcavam, mas a lembrança. Ela era idéia: a memória pinta a vida em tons pastéis, impressionistas.

Sua cabeça rodava: Surgia o questionamento,: o que era, afinal, aquela menina? Fração de alguma bondade perdida? A menina girava,girava dentro de sua cabeça, com o mesmo sorriso repetido, sempre no mesmo lugar, e naquele lugar onde ela estivera um segundo antes ele procurava o vazio que lhe faltava. Afinal, a menina, sorriso no rosto, escapava a si, girando a toa pela alegria do mundo? Ou, extinguindo o nada, marcava seu papel buscando significados pouco convencionais? Estático, a hipótese se abriu, e a liberdade pareceu atravessar sem ser vista, mas ele olhava de canto de olho.

A gaivota que viu naquele momento, asas de cristal, deu um giro, e bailou entre o mar e o céu, sonsa do que era o que. Talvez não fosse culpa dela, mas das cores que se confundiam, inexistindo o horizonte a sua volta. Já ele não, ele consciente, preso na pedra, vendo á sua frente os seres brincarem na amplitude.

Já em si, viu as gaivotas se aproximarem mais da onde estava. Seria algum cardume de peixes que passava por ali, provavelmente? Não, Era hora de se lançar a frente, e desta vez por espontânea vontade. Enquanto os giros, a imagem da menina ia se desfigurando: Se desfizeram olhos, suas formas infantis: mudava, quanto mais rápido. E a mesma imagem, a menina estampada em luz, o sorriso. Ela, girando. Ele sequer sentia seus pés, e nem tinha medo de soltar as mãos, já de olhos abertos. Á sua frente, o fundo azul, o tempo que passava borrado e o mesmo sorriso. Entendia: estava solto, ela a seu lado, amor,, o baile, mãos na cintura, nada em volta. mais rápido, e o pátio e o rosto: um borrão, ensolarado. as mãos não tão firmes, o sorriso convertido em luz, jogados na amplitude, giravam como as gaivotas: decresceu: bondade do mundo não existir.

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