o último filme a ser feito no mundo deveria ser uma
compilação de todas as citações – feitas em filme, é claro – a respeito da
morte do cinema.
acho que, se resolvêssemos matá-lo agora, já teríamos
material suficiente para uma coletânea considerável de hipóteses, declarações,
preconizações, anúncios, apontamentos, exigências e etc. de como poderia ser
feito. mas digamos que alguém decida esperar mais um pouco. daqui a alguns anos
ou décadas, quando o cinema se converter realmente
em “arte” (de museu). ou melhor: quando não se produzirem mais filmes. não
imagens, mas filmes.
quando não parecer mais possível que alguém se declare um realizador cinematográfico – ou mesmo
que tenha com o cinema alguma relação que não a de arquivista ou espectador -
alguma alma esforçada e nostálgica poderá se debruçar sobre tudo aquilo e
começar os trabalhos do derradeiro filme.
e, no entanto, um processo e tanto se iniciaria.
uma vez compiladas todas as mortes anunciadas, este único
trabalho do último realizador cinematográfico estaria pronto.
e ele o assistiria do começo ao fim. “está lá!”, diria, e se
prepararia para encerrar o cinema de uma vez por todas.
e pode ser que tudo se passasse dessa maneira: pronto, e
fim.
mas pode ser que lhe ocorresse: não seria este último
trabalho, justamente, um filme sobre a morte do cinema?
e o realizador perceberia que seria necessário acrescentar
mais essa obra ao rol de sentenças, na última posição, logo antes dos créditos.
mas, uma vez isso feito, seria preciso repetir a ação de
novo. e de novo. e de novo. e de novo. e de novo. e de novo. e de novo. nosso
realizador, já arrependido do desejo de botar um ponto final na história do
filme, não teria opção: continuaria a inserir seu penúltimo corte final em seu
último corte final, sucessivamente.
e daí que nosso filme sobre a morte do cinema seria, no fim
das contas, o maior filme do mundo: seria o único filme verdadeiramente
interminável.
o cinema não morre, cara
ResponderExcluir100 * de solidão
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