carolina é bilheteira do cine américa, um cinema pornô que fica na
avenida rio branco
tem vinte e um anos e é evangélica
vende os ingressos de cabeça baixa, não olha na cara de ninguém
pergunto que filme está passando, só pra provocar
ela aponta um cartaz na parede, levando ferro na caixinha oval
pergunto como está seu pai, bem
o velho teve um derrame, ficou com metade do corpo paralisado, a
família pensa que ela é auxiliar de escritório
se o pai soubesse a verdade, paralisava o outro lado
fica a tarde toda na bilheteria, frequenta o templo no Jardim Ângela,
onde mora
pergunto se hoje à noite vai ter culto, quase diz que sim, para e
pensa, diz que não
quando o pai ficou inválido ela decidiu trabalhar pra ajudar a família
veio pro centro da cidade achando que teria mais oportunidades
PRECISA-SE DE VENDEDOR(A)
nenhuma loja deu emprego
rabo de cabelo até a bunda, saia até o calcanhar, deixou a bíblia em
casa pra facilitar, mas não teve jeito
digo a ela que estarei esperando no habbib’s da avenida ipiranga, na
hora de sempre
PEGAMOS BILHETEIRO(A)
ela passou direto, parou, continuou a andar, voltou, desistiu na porta
do cinema, foi embora, parou, voltou e entrou
o gerente perguntou, tem certeza de que quer o emprego?
quase disse que sim, por pouco não disse que não, já ia dizendo mais ou
menos, afirmou quase gritando que sim
chego ao cinema, estranho aquela figura atrás do vidro, mas não digo
nada
compro meu ingresso e entro
encontro adele, um dos travestis que trabalham no cinema, pergunto da
garota no guichê
é crente, chega, não fala com ninguém, trabalha e se manda
quando vou perguntar o nome da garota, um cliente se aproxima de adele e
os dois vão pro banheiro
vejo um pouco do filme, resolvo ir até a bilheteria
tento puxar conversa, vai chover, silêncio, tá esfriando, cabeça baixa,
como você se chama?
canto um pouco da música carolina do chico, ela sorri
no dia seguinte vou mais fundo, pergunto da família, da religião, respostas
curtas
tem namorado? silêncio, cabeça baixa, não
quantos anos?
depois de uma semana fazendo visitas diárias ela já está confiando um
pouco em mim
convido pra comer umas esfíhas no habbib’s depois do expediente, diz
que não pode, que não quer, que não é permitido e que eu não a procure mais, depois
aceita
o garçom se aproxima com o cardápio, digo que estou aguardando uma
pessoa
passa muito da hora que ela costuma sair da bilheteria, o que será que
está acontecendo?
faz um mês que jantamos juntos, dois ou três dias por semana, nos
outros dias ela vai pro culto
só conversamos, até agora
hoje a convidarei pra ir até meu apartamento
mas ela está demorando muito
deve ter acontecido alguma coisa
vou até o cine américa, o bilheteiro da noite já está no seu lugar
o celular dela cai direto na caixa postal
peço pra falar com seu antônio, o gerente do cinema, pergunto por carolina
ele me olha com sua tradicional cara de bunda
diz que ela pediu demissão.
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