20111012

urgência - uma série de merda em nove capítulos

cap.1

sete mil dardos muito pequenos e cheios de veneno chegaram de uma só vez ao corpo do bravo Piripi Moana. cercado, sem ter mais o que fazer, ele soltou um grito e virou mosca no último segundo.

agora ele tem exatamente vinte e quatro horas para desvendar o Segredo do Universo e retomar sua forma humana.

cap.2

não demorou muito para Piripi Moana atravessar o mar até as terras prósperas de Yerevan. encontrou Roberto, a vespa, e logo lhe perguntou do Segredo do Universo.

"como vou saber? sou só uma vespa!"
mas se era homem, como virou vespa e como iria voltar a ser homem?
"ora, isso pouco me interessa. virei vespa porque quis e agora não preciso trabalhar nem usar roupas, vivo muito feliz como um inseto. mas se quiser mesmo saber, vá para o norte e pergunte ao Velho Hermetão - só que é bom se apressar! que logo logo ele sai pro almoço e só o diabo sabe quando volta."

nosso bravo guerreiro lambeu as duas patas da frente e as esfregou nos seus olhos imensos, pensativo por um instante. mas não havia tempo para pensamentos em sua cabeça de mosca.
aproveitando uma lufada de vento, alçou vôo e seguiu viagem.

cap.3

nadando no vento fortuito, o corajoso Piripi Moana pôde enfim relaxar e deixar sua mente flutuar pelos prazeres de ser mosca.

como era vasto e lindo o mundo que o cercava! cada detalhe passou a brilhar com nova luz a seus olhos pluricompostos. deixava suas asas baterem 234 vezes por segundo e sentia cada golpe no ar como se fossem beijos das doces virgens de sua tribo natal. e que aromas misteriosos lhe invadiam as antenas, que prazer incomum o vibralançar de centenas de pêlos lhe propiciava, como era bom lamber as patas sem ter que pensar em lanças e dardos e desertos sem fim...

começava mesmo a pensar se não estava com a razão Roberto, a vespa; que Segredo do Universo o quê, tudo que há para ser vivido está bem aqui!

foi só quando chegou à praia que percebeu os perigos de tal filosofia.

cap.4

era um cocô imenso, perfumadíssimo, e muitas outras moscas estavam compartilhando seu calor com Piripi Moana. ele nem mesmo lembrava de como tinha chegado àquela montanha cor-de-chocolate; quando percebeu, já estava lá.

devagar, nosso herói foi percebendo como era estranho ficar entre suas colegas mosquiformes. sempre repetindo os mesmos mantras - algo como "wisusuzizi" ou "tch'clac tch'clac", ou ainda uma mistura incompreensível dos dois. não havia ninguém com quem conversar.

não sabia se por sua origem humana ou se por ser da natureza das moscas, mas Piripi Moana se sentiu ignorado pelas suas colegas de espécie. e ficou triste com isso.

depois ficou puto. muito puto.

"VÃO SE FODER SEUS PUTOS"foi o que ele gritou antes de levantar vôo e abandonar o bando. ninguém deu bola, mas tudo bem.

cap.5

desesperado, Piripi Moana deitou na areia e ali ficou. deixou o sol queimar, apagando todas as direções. estava pronto pra morrer; até fecharia os olhos, se tivesse pálpebras.

logo não seria diferente de uma uva passa, talvez fosse pisado por alguma criança e então seu corpo se desmancharia e viraria sabe-se lá o que as moscas viram quando morrem - poeira cósmica?

tais eram os últimos pensamentos do bravo Piripi Moana.

cap.6

a luz começou a tomar forma nos olhos do valente Piripi Moana. devagar sua consciência despertava e lhe dizia que seu corpo de mosca balançava gentilmente, carregado por algo maior que sua percepção de mundo. tremelicou as patas por um momento e perguntou quem era que lhe carregava, no que ouviu uma voz imensa:

"eu sou a tartaruga de mil anos...
e vou te levar ao teu Destino."

mas que era Destino? e era ele morto? o quão grande seria uma tartaruga de mil anos?
mas não conseguiu fazer soar nem uma palavra; tanto balançou e balançou que dormiu novamente.

cap.7

do lado de lá da tenda, Piripi Moana se afogou em Escuridão.
o sol já deve ter se posto, ele pensava. sentia a morte tragando seu exoesqueleto.

a vida tinha chegado ao fim, ele ia embora de vez - e não tinha se despedido de ninguém.
mas não tinha do que se arrepender.
claro, talvez tenha sido burrice virar mosca assim, sem pensar... mas que se pode fazer?

foi só então que escutou o ronco de uma Criatura Imensa.

cap.8

a Criatura Imensa, óbvio, não era outra senão o Velho Hermetão. ele roncava alto com as pernas pra cima e a camisa vermelha dobrada embaixo da cabeça.
Piripi Moana, num gesto de extrema bravura, fez vibrarem suas asas e chegou ao nariz do Velho.

ouça lá, que aqui cheguei! quero saber do Segredo do Universo e voltar à minha forma.
êh, acorde logo, seu velho fedorento!

mas de nada adiantavam os gritinhos de mosca de Piripi Moana. ele caminhou por toda a cara do Velho Hermetão, zunindo as asas e estapeando cada porção de carne: da ponta do nariz aos olhos, às orelhas cabeludas, de volta às narinas, aos lábios e entrelábios.

velho maldito, por que não acorda nunca?? se tivesse ainda minha lança e meu anzol, veria só o estrago que lhe faria nas tripas! - era o que gritava nosso herói, quase chorando as mais misteriosas lágrimas de mosca que o mundo já vira.

foi quando, com um solavanco de sono perturbado, o Velho Hermetão virou-se de lado e puxou um longo ronco, engolindo Piripi Moana num só golpe de vento.

cap.9

dentro do Bucho Infinito do Velho Hermetão, nosso incansável herói encontrou a Chave Misteriosa. em posse dela, Piripi Moana pôde abrir o Útero do Mundo e lá sentou-se por três Dias Eternos, em busca da Escuridão Total. foi então que ele escutou, num Suspiro Ímpar, o tão buscado Segredo do Universo.

e era tão óbvio!

ele abriu os olhos e vibrou de alegria. era homem novamente!
com pernas e pénis e pele coberta pelas Tatuagens da Guerra, tudo no devido lugar, oh bênção magnífica!

no mesmo instante, sentiu sua pele ser perfurada por sete mil dardos envenenados.
seu sangue ferveu e sua carne virou geléia.
- Piripi Moana não deu um só grito.

FIM

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