20111027

Anita, que riu quarenta e oito horas sem parar

Anita riu por quarenta e oito horas sem parar, sua barriga valvulou-se com uma irmandade de ar que lhe ofegava, e as vezes engasgava, mal lembra já o porque do formigante eflúvio, Anita rechonchuda e vermelhosa, por horas é um grunhido de hiena, um halito de gagueira, e ela não sabe como parar, quem há de ouvir no seu riso um espectro de choro desesperado? Alguém há de.
Anita riu por quarenta e oito horas sem parar, disse o relatório, disse o repórter microfonado, micro-hipnótico, falacioso. No boletim constavam 48 horas e 2 minutos, mas resolveram abreviar, em prol da pouca paciência do promotor.
Ela pensou, que havia um grande órgão por debaixo da calça dele, conseguiu visualizar as veias, e o pulso. Anita ficou vermelha e gargalhou. Gar-ga-lhou, como um gar-ga-re-jo pra fora, através da gar-gan-ta. Anita pensou em coelhinhos cagados. O prédio era austero e cinza, esverdeado, e a TV pequena e chiada, o sofá era verde, musgo, chuvoso, o prédio tinha só cinco andares, o sindico era um velho cliché, do qual já se formava um ciborgue de cadeira estofada e botão de abrir o portão. Já faziam parte do seu corpo algo como “bom dia” e “seu cachorro fez barulho”, seguido de “boa noite”, Anita achava que coelhos eram criaturas bizarras, tinha um, mas quando estava longe dele imaginava que era rosa, e quanto voltava: decepção: branco.
Anita riu por quarenta e oito horas, foi encontrada pálida, com os músculos faciais tesos, e as mãos entre as pernas, acharam melhor não escrever “entre as pernas” na primeira pagina do jornal, e ocultaram deliberadamente tal conjectura amostral do ocorrido, disseram que o elemento: riu por quarenta e oito horas sem parar (e dois minutos).
“É um desrespeito contra a propriedade corporal, se viciar em gargalhar e se mostrar assim, incapaz de se controlar, eis pois um caso de súbito desvario, causado por alguma glândula, penso eu, localizada na parte do cérebro que interpreta o que é engraçado e o que não é”
Dr. Roberto ousou afirmar que as causas era meramente sociais.
O Falo, grande, mas como ele é jovem! Pensou Anita, eu já sou obesa e com certa idade, rosto de nenê, mas sou velha, nada mais desproporcional do que eu com um jovem de falo avantajado. Risos. “boa noite, aqui é o síndico, reclamaram de barulhos no seu apartamento, algo como risadas, isso procede ? HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAhuhuhuhuhuhuhuHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA.
“eu liguei e tentei avisar, tentei dizer, pra ela parar” disse o síndico ao relatório.
Imagine só, tamanho órgão me atiçando os poros, não sei imaginar, árco-iris, praça cheia, florezinhas, lençóis, cama-mesa-e-banho, de banho tomado, colônia masculina, pombas, o Falo, risos, os pelos no peito sobre um pulmão ofegante de tanto trabalhar, os gregos esculpiam homens nus, a estátua de Davi é o exemplo dos genes em profunda harmonia. O homem é a espécie racional por excelência, é também uma das únicas espécies que fazem sexo por prazer, sexo, coisa sem nexo, como um texto sem fluxo, eu mais nem sei se degenero ou se me decaio, flácida. Minha barriga dói, não há como parar, já diziam os espirituosos que rir é o melhor remédio pra alma. Mas dói. Eu sou só o riso, sou a silaba, o som, assim me torno outra coisa, onda sonora, depois de tanto me ouvir sou só movimento, só contração, corpo desencontrado, corpo desencontrado, ele tem a cabeça vermelha e o corpo rijo e comprido. A enguia engravidou a aurora, que nasceu borrada como um gozo via-láctico de esperma, e surgiu o mundo.
Anita foi encontrada com os músculos paralisados, depois de rir 48 horas sem parar, as causas do riso são desconhecidas, a polícia investiga o caso.

2 comentários: