20100127

Octeto via telefone, dum trocadeiro, Segunda Parte

Mandei Odete mesmo, encarregada da mais genérica “percussão” que se pudesse imaginar; Instalei a nona linha também (liguei logo para o Haroldo e contei que o aparelho telefônico ficaria em uma de suas estantes, e só ouvi um muxoxo) e dei uma festa de boas-vindas, convidando populares. Foi um encanto! Segue um dos diálogos que pude ouvir:

-Descobri que há uma espécie de forma própria de se transportar alguns artigos de arte, sabia? – era minha querida Renata quem falava.

- Bom, mas isso eu sempre soube. Só me pergunto como eles faziam, sei lá, pra abastecer um museu durante uma guerra. Já pensou? Será que se faziam exposições regulares?

-Não. Durante uma guerra, ninguém expõe nada – só a morte nos expõe.

Transformei isso em um gibi chamado “Museu dos Quepes Queimados”, sobre a divisão da Iugoslávia, mas ainda não mostrei para muitas pessoas. A idéia é que sejam cinco números: Sérvia, Bósnia, Herzegovina, Iugoslávia e Observador Externo: Portugal.

Mas o fato é que tanto Renata quanto Otávio quanto Tiê quanto Lila só falaram tudo isso depois da apresentação dos meus nove homens de Buenos Aires. Odete tocou o kazoo no momento certo e apaixonou a todos. Meu nome foi sondado para coordenador do novo museu, por isso menciono a conversa.

Dois dias antes da decisão do comitê de “urbanização” (pois não há um único espaço no vilarejo que eu, pelo menos, consideraria ‘urbano’), meu “noneto” ainda era assunto. Eu tossia mais do que nunca, pela razão óbvia de que Odete estava em Buenos Aires, e que eu sozinho não conseguia escovar tudo à minha volta. Chamei um médico.

-Sua garganta está em frangalhos. É bem provável que o senhor comece a tossir sangue ainda hoje, mas não se assuste, porque por enquanto ele não virá do pulmão. Seu problema é na “curvinha”, entre o nariz e a laringe, está entendendo? Contenha-se.

O diagnóstico me animou um pouco, e como pagamento fiz uma apresentação especial do noneto para o médico, que me disse gargalhando que adorava a inocência dos instrumentos não-eletrificados. Outro burro, pois ele os ouvia através de telefones. Apaguei, assim, possíveis fofocas que ele pudesse espalhar por aí a respeito de meu estado de saúde, ou pelo menos pensei ter apagado; meu erro acabou sendo benéfico:

Não mais do que duas horas depois da saída do médico, fui visitado por um casal de uns trinta anos que carregava pranchetas; as canetas estavam quase sem tinta e eram lindas, assim como os brincos que a mulher usava, iguais aos que eu dera uma vez à minha noiva. Eles entraram no momento exato em que eu enfrentava uma crise de tosse; contrariando as expectativas, eles até sorriam a cada golfada de sangue que jorrava no tapete. Disseram-me que eram fãs da produção musical, tanto essa quanto outras feitas bem antes, com as quais eu só podia ser relacionado por ter nascido no mesmo país em que foram executadas;

Cansei das adulações fáceis e mandei-os irem direto ao ponto: eram da Juventude Urbanística e adorariam fazer campanha para que meu nome fosse utilizado para o batismo da praça. Oras, pois e meu nome ainda não figurava entre as possibilidades?, eu perguntei, e eles pediram perdão pelo mal-entendido: eu era, sim, um dos favoritos de antemão, e eles só queriam dar uma “ajudinha extra”. Tratei-os a banho maria, como dizem, mas não arredei pé: meu fim estava próximo, um último lampejo de felicidade aqui, que tal, que tal?, e os comovi largamente. A praça parecia estar no papo.

E de fato estava, e no dia seguinte fui convocado a fazer uma, como dizem, “visita” ao comitê urbanístico para ser congratulado pela homenagem que receberia – uma espécie de homenagem pela homenagem futura – e fui abraçado por mais magricelas que qualquer outra pessoa em vida, garanto. Mas quedê a fanfarra?;

Ela de verdade? Não, mas as linhas e tudo mais, para uma espécie de gazebo, uma recreação! Não é por isso que fez a fama, e não é verdade que a morte prepara a vernisage? Pois que o instrumento integre a homenagem! Confiscaram os nove telefones e os espalharam geometricamente pela praça, que já estava pronta; colaram um retrato meu no centro e uma placa com o nome;

Obviamente, minha casa ficou muito mais silenciosa. E para piorar: sabendo que agora o “quartel-general” dos rapazes de azul seria a praça, a nova Odete, chamada Regina, transferiu para o gazebo recreativo os ternos azul-turquesa de reserva que eu mantinha nos armários; minha tosse passou, com o veludo indo embora.

Fui acusado de melodrama pelos dois jovens, que exigiam sangue e mais sangue e mais sangue, que não vinha nunca, não importando quantas visitas eles me fizessem; o médico que havia confirmado minha morte próxima caiu em desgraça, julgado exemplarmente como charlatão e subornável; e fofoqueiro. Não foi um final digno e tampouco orgasmático – o verdadeiro êxtase estava na primeira dança com os oito homens da fanfarra, que executavam tão perfeitamente certas canções que eu mesmo dancei e dançaria agora, mas tive que fugir como indigente depois que Haroldo apareceu em minha casa para reaver as estantes e eu, com a puta que me pariu, tentei impedi-lo e fiz uma delas cair em sua cabeça sem querer. Só tive tempo de recuperar o quinto volume, Observador Externo: Portugal e me mandar de lá;

Vivo agora em Buenos Aires, dividindo o trocadero com Odete (que não coubera no de oito cabines em que estavam os rapazes, por razões óbvias) e aprendi a tocar xilofone.

INTERMISSÃO

Octeto via telefone, dum trocadero, Primeira Parte.

Cuidado ao entrar na cabine telefônica. Em Buenos Aires, é onde estão as verdadeiras, às quais eu me refiro, e que não são exatamente cabines telefônicas, sendo chamadas de, bem, na verdade não lembro e o que vem à cabeça é “trocadero”, uma óbvia confusão.

Escove direito as calças, Odete, pois o ar já está cheio demais sem os fiapinhos de veludo que podem ficar grudados aí e, bom, aí eles entram em casa e todo mundo tosse mais do que eu mesmo. Mas quedê a fanfarra?

E oito homens bem-apanhados, vestindo exuberantes ternos azul-turquesa, de veludo mesmo: com abotoadoras douradas, botões esmaltados e feitos de um material que parecia imitar prata barata, listras um pouco escuras, mais para o preto do que para o musgo; calças que devem ser confortáveis como as de um pijama, bem macias e alargadas sem que o tamanho causasse uma impressão de obesidade em nenhum dos rapazes (excetuando-se talvez um deles, já mais míope, que a colocou ao contrário, deixando transparecer uma ‘bolsa de pano’ em sua região púbica, extremamente desconcertante), e sobre os sapatos nada a declarar, a não ser o fato de que não combinavam com meias muito grossas, e eram pretos.

Os instrumentos foram tocados como se toca uma fanfarra, e os com palheta soavam como se ainda estivessem frios, a não ser por um saxofone umedecido e paposo, cujo dono não queria gastar com palhetas feitas de bambu que exploravam o trabalho de um chinesinho camponês em campos de semi-escravidão; as notas eram um pouco mais erráticas, em relação às alturas, descendo mais do que seria confortável, mas por outro lado os secos não possuíam qualquer timbre destacável e o som dos lábios e línguas naqueles palitinhos de sorvete era incômodo; a caixa estourou logo na segunda música obrigando-o a recorrer às palmas e sorrisos (para estimular mais palmas) para providenciar o pulso. E não obstante, antes mesmo da caixa estourar ou dos timbres serem ouvidos, eles entraram todos por uma única porta, que não era muito larga, então todo o conjunto havia se enfileirado meio acabrunhado e tentando gastar o mínimo de tempo possível na operação. O trombonista estava fatigado, porque casara-se no mesmo dia e ainda estava com o terno de noivo por baixo da roupa, completamente encharcado de suor e com os dedos sujos de tinta (era analfabeto e não pudera assinar a certidão de casamento), tateando para desespero do outro trombonista – pois o instrumento que o recém-casado tocaria havia sido emprestado por esse já civilmente estabelecido – as teclas de sua segunda melhor corneta, ou algo que o valha. Sujeira, sujeira, e ainda um terno apertado no senhor da tuba, não porque fosse gordo, mas porque houvesse goma; goma em demasia na camisa, e por conseqüência o terno não caía bem no tecido endurecido, que só amolecia na parte de trás do ombro esquerdo do homem, onde passava o, bem, chamarei, berrante do coiso.

E Odete nisso? Escovou a calça, mas o que é uma calça frente a oito ternos? Eu a fiz tossir, tossir de culpa e não me arrependi na hora, mas só porque a música era agradável, apesar dos pesares. Achei que ela também se divertia, mas tive que mandá-los parar, dada a gravidade do estado de saúde dela, e fui eu mesmo passar uma escova nos ternos.

Paguei as passagens rapidamente e os enviei à capital argentina, onde entraram no trocadero às minhas custas e ocuparam cada um uma das oito – fui ajudado pela Providência – cabines do local e esperaram a instalação das oito linhas telefônicas cá em casa, que rapidamente foram aprontadas e discaram os doze dígitos.

Estava funcionando: polifonia, octofonia, na verdade, via telefone, em uma sala circular.
Tirei as calças, depois de dispensar Odete. Ouvi as músicas com atenção. Cortei as ligações e fiquei contemplando o vilarejo à minha frente: quanta gente burra. Mas eu gosto de todas, e chamei uma rua por vez para ouvir minha fanfarra internacional via telefones. Aos poucos, fui ganhando o respeito até mesmo do consertador de estantes, Haroldo, que me visitou primeiro a título de convidado, depois como convidado-por-ele-mesmo e depois a fim de me prestar uma homenagem, dando-me de graça quatro estantes de uma madeira linda, que usei para colocar alguns livros e três dos oito telefones.

Não demorou para que percebesse que estava enganado ao qualificar de “gente burra” a população que me cercava: burro sou eu, pois eles são mais inteligentes do que parecem. Como ondas, logo me abandonaram também, acho que cansados da octofonia. Bem, em breve seria o batismo da nova praça e ao invés de seguir o conselho de um de meus verdadeiros amigos e “não me apoquentar”, quis investir no negócio. Queria, obviamente, que a praça levasse o meu nome. Nesse estágio, eu já tossia a cada minuto durante uns quinze segundos, o que me dava pouquíssimo tempo útil para negociações políticas. A maneira mais rápida e barata – não que manter um trocadero próprio em Buenos Aires estivesse me saindo uma pechincha – que encontrei foi revolucionar o gênero e acrescentar um nono integrante à fanfarra.

20100122

Bons dias

(nossa história se passa em uma taverna galesa, na bandeira um dragão, no nome uma baleia)




dia 1
Oh my, oh my
good morning, sweetpie!
Tell me:
do you love me more than yesterday?
Damn me, if I must say...
Howdy, hell! Am I to know?


dia 2
Hello, hello
good morning, or so so!
Tell me:
at what hate d'your love increase?
Dear me, take it easy...
How the hell am I to know?


dia 3
Right from the start
good morning, sweetheart
Tell me:
will you love me forever more?
Dear one that I adore...
How the hell am I to... no?

roxo (quase tudo)


Concurso

O que dá quando se mistura uma chaleira, ingressos para um xôu, protetor solar e um xaxim?

20100121

Ainda mais um guia: como criar novas línguas?

Nada é novo, infelizmente, de forma que, certamente, seu empreendimento será falho e caduco.

Comece tentando achar um bom som, de preferência aleatório, que seja representável por nosso alfabeto padrão ocidental (isso se você pretende que haja escrita nessa língua) (sua língua pode possuir uma relação inédita entre fonemas e sílabas escritas, certamente) (lembrando, enfim, que a criação de um novo alfabeto sempre é problemática). Esse som será a palavra-chave de sua língua. Experimentando aqui, cheguei na seguinte palavra-chave:

"ZIUZIEDHEN"
Lê-se, reservando diferenças sutis na pronúncia, aproximadamente, enfim, assim: "sui-ssí-djo".

Em posse de sua palavra-chave, deverá então partir para a gramática da língua. O que há de inovador em meu método: a gramática é definida simultaneamente ao dicionário, enfim, ao conjunto doutros verbetes. Atrevo-me a dizer que é uma abordagem semiológica das línguas e das linguagens.

Enfim, pegue sua palavra-chave e utilize-a como primeiro verbete do dicionário. Você fará assim, substituindo, obviamente, a palavra-exemplo "ZIUZIEDHEN" pela que houver escolhido (embora eu sugira fortemente que você a utilize em seus primeiros exercícios):

ZIUZIEDHEN : ZIUZIEDHEN

Perfeito.  Está pronto seu dicionário. Agora é a hora de definir o que sua palavra-chave significa em sua língua nativa, afinal, não sugerirei a você que é necessário pensar em uma língua (isto é: ter seus pensamentos pensados na língua), ou algo assim (me perdi um pouco, desculpas). Pegue outra folha ou documento digital e escreva, em caráter de título:

Dicionário ZIUZIEDHEN-PORTUGUÊS

Vá para a página seguinte e adicione o seguinte corpo de texto:

ZIUZIEDHEN :
s.m, s.f, s.m.f, v. adv. adj, conj., art., pron. etc.
unidade significante de absolutamente tudo e qualquer coisa, inclusive, mas não de forma exclusiva: tudo, nada, amor, morte, dor, tristeza, cansaço, dores no rim, um gato andando na areia, Parece que há um problema na nave, capitão!, nunca antes vi caramujos tão grandes..., Minha vida é um pulo de base-jump, sem paraquedas e sem chão, acho, enfim, algo do tipo, a língua ziuziedhen etc.

Se tudo for feito corretamente, está pronto todo o léxico de sua língua, a partir daqui chamada ZIUZIEDHEN. Resta, por fim, definir sua gramática.

1. Abra um novo documento/pegue mais uma folha de papel
2. Escreva:

ZIUZIEDHEN

Perfeito.

Sobre pretensões municipais

Tasso Fragoso, Inhambupe: foliáveis, obráveis. Desacompanháveis, cobrando gaiola torácica mostrar-se ritual soviético.

pós-coito

Acendi

um cigarro, acende

Quê?

Vem, vem, um cigarro,

blém, blém (um pigarro): ascendi

um si, garro.

(que sarro!)

Não, amor. É tarde.

Disparate. Diz: para ti,

que

pra mim é cedo, ainda, amor

pra mim é cedo. Atende?

Atendi.


20100118

Un homme n'âge à: la chanson, les cigarrettes et la sexualité humaine.

Uma linda menina assiste televisão e aprende coisas sobre cigarro, amor, masculinidade e cordas vocais.

20100111

Uma crônica terrível passada na sua pequena casa branca na África-do-Sul (em meados de agosto, talvez)

"Ek gaan na die klub op 'n Saterdag aand
Ek bestel n vodka maak my voel reg
Die plek is gepak
Dansende paartjies oral
Ek neem 'n stoel in die hoek en staar."

As coisas ficam engraçadas quando você para e pensa "oh, puxa vida, outro dia mesmo eu era jovem" e se lembra do que era aquela vida descompromissada no mais das vezes, com as farras ocasionais e o desejo latente de juntar aquela turma toda na outra semana, mas logo esquece disso tudo e olha para o relógio, preocupada com o que você vai inventar pro almoço hoje - já pensando em algo que passe bem a noite na geladeira, porque vai ser a marmita do seu amorzinho no trabalho amanhã.

Aí você põe uma música animada e se sente muito bem sentindo os dias passando e te deixando cada vez mais longe daquele tempo horrível de juventude vazia e sem rumo.

20100104

Allejo: uma história

Suíça na pista!

Um ótimo jogo de palavras!

Regra número um: repita o que a outra pessoa disse desvirtuando o sentido original.

Um ótimo jogo de palavras!

Regra número um: repita o que a outra pessoa disse desvirtuando o sentido original.

Um ótimo jogo de palavras:

"Nem consigo entendi"

Crônica de uns anos novos

“A Praia Grande, no reveiôm, não dá.”
Eu não sei quantas vezes tinha ouvido aquela frase, na vida, naquela viagem. Três horas, já, no carro e ainda nada do pedágio. A Imigrantes parecendo via de evacuação da cidade; os paulistanos com sede de mar. Depois, o viaduto Mário Covas, que nem é tão grande assim, ficou horas na nossa visão e nada de o alcançarmos. Eram duas da manhã quando saí de casa para evitar o grosso do trânsito, mas o sol chegou antes de eu chegar.
E ó que lá já tinham chegado meia São Paulo, a metade pior. Música alta, barulho, quase, saindo dos porta-malas tunados dos carros parados na avenida da praia, barulho vindo dos bares, dos churrascos, das pessoas. Gente feia, também, pra todo lado. Isso aí é a Praia Grande no fim dos anos, o fim dos tempos.
Aí o alvoroço do preparar das coisas, o que tinha que cozinhar cozinhando, o que tinha que gelar gelando. Tudo o que é o dia 31 de dezembro de todos os anos. Nesse dia, acho, nem deu praia, tão cheia tava. Deu mais foi a varanda de frente pra orla, no sexto andar daquele prédio. Lembro meu avô ali (foi o último ano novo com ele, aliás. Depois, só os anos velhos).
Daí que mesmo com o dia todo pra isso, sempre tem aquela correria, que senão não tem graça. Teve lentilha, uva de pé (só as sete primeiras), romã, sei lá, todas essas coisas indispensáveis. Teve roupa branca e nova e depois dos fogos todo mundo desceu e foi pular as sete ondas, porque senão o ano não começa bem. Teve vela em barquinho de papel e Iemanjá, eu sei, abençoou. Teve a gente saindo do mar de ré, que é pra nunca dar as costas pra ela.
E teve essa foto de agora, a última que tiramos e a última que tiraremos com a família toda ali, todo mundo rindo. E a certeza expressada pela minha mãe com a taça na mão de que não tem no mundo lugar melhor pra virar o ano do que a PG.

20100101

OUTRO POSTE!

só pra dizer que o ano começou!

Início!