É muito fácil determinar que oitenta
porcento (estou sendo modesto) das pessoas no Parque da Aclimação
pertencem a uma mesma classe social, oitenta porcento daqueles homens
sarados (eu não incluso) e daquelas mulheres gostosas poderiam se
encontrar ali e formar casais com gostos e hábitos absolutamente
homogêneos, imagino que o façam, e lá, ao contrário do que
ocorreria no Ibirapuera, seria possível dizer que quase todo mundo
mora ali por perto, o que é conveniente, e é até possível apontar
para alguém com 66% de certeza e determinar se a pessoa é ou não
vegetariana (o que significa que duas destas três: a menina pintando
o lago com aquarela, a senhora andando de sandália, o cara cuja
camisa estampa um mapa da devastação da mata atlântica) e se ela
gosta de rock (o cinquentão de camiseta preta) ou sertanejo (o cara
com pinta de rico e sua namorada loira). É tão fácil, na verdade,
que eu pensar em mim como estrangeiro...
Tenho vontade de fumar. Não cigarro,
porque o cigarro é do mal, mas um charuto seria legal, acho. Fumar
me lembra uma menina que diz que fuma porque quer viver pouco, não é
bem isso o que ela diz, é mais ou menos isso, e manifesta em tudo
seu autodestrutismo e ela é tão sozinha que é fácil eu me
sensibilizar, é fácil eu pensar nela e querer muito chorar.
Enquanto eu corro pelo Parque da Aclimação, eu, que nunca corri, e
agora corro, e o relógio no meu pulso apita meu coração batendo
cento e oitenta vezes por segundo, me parecem muitas vezes, isso,
cento e oitenta, eu que ando de bicicleta, que uso camisetas de times
de futebol e seleções estrangeiros e do Corinthians e da
Portuguesa, com shortinhos, eu que tenho uma calça colada dessas
para andar de bicicleta, eu que a uso, mas penso que um charuto seria
legal e penso que meu coração bate cento e oitenta vezes por
segundo enquanto eu corro e penso que quero correr uma maratona, mas
a primeira pessoa que correu uma maratona, a pessoa que criou a ideia
de uma maratona, ela morreu logo depois e eu queria fazer isso e
corro, cento e oitenta vezes, e eu penso em formas alternativas de
usar o tabaco (penso em vocês) e penso na menina e na forma como ela
fala da vida dela, ela parece feliz, mas se machuca e eu que também
sou feliz acho tão fácil pensar nela e ter vontade de chorar.
Eu acho lindas as outras pessoas, quem
pode culpá-las, elas estão correndo ou andando porque querem viver
mais e quem pode culpá-las, elas são ricas e moram ali perto e
podem a qualquer momento encontrar um parceiro ali mesmo no parque,
talvez seja também vegetariano (há 66% de chance de acertarmos) ou
goste também das coisas de que nós gostamos, e então poderemos
amá-los e viver para sempre, correr para sempre e talvez eu pense
para sempre que uma menina que também é rica (digamos), que também
poderia estar naquele parque, se morasse perto, que ela fuma para
morrer mais cedo, parece o contrário do que eu estou fazendo ali, a
cento e oitenta batimentos por segundo, mas é fácil pensar nisso e
querer chorar. É tão fácil, na verdade, que eu pensar em mim como
estrangeiro...
E olha que morrer correndo a maratona se pá é bem mais rápido...
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