20120528

Pinguim, 2

Um problema que eu tenho quando ando de ônibus é escolher o lugar para sentar quando não há mais nenhum banco inteiro livre (isto é: sem ninguém nos dois lugares), mas muitos bancos com um dos assentos livre, de forma que eu preciso escolher uma das pessoas do ônibus e agraciá-la com minhas companhia, levantando todo tipo de perguntas quanto a por que eu teria sentado justamente ali e não ao lado de qualquer outra pessoa. Para minimizar esse tipo de situação, um método que eu costumo adotar é o de ir diretamente a um banco qualquer e me sentar o mais rápido possível dando um ar casual à escolha. Então, quando eu parei hoje antes da catraca, à cata do meu bilhete único, e vi que todos, isso mesmo, todos os bancos estavam ocupados por apenas uma pessoa, já comecei a por em prática meu plano. De canto de olho, enquanto passava o cartão no leitor, identifiquei que logo o primeiro banco possuía vaga. Vários pensamentos se me passaram pela cabeça:
"O primeiro assento é preferencial. Mas o ônibus está semivazio. Se chegar alguém, eu levanto. Se não sentar no primeiro assento, vai parecer que fiquei escolhendo. Tem que ser o primeiro assento. Mas ele é preferencial. Mas não tem ninguém de pé. Se chegar, eu levanto."
Nisso, já ia me sentando, rápido como um bólido, sem nem olhar para o que fazia. Apenas me atirei ao lado da menina do primeiro banco e foi então que eu notei que havia alguma coisa errada.
O que havia de errado é que aquele era um assento preferencial, estúpido. A menina não estava lá por desfeita, mas porque era usuária preferencial. Ela era obesa e ocupava três quartos do banco. E eu pulei lá sem ver direito e me sentei no quarto restante e fiquei comprimido contra o braço da cadeira, com uma banda se pendurando vacilante para fora do acolchoado e sem poder respirar muito profundamente.
Aí eu tinha um dilema: levantar agora seria pior do que ter escolhido o assento antes. Seria um ato deliberado de discriminação, algo como dizer: "eew, não quero sentar do seu lado porque você é gorda".
Por outro lado, ficar lá gerava um incômodo óbvio para nós dois e absolutamente ridículo, já que havia pelo menos dez outros assentos livres ônibus afora. Era óbvio que o que a moça mais queria era que eu saísse dali e fosse sentar em outro lugar, mas ela nunca diria isso, e era óbvio que eu também não via a hora de pular dali, mas também não o faria.
Estava trânsito. Eu joguei a cabeça pra trás, tentei dormir. Não conseguindo, fingi que dormia. Estava ridículo. Tentei ler, mas era difícil, porque eu estava torto e tinha que ficar me segurando com as pernas. Tentei olhar pela janela casualmente, mas isso era ainda pior, porque aí eu tinha que semi olhar pra ela e encarar a realidade: eu sou um escroto.
Aguentei aquilo por um bom tempo. Saímos da USP congestionada, paramos em alguns faróis e eu ali: roubando espaço da coitada, como um marginal que não apenas ignora a plaquinha que indica o assento reservado, mas também o faz sem nenhum propósito, já que abundavam os lugares onde abundar-se. Pegamos a Vital e algumas pessoas já me olhavam de soslaio.
Eu tinha que fazer alguma coisa. A cada minuto, mais ridícula a coisa ficava, e mais injustificável seria eu simplesmente levantar e sentar em outro lugar. De repente, fiz a única coisa que me restava: fingi surpresa, bati na testa e disse: "Eitaporra!"

Levantei correndo e, sem olhar para trás, saí do ônibus a dez quilômetros do meu ponto.

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