20120327
20120325
Aniversário de 101 anos da minha bisavó
Hoje eu tava no aniversário da minha bisavó, e tinha uma mulher lá com o filho. Minha vó (filha da bisa) cria galinhas, e a mãe tava perguntando pro filho "Cadê cocó? Cadê cocó? Cocó tá lá embaixo!"
20120324
20120323
20120319
20120317
20120314
Desenho na carteira
Dedos, 6
Na manhã do Confrontamento, nem
fiz caso do envelope sobre meu teclado. Empurrei-o de lado, liguei o computador
e iniciei uma partida de Paciência Spider, enquanto esperava que minha colega
chegasse.
Olhava o relógio compulsivamente.
Nove horas, ela não havia chegado. Dez horas e nada. Onze. Ao meio dia, fiquei
em dúvida se saía para o almoço ou não. Esperei mais um pouco, mas,
aparentemente, a questão dos indicadores não bastava para me tirar o apetite.
Bloqueei o computador, desci o elevador, saí o prédio. Não havia dado três
passos do lado de fora e ela se chegou a mim: a senti antes de a ver, vinda de
trás, me puxando o colarinho e sussurrando ao meu ouvido: “Por aqui.”
Fui com ela, algo no seu senso de
urgência me impedindo de puxá-la, pará-la, questioná-la. Por algum motivo,
preferi ficar quieto. Ela virou à esquerda uma, duas vezes, depois à direita, e
eu a seguindo até que entramos em um prédio. Ela chamou o elevador e eu não disse
nada. Subimos.
O prédio era residencial. Quatro
apartamentos por andar e ela me levou para um específico. Acho que era o
apartamento dela. Havia três crianças, lá dentro, uma vendo televisão, as
outras duas discutindo para ver qual delas teria o direito de brincar com um
boneco qualquer. Num canto da sala, havia um computador e dava para ver a
janelinha do MSN piscando, piscando, sem resposta.
De repente, levei um susto, corri
para perto das crianças e peguei-lhes as mãos. Não faltava nenhum dedo, ufa.
Minha colega soltou um risinho, mas não havia muita alegria nele. Era um riso
cansado.
“Achei que eu pudesse te ajudar”,
ela disse.
“Me ajudar?”
“Com os dedos.”
Eu não queria ajuda nenhuma, muito
menos se essa ajuda assumisse a forma de indicadores humanos cortados fora e colocados
sobre minha mesa em envelopes pardos. Já não entendia o que eu esperava ao
acompanhá-la até lá. Que tipo de respostas eu achava que encontraria. Era só um
apartamento, uma família, alguém impaciente no MSN. Senti raiva dela, de mim,
das crianças. Lembrei que estava com fome. Fui embora.
***
No dia seguinte, cheguei tarde e
ela não estava no escritório. “Tanto melhor”, pensei. Sobre a minha mesa, havia
um envelope, que eu abri com descaso. Era um contrato de um cliente.
20120313
Dedos, 5 - Apêndice
Eu estava em um mercado, ou talvez fosse uma loja de CDs ---
provavelmente um mercado, porque eu não compro mais música. Em minha mão
esquerda, eu segurava uma sacola (com legumes, talvez?) enquanto
esperava na fila do caixa. Uma senhora impossivelmente velha se
aproximou de mim devagar, levantou um pouco a cabeça e me perguntou onde
ficava qualquer coisa. Não me lembro o quê. Ela tinha uma bengala. Eu
sabia onde ficava.
“Ali”, disse.
“Onde?”
“Ali”, repeti. Eu estava apontando claramente para onde ela devia ir, mas ela pareceu confusa. Não sabia para onde ir. Eu olhei na direção indicada, impaciente, e então me enchi de horror e ânsia, meu estômago se contraindo e minha pressão caída.
Meu indicador não estava lá. Havia apenas a minha mão, débil e inútil, estúpida, uma mão em que faltava um dedo --- justamente aquele que deveria indicar a localização dos CDs do Erasmo.
A velhinha se irritou, foi embora, perguntou a outro. Eu não servia mais para dar indicações. As outras pessoas da fila também se afastaram: algumas com repulsa, outras rindo. Apontavam para mim e me humilhavam não apenas com as gargalhadas, mas, principalmente, com o dedo em riste. Saí da loja correndo, deixei minha sacola para trás.
Acordei suado e olhei instintivamente para minhas mãos. O dedo estava lá, mas eu precisava urgentemente falar com minha colega.
“Ali”, disse.
“Onde?”
“Ali”, repeti. Eu estava apontando claramente para onde ela devia ir, mas ela pareceu confusa. Não sabia para onde ir. Eu olhei na direção indicada, impaciente, e então me enchi de horror e ânsia, meu estômago se contraindo e minha pressão caída.
Meu indicador não estava lá. Havia apenas a minha mão, débil e inútil, estúpida, uma mão em que faltava um dedo --- justamente aquele que deveria indicar a localização dos CDs do Erasmo.
A velhinha se irritou, foi embora, perguntou a outro. Eu não servia mais para dar indicações. As outras pessoas da fila também se afastaram: algumas com repulsa, outras rindo. Apontavam para mim e me humilhavam não apenas com as gargalhadas, mas, principalmente, com o dedo em riste. Saí da loja correndo, deixei minha sacola para trás.
Acordei suado e olhei instintivamente para minhas mãos. O dedo estava lá, mas eu precisava urgentemente falar com minha colega.
20120312
Dedos, 5
Um outro mistério surgiu, nascido
diretamente de minhas tentativas de solucionar o anterior: como seria possível
que Leonardo Tostão, cujos dedos eram identificados, um após o outro, por minha
colega de trabalho, não tivesse o endereço ou o telefone disponíveis em lugar
algum? Seu nome não constava da lista telefônica, não trazia perfis em redes
sociais, não aparecia em buscas feitas no Google.
Se suas digitais eram
identificadas pelas análises que a garota, sabe-se lá como, realizava, então
algum registro de sua existência deveria existir em algum banco de dados. No
entanto, minhas buscas por ele eram todas inúteis. Por que com ela era
diferente? Como não poderia deixar de ser, após algum tempo minhas suspeitas recaíram-se
sobre esta colega, que teria grande facilidade em depositar envelopes sobre
minha mesa.
Tomado pelo desejo de desvendar o
quanto antes o caso, lancei-me sobre sua escrivaninha assim que tive a
oportunidade, quando, deixando o telefone, ela foi ao banheiro. Abri a gaveta.
Meu coração parou: só havia um envelope, lá.
De repente, as coisas começaram a
fazer sentido: a resistência em chamar a polícia, a naturalidade com que
recebia diariamente dedos indicadores, a forma como guardava sempre o envelope
em sua gaveta --- decerto para poder repetir a brincadeira, no dia seguinte.
Senti-me um tonto, por ter acreditado naquilo por tanto tempo. Quantos
indicadores mais eu precisaria receber para suspeitar que houvesse algo errado?
E contudo, não fui dominado pela
raiva ou por qualquer desejo de vingança. O que mais me preocupava eram
justamente os mistérios que continuavam sem resposta: de quem era o indicador?
Como minha colega o havia conseguido? Será que ela o arrancara? E, acima de
tudo: por que, de todas as pessoas, mandá-lo justamente a mim?
20120311
na verdade,
a verdade como fundamento estético;
a verdade como fundamento político;
a verdade como fundamento ético:
mentiras
a verdade como fundamento político;
a verdade como fundamento ético:
mentiras
20120309
Dedos, 4
Agora,
já não podia andar pelas ruas com tranqüilidade. Se alguém me estendia a mão em
cumprimento, eu imediatamente procurava pelos cotocos de dedos faltantes; se
uma senhora sinalizasse para parar um ônibus, se um jovem digitasse mensagens
ao celular, se uma criança brincasse enrolando elásticos à mão... Eu
imediatamente lhes contava os dedos, desesperado por encontrar finalmente
Leonardo Tostão
20120308
Dedos, 3
No terceiro dia, minha preocupação
aumentou. Dois dedos indicadores poderiam, é claro, pertencer à mesma pessoa
--- ao tal Léo, como as análises de minha colega haviam comprovado ---, mas
como explicar o envelope que, novamente, me esperava sobre a mesa pela manhã?
“Polidactilia”, explicou a voz de
minha vizinha de baia, que agora não falava ao telefone, podendo dedicar-se com
maior concentração ao MSN, o Facebook e os jogos de paciência.
20120307
Dedos, 2
No dia seguinte, mais um envelope
me aguardava sobre a mesa. Já pressentindo o que viria, decidi abri-lo
correndo, de uma vez, como quem arranca um curativo. E, lá dentro, encontrei
mais um dedo humano.
Minha colega, curiosa, observava a
tudo isso com atenção. “Outro?”, sussurrou, tapando o bocal do telefone.
Confirmei com um gesto da cabeça e ela rapidamente tomou o envelope com o dedo
de minhas mãos. Dando-me uma piscadela, guardou-o também na gaveta, de onde,
ainda, tirou um pequeno pedaço de papel.
“O que é isso?”, perguntei, mas já
via: era o resultado de uma análise das digitais do outro dedo, que ela
presumivelmente, sabe-se lá graças a quais contatos, havia realizado na noite
anterior. “Leonardo Tostão”, li. “Quem é esse?” Sem largar o telefone, ela
empurrou para minha mesa o envelope em que o dedo havia chegado. Sob remetente,
li o mesmo nome. “Alguém está me mandando o próprio dedo pelos Correios?”,
perguntei.
Ela confirmou. “Hoje, verifico se
este dedo é da mesma pessoa”, disse, afastando o telefone.
“E o que nós faremos?”
“Com o dedo?”
“Sei lá, com tudo isso. Falamos
com a polícia?”
“Não, por que falaríamos?”
“Porque estão nos mandando dedos
por correspondência!”
“E por que a polícia haveria de
querer saber sobre isso?”
“Porque é importante, acho.”
“Que nada. Você sabe quantas
pessoas recebem dedos em envelopes todos os dias? Se você ainda o tivesse
encontrado dentro de pão-de-queijo, seria outra coisa...”
“E se for um seqüestro?”
Ela riu de mim, com desdém. “Ora, não seja ridículo. O remetente é o
próprio Léo.”
“Léo?”
“É. Leonardo. Léo.”
“Bem, mas e daí que ele seja o
remetente?”
“ Como ele pode ter seqüestrado a
si mesmo?”
“Isso não quer dizer nada! Como
vamos saber se...”, mas ela me interrompeu: parecia que a pessoa do outro lado
da linha dizia qualquer coisa de importante. Resignado, fiquei em silêncio
enquanto ela guardava o dedo na mesma gaveta, junto com o resultado da análise.
20120306
Dedo, 1
A carta não vinha endereçada
exatamente a mim, mas ao "Departamento Jurídico". Como, porém, a
empresa era pequena e não se envolvia muito em litígios de um modo geral, as
duas coisas eram sinônimas, isto é: eu correspondia à íntegra de tal departamento.
Assim, embora meu nome não constasse no envelope, foi a mim que a carta foi
imediatamente encaminhada, assim que recebida na empresa e fui eu o primeiro a
abrir o envelope e perceber que alguma coisa muito estranha devia ter
acontecido, já que, em condições normais, eu nunca deveria ter recebido nada
parecido com aquilo.
Dentro do envelope não havia
nenhum recado para mim nem nenhum contrato que exigisse validação: havia um
dedo humano.
Evidentemente, eu consegui pensar
em algumas implicações jurídicas relacionadas ao fato de alguém me ter enviado
um dedo pelos Correios --- de imediato, me vieram à mente a lesão corporal
gravíssima e a violação das normas dos próprios Correios, que provavelmente não
permitem o transporte de partes humanas ---, mas ainda não entendia muito bem o
motivo daquilo ter sido enviado especificamente à minha mesa. Que eu me
lembrasse, nunca havia feito elogios ao dedo de ninguém e também nunca
demonstrei nenhuma inclinação à multilação ou ao canibalismo (embora Deus sabe
as coisas que ocasionalmente me passam pela cabeça).
Chamei a menina do meu lado, do setor
de atendimento ao cliente --- omito seu nome por medo de lhe trazer problemas.
Ela estava no telefone e digitava com muita força, para que a pessoa do outro
lado da linha ouvisse e achasse que ela estava efetivamente se esforçando para
encontrar as informações solicitadas, embora, na verdade, ela estivesse apenas
conversando pelo MSN com uma amiga. Mesmo assim, virou-se para mim inquisitiva
e fez com a cabeça um sinal para que eu falasse. Muito embora ela claramente
não estivesse prestando atenção ao cliente, fiquei um pouco intimidado pela
situação, de forma que apenas indiquei o envelope para ela. Com um levantar dos
ombros, ela me pediu mais informações.
"É um dedo", disse eu.
"O quê?", perguntou ela.
"Um dedo."
Ela ficou em silêncio por um tempo
e, após pensar um pouco, perguntou: "E de quem é?"
"Não sei."
"Por que não?"
"Porque não sei, apenas
recebi um dedo num envelope. Como ia saber?"
"Digitais."
"Boa sorte", disse e
entreguei o dedo para ela. Ela guardou o dedo em sua gaveta e retomou a
conversa com o cliente, justificando sua demora com uma estranha lentidão do
Sistema. Dei de ombros, satisfeito: havia resolvido meu problema e estava livre
do dedo.
20120301
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