20111031
homenagem ao dia
20111030
20111028
20111027
Anita, que riu quarenta e oito horas sem parar
Anita riu por quarenta e oito horas sem parar, sua barriga valvulou-se com uma irmandade de ar que lhe ofegava, e as vezes engasgava, mal lembra já o porque do formigante eflúvio, Anita rechonchuda e vermelhosa, por horas é um grunhido de hiena, um halito de gagueira, e ela não sabe como parar, quem há de ouvir no seu riso um espectro de choro desesperado? Alguém há de.
Anita riu por quarenta e oito horas sem parar, disse o relatório, disse o repórter microfonado, micro-hipnótico, falacioso. No boletim constavam 48 horas e 2 minutos, mas resolveram abreviar, em prol da pouca paciência do promotor.
Ela pensou, que havia um grande órgão por debaixo da calça dele, conseguiu visualizar as veias, e o pulso. Anita ficou vermelha e gargalhou. Gar-ga-lhou, como um gar-ga-re-jo pra fora, através da gar-gan-ta. Anita pensou em coelhinhos cagados. O prédio era austero e cinza, esverdeado, e a TV pequena e chiada, o sofá era verde, musgo, chuvoso, o prédio tinha só cinco andares, o sindico era um velho cliché, do qual já se formava um ciborgue de cadeira estofada e botão de abrir o portão. Já faziam parte do seu corpo algo como “bom dia” e “seu cachorro fez barulho”, seguido de “boa noite”, Anita achava que coelhos eram criaturas bizarras, tinha um, mas quando estava longe dele imaginava que era rosa, e quanto voltava: decepção: branco.
Anita riu por quarenta e oito horas, foi encontrada pálida, com os músculos faciais tesos, e as mãos entre as pernas, acharam melhor não escrever “entre as pernas” na primeira pagina do jornal, e ocultaram deliberadamente tal conjectura amostral do ocorrido, disseram que o elemento: riu por quarenta e oito horas sem parar (e dois minutos).
“É um desrespeito contra a propriedade corporal, se viciar em gargalhar e se mostrar assim, incapaz de se controlar, eis pois um caso de súbito desvario, causado por alguma glândula, penso eu, localizada na parte do cérebro que interpreta o que é engraçado e o que não é”
Dr. Roberto ousou afirmar que as causas era meramente sociais.
O Falo, grande, mas como ele é jovem! Pensou Anita, eu já sou obesa e com certa idade, rosto de nenê, mas sou velha, nada mais desproporcional do que eu com um jovem de falo avantajado. Risos. “boa noite, aqui é o síndico, reclamaram de barulhos no seu apartamento, algo como risadas, isso procede ? HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAhuhuhuhuhuhuhuHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA.
“eu liguei e tentei avisar, tentei dizer, pra ela parar” disse o síndico ao relatório.
Imagine só, tamanho órgão me atiçando os poros, não sei imaginar, árco-iris, praça cheia, florezinhas, lençóis, cama-mesa-e-banho, de banho tomado, colônia masculina, pombas, o Falo, risos, os pelos no peito sobre um pulmão ofegante de tanto trabalhar, os gregos esculpiam homens nus, a estátua de Davi é o exemplo dos genes em profunda harmonia. O homem é a espécie racional por excelência, é também uma das únicas espécies que fazem sexo por prazer, sexo, coisa sem nexo, como um texto sem fluxo, eu mais nem sei se degenero ou se me decaio, flácida. Minha barriga dói, não há como parar, já diziam os espirituosos que rir é o melhor remédio pra alma. Mas dói. Eu sou só o riso, sou a silaba, o som, assim me torno outra coisa, onda sonora, depois de tanto me ouvir sou só movimento, só contração, corpo desencontrado, corpo desencontrado, ele tem a cabeça vermelha e o corpo rijo e comprido. A enguia engravidou a aurora, que nasceu borrada como um gozo via-láctico de esperma, e surgiu o mundo.
Anita foi encontrada com os músculos paralisados, depois de rir 48 horas sem parar, as causas do riso são desconhecidas, a polícia investiga o caso.
20111026
Durante sua infância, Júlio notou um fenômeno metereológico até o momento inexplicado pela ciência mas que o perseguiu desde então: todos os seus bons desempenhos em avaliações eram precedidos por pequenas catástrofes climáticas, que envolveram ventanias mais ou menos controláveis e tempestades de verão, chegando ao Furacão Catarina, na data de divulgação de sua última nota antes da formatura em uma faculdade particular de Santa Catarina e culminando nas enchentes de 2008, ano em que concluiu seu mestrado em Comunicações. No campo profissional, sua sorte não era muito melhor e Júlio, já treinado para observar essas coincidências, rapidamente reparou que todas as bonificações, promoções e aumentos recebidos em seus dias como redator de uma revista de entretenimento corresponderam à morte de um grande ídolo ou de algum familiar — o que, em parte, explica sua atual atuação como free-lancer, bem como a ausência de um duplex, um labrador e um aquário em sua vida.
Sua maior sina, no entanto, são os assuntos do coração. Cada uma das mulheres que Júlio amou conseguiram, de alguma forma, machucar-lhe de uma forma que o fazia sentir-se destruído, torturado, assassinado.
Nada disso, porém, o desanima. "Vá lá que para cada passo à frente, dou também um para trás", diz. "Mas nunca parei de dançar".
20111025
20111023
20111018
20111015
20111012
urgência - uma série de merda em nove capítulos
e vou te levar ao teu Destino."
20111011
20111010
20111008
20111007
20111006
C.M.K.
Eu juro que me lembro de ter anotado a data do desenho com a data do dia em que eu fiz ele em vez de 30 de novembro de dois mil e onze. O da esquerda tá um pouco menos errado que o da direita. Os dois representam o quão hipecinética essa criatura é.
20111005
Há coisa mais bela nos filmes do que janelas falsas?
Sim, é evidente que há. Mas nem por isso deixa de causar um comichão em quem vê, duplamente.
Talvez exista algum bom filme que se passe todo num quarto cheio de quadros e lareiras rodopiantes que levam as pernocas lá longe. Talvez seja um filme muito cruel, sobre alguém que se vê preso pelo tesão de olhar por entre molduras. Talvez seja um filme ainda mais cruel se não tomar isso como metáfora, mas ter sua parte no real. Pois se não temos lareiras, certamente que temos quadros, ou ao menos desktops.
Queria saber explicar sem perdas aquele leve tapa por detrás da testa quando vi a cena do dono do teatro-bar, exibindo seu escritório minúsculo, mas revestido de tapetes e papéis e madeira de forma a dar valor à produção (tudo é pintado, mesmo que seja pra pintar com exatidão a não-pintura), e lá o dono abre uma janela aqui (pra ver o palco, bussiness going on) e uma outra janelinha acolá (pra ver a clientela no bar, bussiness going off), tudo aos olhos da loura selvagem. Não sei, não sei; acho que há uma tensão nessa coisa louraselvagem-janelasfalsas que chega de modo devastador (porque não avisa que vem, nem que vai). Talvez também seja o fato de que o que se vê como janela dentro, fora já é outra coisa, um quadro, talvez um alce, talvez até mesmo a cabeça de alguém. Como um portal maluco. O filme se chama Heller in pink tights, de 1960, George Cukor, fim de western.
Bem, a sensação se perdeu. O texto é impossível sem o subtexto. Seria o contrário também verdadeiro? Pois certamente que existem mais subtextos do que textos nesse mundo, e talvez aí que a literatura e as ciências percam do mundo (ou ganham do mundo).
Tanta coisa é preciso ser dita para uma questão que é muito simples, ainda que impossível de resolver:
–– o que há nessas janelas falsas? O que há nessas janelas falsas? O QUE HÁ NESSAS JANELAS FALSAS?
20111004
Fim: Justiça em dois atos
Vamos!, gritou Samuel.
Najibah ainda não havia se adequado inteiramente à recente adição de um toco de madeira a seu corpo, mas correu como se tivesse três pernas,ao invés de apenas uma (o que significa que não corria tão bem quanto alguém que tivesse apenas duas). Deslizando ao fazer curvas pelo corredor outrora retilínio, ela manteve-se o tempo todo ao lado de Samuel, mesmo quando as balas zuniam a centímetros de seus corpos. Só muito depois é que notariam que estavam de mãos dadas.
Muito depois, depois de terem notado que estavam de mãos dadas, e depois inclusive de terem desdado as mãos, Samuel e Najibah se encontraram enfim em segurança, diante de uma fogueira nas montanhas áridas norte-coreanas.
O que faremos agora?, perguntou Samuel, que comia marshmallows. Como espeto, ele usava uma lasca da perna de pau de Najibah.
Najibah girava em suas mãos a pequena estatueta, a Spirit of Ecstasy, que de alguma forma ela continuara a chutar mesmo enquanto corria desesperadamente dos tiros.
Vamos para casa.
A sua casa? Ou a minha? E neste caso, você quer dizer o avião ou o Brasil? Porque eu bem que gostaria de um clima tropical...
A minha casa.
Você se refere àquela que eu carbonizei com chumbo quente?
Sim. Não, não, me refiro a Brunei!
Na medida em que era possível não guardar rancores de alguém que havia incendiado sua cidade, assassinado seus conhecidos e parentes e causado a amputação de sua perna, Najibah não guardava rancores de Samuel. Não agora, após tanto tempo e quando sua presença quente era a única que a afastava do frio do inverno coreano...
Você vem comigo?, ela perguntou, escondendo a ansiedade de sua voz na mensagem de que ele agora possuía uma escolha.
Samuel comeu um marshmallow demoradamente, com o olhar perdido.
É claro, ele disse. É claro que eu vou.
Em 1998, era comum a visitantes encontrar o sultão Hassanal Bolkiah debruçado sobre um automóvel em sua luxuosa garagem. Agora, porém, ele não se debruçava para esfregar alguma imperfeição da lavagem ou para admirar seu próprio reflexo, mas para manter-se o mais longe possível da faca que Najibah lhe pressionava contra a garganta.
Kim Jong-Il gosta de cinema, ela disse.
Samuel concordou com a cabeça, de forma encorajadora, mas o sultão não parecia entender a importância de tal fato ou sua relação com a proximidade daquela lâmina.
Ele nunca mandaria Samuel voar da Índia para Peshawar, ela explicou, porque ele saberia que isso seria uma repetição da trama de Horizonte Perdido. Ele saberia que o avião haveria de cair.
Mesmo o avião não tendo caído, disse Samuel, prestativo.
B-bom para ele, balbuciou o sultão.
Você, por outro lado, não gosta de cinema, Najibah continuou. Por outro lado (nessa hora, ela sacou a estatueta de metal), gosta da Rolls Royce, não?
Chutando Hassanal para o lado, ela encaixou a estatueta no buraco em cima do capô do automóvel. De repente, Samuel entendeu tudo.
Isso tudo foi um plano do sultão!, ele bradou. Ele me contratou, passando-se por Kim Jong-Il e aproveitando-se da minha incapacidade crônica de diferenciar qualquer um que não seja caucasiano, para atacar vilarejos da região. A intenção era atrair a atenção da mídia para tais atrocidades, o que levaria milionários do mundo todo, inclusive o Bill Gates, a realizar generosas doações às vítimas. Hassanal Bolkiah, assim, consolidar-se-ia mais uma vez como o homem mais rico do mundo. Era o plano perfeito.
Dizendo isso, Samuel rapidamente tomou a faca de Najibah. Em um único golpe, arrancou a cabeça do sultão, abriu sua barriga, introduziu a cabeça lá e costurou tudo de novo.
Ele estendeu a mão para Najibah.
Vamos para casa, disse, puxando-a.
Como todo casal que se encontra em meio a uma perseguição repleta de assassinatos, Samuel e Najibah tiveram suas dúvidas e suas brigas, mas resolveram-nas com uma viagem à praia.
Em Ubatuba, ambos recostavam-se à sombra de um chapéu de sol, enquanto as costas ardiam na areia quente. Najibah inclinou-se para o lado, fitando por baixo do chapéu de abas largas o rosto de Samuel.
Era isso o que você queria?, perguntou.
Isso e nada mais.
Então, está pronto?
Samuel virou-se para ela, sério, e pegou-lhe as mãos.
Najibah, ele disse, eu estou pronto para dar-lhe meu amor irrestrito. Você é dona do meu coração.
Poucos jornais noticiaram o caso. O paradeiro de Najibah é desconhecido.
20111003
20111001
Judite, 13
1. Anoiteceu. Os oficiais apressaram-se em voltar aos seus aposentos. Vagao fechou as portas do quarto e foi-se.
2. Estavam todos embriagados pelo vinho.
3. Judite ficou só no seu quarto,
4. enquanto Holofernes repousava em seu leito, bêbedo a cair.
5. Judite havia dito à sua serva que ficasse fora, diante do quarto, vigiando.
6. De pé ao lado do leito, movendo em silêncio os lábios, ela orou com lágrimas a Deus, dizendo:
7. Senhor, Deus de Israel, dai-me força. Olhai agora o que vão fazer minhas mãos, a fim de que, segundo a vossa promessa, levanteis a vossa cidade de Jerusalém, e eu realize o que acreditei ser possível graças a vós.
8. Dizendo isto, aproximou-se da coluna que estava à cabeceira do leito e tomou a espada que ali estava pendurada;
9. desembainhou-a e, tomando os cabelos de Holofernes, disse: Senhor, dai-me força neste momento!
10. Feriu-o duas vezes na nuca e decepou-lhe a cabeça. Desprendeu em seguida o cortinado das colunas, e rolou por terra o corpo mutilado.
11. Feito isto, saiu e deu à sua serva a cabeça de Holofernes para que a metesse no saco.
12. Depois saíram ambas, como de costume, como se fossem para a oração. [...]