Vamos nos encontrar? Foi Rafael quem perguntou, podia ter sido qualquer um deles, porque todos queriam. Eram treze horas, o que significava que as reproduções da videoconferência se apagaram e Rafael se levantou da cama e foi até o único outro cômodo da casa, que era o hall de acesso à esteira, então ele subiu nela e foi sendo levado devagar para o Pátio Comum, todos esses verbos sonorizados por uma voz mecânica e insistente que dizia que Todos devem se dirigir para o Pátio.
Victor amava essa hora do dia, embora a maioria das pessoas a odiasse. Ele adorava sair do quarto e andar pela esteira e ficar imaginando (porque só imaginava) o que poderia haver por fora das paredes brancas que cercavam todo o percurso, e ele amava chegar ao Pátio e pensar, todas as vezes, que aquilo era a prova de toda a grandiosidade humana e que fossem quais fossem os pecados da humanidade ao longo de seus séculos de história, fossem quais fossem suas vergonhas, tudo tinha valido a pena se o resultado fora a construção de algo como o Pátio. Um prédio de proporções surreais, com um sem fim de quartos e salas e ambientes e andares, todos igualmente gigantescos. Existiam centenas de milhares de Pátios pelo mundo, e cada um deles podia acomodar, de uma só vez, todos os habitantes de uma pólis, ou seja, dez milhões de pessoas.
Victor adorava todas as vezes em que a esteira deixava o apertado corredor branco e sem janelas que ligava sua casa ao Pátio, e adorava mais ainda a perspectiva de, por uma hora, conviver fisicamente com outras pessoas.
Quando as últimas pessoas chegaram no prédio enorme, as luzes de fora se apagaram, indicando que começava o reboot de todos os sistemas, repetido uma vez por dia e deixando todas as casas escuras, com exceção do enorme átrio em que, por uma hora, toda a pólis se reunia. Victor pegou seu smartdex e ativou a tela do pequeno computador portátil com um toque dos dedos. Depois, iniciou a localização de Rafael e Beatriz, fazendo com que duas setas vermelhas aparecessem em meio ao mapa do Pátio Comum exibido no visor. Seguindo-as, ele conseguiu encontrar os novos colegas, que também usavam rastreadores similares.
Frente a frente, curiosamente, nunca era tão fácil como diante das imagens ampliadas na parede de um quarto. Cada um deles não tinha tido mais do que uma hora por dia de contato pessoal com outros seres humanos em seus vinte anos de vida, e mesmo nesses momentos, as conversas costumavam ser impessoais. Era como entrar em uma sala de bate-papo e não conhecer ninguém e ficar apenas fazendo perguntas genéricas, e quem é você, nome, idade, hobbies etc. Mas dessa vez eles tinham alguma coisa anterior, nem que fosse só alguns minutos de videoconferência e uma matrícula em um curso de História do Direito.
– Oi, disse Victor. Oi. Oi.
Um ínfimo de passado comum e era isso, não conseguiam sair dos ois e de uns tímidos o que achou da aula? e outros boa, ótima, como resposta. Quarenta e cinco minutos se passaram e nem valeram muito a pena, mas Victor descobriu que Rafael escolheu Direito porque era coisa de família, enquanto Beatriz o fez pelo dinheiro, mesmo, e Victor ficou com vergonha de dizer que se interessava pelo assunto. Quanto à aula, Beatriz falou da diferença que antigamente existia entre a realidade fática do ser e a ideal, a prevista na lei, do dever-ser. Victor e Rafael e ela riram-se e torceram para que no dia seguinte, na aula de Direito Privado, aprendessem algo útil de verdade.
E então mais outros tantos minutos se foram e eles tinham já que voltar e obviamente foi o que fizeram, subindo nas esteiras, vendo as luzes se reacendendo e, no caso de Victor, imaginando o que havia do lado de fora das paredes brancas iluminadas dos corredores, das casas e da Pólis. Na esteira, encontrou sua mãe e seu pai, cada um indo para seu gomo da grande colméia que é a cidade, e deu um alô rápido, conversando talvez por não mais do que cinco segundos e então estava em casa, com as paredes já iluminadas e as telas acesas.