20101225

Manhã de Natal

Fui dormir espremido entre uma crise de bronquite e uma barriga cheia demais de comes-e-bebes natalícios. Com a digestão comprometida pela falta de ar, meus amiguinhos tiveram que vir em meu auxílio, os sempre-nobres Beroteque e Atrovente. Caí no sono, enfim.
Fui abduzido por alienígenas que me transformaram em um desenho sem cores, congelado no desespero de olhar o mapa que me mostravam, dizendo onde estávamos, para onde estávamos indo (seu planeta) e de onde estávamos vindo (minha casa): o caminho que minha raça teria que percorrer para me resgatar, diziam. Enquanto isso, eles preenchiam minha cara com traços fortes de lápis-de-cor, laranja para a pele e azul nos vincos ao redor dos olhos para representar minha angústia (algo razoavelmente parecido, no fim das contas, com aquele álbum do Crimson King, só que um bocado mais rústico). Era impossível voltar, porque eu e minha raça não tínhamos a Compreensão: das coisas, dos lugares, do espaço. A Compreensão era só deles, prova disso era que nosso GoogleMaps ainda mostrava o território brasileiro como ele sempre fora, quando na realidade, no GoogleMaps DELES, Pernambuco estava preso em um oceano estranho ao lado de uma ilha cor-de-rosa - seu planeta (leur planète). Saí em busca de ajuda pela nave labiríntica, enquanto os alienígenas se riam de mim, de minha incapacidade congênita, meu desespero. Mas eu encontrei, filhosdasputas, eu encontrei!! Aquela garrafinha abaloada com o líquido que me traria a Compreensão! Esfreguei um pouco dele, como fosse uma colônia, na minha testa e na minha nuca. Fui, como se diz, Iluminado. Passei a Compreender, e dizia com grande propriedade, <<todas as coisas são todas as coisas, e todas as coisas não são coisa nenhuma!>>, enquanto eles, malditos despressurizados, me diziam para parar com aquele fingimento, aquela pseudo-iluminação de banca de jornal, aforismo patético, etc.etc., mas eu fui até o computador e VI, num fléche de luz e o mapa era um zoom infinito que ia e voltava e não seguia pra parte alguma, um aproximar e re-aproximar da pequena ilha cor-de-rosa mas cada vez de uma maneira diferente. Eu quebrei as regras, eu me livrei, eu tinha a Compreensão de que não significava nada eu estar aqui ou ali ou no fundo do espaço indo pruma ilha cor-de-rosa transformado em desenho, eu era e estava (i was) o que/onde/quando eu quisesse. E assim dei por mim com a garrafinha abaloada ensinando aos outros, amigos meus ou coisa assim, a como passar o líquido, como ter a Compreensão.
Acordei com a bexiga explodindo de tanto mijo e só me dei conta que já eram onze da manhã quando comecei a escrever aqui, nessa ilha cor-de-rosa.

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