Muitos animais, por mais perigosos que sejam, geram nas mais variadas pessoas uma certa simpatia. Os mamíferos, em particular — talvez por serem mais próximos dos seres-humanos, só que sem o inconveniente de poderem ser responsabilizados por seus atos de selvageria —, possuem um séquito tão fanático de seguidores que se uma família pobre do norte de algum país gelado não encontrar forma melhor de se sustentar que matando pequenos filhotes felpudos para arrancar-lhes a pele, é melhor que ela vá se habituando às pedras arremessadas.
Outros vertebrados, também privilegiados, talvez, pela proximidade evolutiva, costumam ser admirados em zoológicos, observados pela TV ou guardados como ornamentos, em aquários. Os filos mais afastados, porém, fomentam a antipatia de algumas pessoas, especialmente as do sexo feminino, que se sentem enjoadas pela mera observação de certos platelmintos ou nematelmintos, por exemplo.
Em particular, porém, os artrópodes parecem ter se especializado em ser odiados por essas pessoas. O grupo reúne aranhas e escorpiões, baratas e mariposas, centopéias e lacraias. São animais com um potencial enorme para gerar horror nos seres humanos, mas nenhum desses é tão preparado para nos incomodar quanto o pernilongo.
Eles sabem como atacar.
Entram pela janela aberta, escondem-se nas sombras e lá ficam, aguardando o momento mais adequado para saírem atrás de seu alimento. E eles se alimentam do terror a que submetem suas vítimas.
Há um entendimento mais ou menos generalizado de que os pernilongos se alimentam de sangue, mas o sangue que sugam não passa de uma desculpa para nos importunar. É só uma forma de fazer com que as pessoas se apavorem frente à presença desse minúsculo inimigo. A picada é apenas uma forma de o pernilongo ser lembrado por um tempo mais longo.
E tudo começa no verão, quando está quente demais para o uso de roupas que os mantenham afastados. Começa, também, à noite, quando as pessoas se sentam no sofá e começam a ler um livro à juz do abajour. A luz é o sinal. De repente, uma sombra cambaleante projeta-se na parede. O pavor é imediato. O inseto voa perto da lâmpada, gerando uma sombra monstruosamente grande que dança por um tempo — tempo suficiente para ser notada — e depois desaparece.
Quando o leitor interrompido decide averiguar o fato, nada encontra — os pernilongos são mestres em desaparecer. Pode-se seguir um com os olhos atentos até que, cedo ou tarde, ele fatalmente sumirá. Já preocupado, o leitor considera, enfim, que já é hora de ir dormir. É o primeiro erro.
É na cama que, com o perdão da brincadeira fácil, começa o pesadelo. Deitado, no escuro, o indivíduo ouve o familiar zunido. Não há nenhuma justificativa evolutiva que explique o zumbido do pernilongo. Quando se leva em conta que é um animal furtivo, que se aproxima sem ser percebido, o barulho parece ser somente um empecilho.
Porém, agora que sabemos que o pernilongo se alimenta de pavor, podemos desvendar a verdadeira razão para o famigerado som, um dos mais temidos do universo conhecido. Voltemos ao nosso personagem.
Estava ele, dissemos, deitado quando ouviu o som. Tentar acender as luzes para localizar a fera é inútil: o animal desapareceria imediatamente. De qualquer forma, matar um, dois, cem deles também não solucionaria o problema — sempre haverá outro.
A solução, portanto, é cobrir o corpo todo com o lençol. O calor atordoará o corpo, mas o desconforto da temperatura não se compara ao horror de dormir exposto ao inimigo. De qualquer forma, se a vítima, suada, decidir descobrir-se um tantinho que seja, logo um zunido oportunista far-se-á ouvir, jogando-a novamente para debaixo das cobertas.
Aqui, cabe mais um comentário sobre o zumbido dos pernilongos. Ele não é emitido por ondas sonoras, como se poderia supor. Trata-se de uma vibração no espaço-tempo propagando-se através de abalos dimensionais diretamente para dentro da mente da vítima. Agora, por exemplo, nosso personagem, além da coberta, pôs sobre a cabeça dois travesseiros, na tentativa de tampar os ouvidos, mas continua a ouvir os zumbidos.
E há muitos outros aspectos da engenhosidade destes insetos que merecem reflexão. Por exemplo, os animais, que surgem nas férias de verão, têm por conveniente habitat justamente as casas de praia e de campo. Apreciam, também, atacar regiões das costas impossíveis de serem coçadas ou voar daquele jeito inconstante que, embora menos eficiente como locomoção, dá às sombras projetadas um ar mais fantasmagórico e hipnótico.
Em sua cabana em meio ao exército, rodeado pelos mosquitos, porém, Marc não pensou em nada e limitou-se a se enfiar mais no saco de dormir, tapando os ouvidos com as mãos, inutilmente.
A superinteressante seria bem melhor com esse tipo de texto.
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