20091023

Do quiosque do Jurandir, I.

POTE DE CHÁ


Era tudo meio campestre e me irritava o tempo que demorava para ficar pronto. Mas que era bom à beça, era. O chá no calor escaldante, pingando na palma da minha mão direita, ficava quase translúcido mesmo depois de uns sete minutos de infusão, quer dizer, o saquinho ali mergulhado. Aí quando sentia que a minha palma esquerda também já estava suficientemente lavada, ia em direção à fulana qualquer e massageava suas pálpebras.



RÓTULA DO JOELHO


Claro que entrava bastante areia, mas era natural na situação em que me encontrava. Em geral, dava pra fazer com uns oito clientes; quatro, se fossem casais. Dos oito, sempre um desistia, pensando duas vezes, vendo que estava quente mesmo e que esperar sete minutos no calor desgraçado pra uma bebida ainda mais quente, enfim, “deixa pra próxima” e iam em direção aos sorvetes, os desgraçados. Se não tinha mais ninguém por perto, chute neles!



VISITA DO AUXILIAR


Uma vez um sujeito falou que era auxiliar taxonômico num prédio grandão lá, e que era preciso agir rápido e servir todo mundo antes que o homem com voz de aço inoxidável congelasse todo mundo enquanto recitava “Europa” do Ginsberg ou qualquer outro pernosticismo auto-adulante. Saquei a metáfora e mandei-o pastar, porque a graça mesmo só existiria se ele cantarolasse a música do "Homem Muito, Muito Solitário".



FÚ-FÚ-RÍ-FUE-HUMM


“Aux Champs-Elysée, pé-ré-pó-ré-ró-rum, aaaaux Champs-Elysée, fú-fú-rí-fué-humm”, ficou uns dois meses na minha cabeça até sair. Era horrível, porque eu não conseguia simplesmente não cantarolar o trompetezinho (acho que era trompete, mas sinto que na verdade deve ser saxofone) do refrão, e eu sei que eu devia parecia ridículo e provavelmente espantava alguns clientes.



RETORNO DA TAXONOMIA


O fulano do prédio grandão voltou, o tal auxiliar, uns três dias depois. Quer dizer, preparei lá uns dez copinhos pra ele. Se era suficiente ou não, sei lá, mas reclamar ele não reclamou, então ficou tudo bem. Só que essa vez ele foi amável e me convidou para conhecer as instalações. O movimento tava fraco, então eu fui, sim. Acho que era tudo cenográfico, devia ser só de fachada, mas em cada mesa do andar em que ele trabalhava tinha pelo menos um liquidificador, quando não dois. Eu esperava algum tipo de apresentação, “Aqui nós fazemos tal, ali, oh, sim, ali é meu lugar favorito”, mas ele ficou meio quieto, mas sem estar irritado, só sorrindo e meio que contemplando tudo. Ele deve ter esquecido que eu não trabalhava lá. Enfim, demos a volta no andar, eu falei que precisava voltar, ele pareceu voltar à realidade, disse um “Oh, sim, sim, vai lá!”, tapinha nas costas e eu voltei pro meu posto.



ESTE É UM LUGAR NOVO


Taí uma frase que tinha na dublagem de uma animação que eu via quando era pequeno, e volta e meia volta à minha cabeça, talvez ainda com mais freqüência que a música desgraçada. E até a entonação eu lembro, “Estié um lugar NOvo!” Enfim, não era um lugar novo, eram os mesmos bancos de madeira, mesmo guarda-sol, tudo exatamente igual. Mas por algum motivo a frase apareceu na minha cabeça.



UMA DAS COISAS QUE ME IRRITAM


É nhoque:




2 comentários:

  1. é ráro ver um artísta com a corágem de expôr tânto de sí numa óbra, e com tânta sinceridáde...
    fóra que as citações dão um tempêro tôdo especiál para êste sêu ammíshe querído!
    parabéns, docínho.

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  2. Drogas! Eu tinha refletido cá e não entrou.

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