20090525

DELÍRIOS DA CLASSE PODRE - feminismos de butick e piadas de descarga

O cinema nacional tem uma característica muito clara: ele é como que baseado no social, seja pelo lado bom ou pelo lado ruim. O lado bom da base social do nosso, digamos, "cinema nacional" (não acredito nessa 'unidade', que acho necessária para um país se constituir como uma nação que pode, talvez, definir um cinema próprio dela mesma e acho que o brasil não tem) é que ele espõe mazelas - os podres, por assim dizer - que os anos e anos de escravidão - voltando muito no tempo, mas o que me parece preciso nesses instantes - e exploração do povo trouxe, e geralmente, a tela do cinema vem como que um CARIMBO pra autenticar que essa mazela existe e deve ser sarada.

O lado ruim acho que está explícito: vende pelo mundo afora que somos um país subdesenvolvido, de terceiro mundo sub-saariano, uma republiqueta de bananas corrupta em que só os negrinhos do morro tem poder. Um erro grave, ao meu modo do ver. Nósso país não é isso, está longe de ser só isso, São Paulo é uma metrópole de fazer inveja às européias (em Paris, quando estive lá, vi que todos os restaurantes fecham às onze horas - situação impossível na capital paulista, coração econômico). Esse é o lado que não é mostrado no geral.

Com muita satisfação o público recebe então um filme como "Divã", ad priori. Como que uma forma de de-sufocar o 'cinema nacional' (que com raras excesções, como essa e talvez a linha Renato Aragão, Xuxa, etc. e o fenômeno Se Eu Fosse Você) tirando do universo da favela-morro, a trama que concatena as cenas; é uma forma de trazer para as telas a classe média, média-alta.

Lília Cabral é uma mulher de meia idade, classe média, meio feliz, meio triste, cujo casamento vai bem nas aparências e no consciente dela mesma, mas que esconde, no subconsciente, uma grande insatisfação.

Temas-tabus, chocantes, são abordados de um modo muito saudável que parece querer deixar tudo em pratos limpos também no mundo do público-alvo (justamente as mulheres de meia idade). Masturbação é discutida, ela fala sem grandes constrangimentos, e transforma em piada o desconforto que isso causa em certas mulheres e em outras. Lília Cabral se masturba pensando em Mel Gibson (índice de nossa dependência imperialista: por que não colocar que a personagem se masturba pensando em Herson Capri, em Marcos Palmeira?) , e sua amiga que estranha um pouco as liberdades da amiga, ao final, morre. Mas não é uma morte punitiva, é uma morte bonita, mais uma forma de aceitar as coisas da vida. Tudo isso acompanhado da figura-chave: o analista.

O analista-espectador (e é aqui que está o pulo do gato: somos nós os analistas, que assistimos á vida da protagonista, pelo olhar filtrado, é claro, mas nós que analisamos e pensamos sobre ela), que sabiamente não aparece em quadro (apenas em uma brincadeirinha final) faz com que Lília Cabral se modifique aos poucos, libertando-se das amarras de sua condição de boa-esposa-classe média. Ela fuma maconha, em ato não-condenado, ela tem um caso -enquanto é casada - com um rapaz mais jovem (o sempre galã Reynaldo Gianechinni), não tem medo de ser vaidoza.

Tudo seria uma amostra de avanços na mentalidade cinematográfica do cineasta brasileiro: sem pretensões de crítica social, mostra uma mulher realmente moderna, e sem que seja criticada por isos, e sim feliz, uma "diva (~)". Mas e qual o sentido verdadeiro do filme?

O público das salas não ri das piadas que são realmente engraçadas. O que chama a atenção e o que faz o público-alvo gargalhar é Lília Cabral fingindo estar corcunda na balada, ela pulando gritando "Tô na vibe!" ou parecendo estar se masturbando (novamente) na cabine do banheiro.

Será que o público então não percebe os verdadeiros avanços e ri das piadas de descarga? Será que todo o progressivismo do filme passará por um simples desfile de roupas classe-média de boutick barata? Temo ser esse o destino deste filme de nossa cinematografia. Se assim for...qual o sentido?

3 comentários:

  1. acho q eu não conseguiria escrever assim.

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  2. Acho que já sei o que entregar para O Calil.

    Divino, tão divino que até...

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  3. Dá vontade de entregar pra ver o que ele diria. Ou melhor: dar como modelo para alguém do primeiro ano.

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