20110506

Sobre Ser um Ser Cultural

PIOTR:

Meus amigos, trabalhar com a criatividade não é fácil, não, não. Não é como trabalhar com os músculos, coisa estafante, sem dúvida, mas que acaba criando calos, digo, não nos músculos, mas nas mãos, de forma que o trabalho acaba... Azeitando? Não, quem me dera ser um trabalhador braçal, pois que o próprio trabalho fortaleceria meus músculos e minha mente ficaria tranquila enquanto meu corpo pegava no pesado. Poderia até, quem sabe, compor alguns poeminhas enquanto carregava as pedras. Nesse sentido, talvez a Sibéria não caísse tão mal, mesmo: um bom tempo para curar a mente e ganhar massa muscular, é. A verdade é que, se a mente funciona enquanto o corpo trabalha, o revés não se aplica. Quando me sento para produzir conteúdo (em suma, é tudo que faço), não posso carregar blocos de concreto, porque, bem, estou sentado. Está aí uma das desvantagens do trabalho intelectual, veja bem, murchamos ou inchamos feito bexigas, e mesmo nossas bexigas enchem-se e esvaziam-se como se não fosse nada, enquanto nossa cabeça quase explode de tanta dor. É, rapazes, não existem calos na cabeça... Dentro dela, quero dizer.

Em suma, é uma responsabilidade tremenda, é exatamente como construir um prédio: caso você use a palavra errada... inexata... A estrutura toda cai, entende? Nesse sentido nosso trabalho é próximo ao do operário, sim, mas só nesse sentido. Invejo quem não tem que tirar leite de sua cabeça para ganhar a vida, entendem? Vocês sentadinhos aí... E eu aqui de pé, e essa obrigação terrível de fazer sentido! Vocês já sentiram esse peso? Garanto que pesa mais do que mil blocos de concreto! Ah, e vocês reclamam de rejuntar as paredes... Queria vê-los aqui, enchendo de rejunte as palavras! Suavidade no discurso, camaradas, levam-se anos para adquiri-la e, numa só partida de uíste pode se jogar tudo por água abaixo. Tudo, até si próprio, porque pensar tanto... Vocês nunca sentiram vontade de se matar só porque o mundo não fazia sentido, não é mesmo? Seus corpos calejados e musculosos... deslizando pelas águas dos rios... suas roupas rasgadas pelos galhos... Já imaginaram? Imagino isso o tempo todo, meus caros! O tempo todo... a morte! Ah, produzir conteúdo (é assim que eles chamam!) é a morte, a gastrite, o tabaco, o álcool, que dureza! Sinto agora mesmo algumas palpitações no baixo ventre. Enfim, pensem bem sobre o assunto antes de escolherem mal seu caminho.

Piotr faz uma pequena reverência e desce do palco. Termina assim o Quinto Painel de Profissões do Colégio Pantomima.

6 comentários:

  1. tirar leite da cabeça na frente de criancinhas sentadas é bonito?

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  2. Retrato da интеллигенция dos dias do passado

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  3. De minha parte, que sorte, sou um trabalhador braçal dos mais braçais e posso desligar minha cabeça para a eventual criação dos péssimos poemas que crio enquanto copio coisas daqui para ali e repito cláusulas, muito embora não me cresçam os músculos por assim o fazer (os calos, los hay).

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  4. tirar leite da cabeça na frente de criancinhas sentadas é pra rir???

    onde vamos parar...

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