20110518

Motivos para escrever


Uma dúvida comum: como reconhecer o que não tem salvação, como saber o ponto exato em que não se pode mais voltar atrás, apagar uma ou duas frases a cada página, acrescentar alguns detalhes que dêem convencimento etc e assim salvar ao menos parte do esforço empreendido? É uma pergunta recorrente, na verdade, mas, em última instância, vazia.
Que diferença faz, afinal, haver salvação? Se nada será salvo! E ainda que fosse, qual o limite do que eu sou capaz de fabricar? Só se sabe pequeno, ridículo, só se sabe que tudo será raso e incongruente, que tudo será pretensioso, no máximo. Exceto que as pretensões são todas igualmente rasas, já que no fundo eu sei que não há futuro algum, que não há resultados a alcançar.
É essa minha salvação.
É como ler um romance maravilhoso e vir ao computador ainda com lágrimas nos olhos e os dedos cheios de promessas, a cabeça atolada da dupla certeza de que é preciso escrever e de que não se poderá fazer nada comparável ao que já existe, ao que foi lido agora. Se não fossem essas leituras, pra que escreveria? E no entanto, são elas mesmas que me tiram qualquer fé. Na mesma medida, se não fosse o conhecimento prévio da não-publicação, a certeza de que não haveria espaço em meio a tudo quanto há, que tudo o que eu escrevo é totalmente desnecessário ao mundo, se não fosse essa salvaguarda, como eu poderia fazer qualquer coisa? Seria obrigado, então, a reler minhas linhas todas e julgá-las e nenhuma sobreviveria – não porque sejam ruins, mas porque nunca serão boas o bastante.
Quando terminei a Ópera, achei que fora o fato de tê-la começado tão cedo, tão antes de qualquer formação, achei que fora esse o motivo principal do meu relativo fracasso. E no entanto, eu quis contar uma história e a contei e tive prazer nisso e posso até dizer que alguém sem muito critério poderá um dia vir a ter prazer em lê-la. Foi, sob muitos prismas, um sucesso, portanto; e um sucesso que eu mesmo já reconheci ao pintar o segundo olho de um Daruma que já nem devia se lembrar do que aguardava. Já minha segunda tentativa de criar uma história longa, por ser um esforço posterior e muito mais consciente de si, esse se sabe desde já fadado ao fracasso absoluto, ao ponto que nem prazer me dá seu escrever. Faço com alguma resignação, no máximo, com alguma raiva, mas, acima de tudo, faço porque sei que posso – e, se posso, é porque sei que dali não sairá nada e ninguém esperará nada, o que me dá a liberdade de que preciso. É assim que eu me sinto capaz de embarcar em desafios maiores única e exclusivamente por entender que não fará diferença, ao final, quando não os vencer.
No fundo, no fundo, nem me dói. Eu escrevo à toa. Só por isso é bom.

2 comentários:

  1. consequencias da deflação da escrita (ah!, os tempos da pele de cabrito e pena dourada, que bobagem); invejo vocês, os literatos.

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