20110525

radiografados

destranco portas


por onde passem presenças


indefinidas


almejam um estar


destranco um primeiro armário

o abro ou rompo

e há lá um feto num pote


é seu aniversario, lhe dizem

e ele permanece calado


às vezes, um farol lá da rua esquadrinha-lhe as formas pálidas, esquálidas. quase sem vida.


o feto, porém, se mexe e olha pra mim. mas não respira bem.

distante e opaco engalfinhando horas parcas, irresolutas.

por quanto vale romper um constante prever em troca do descaramento absoluto, conectivos abissais com um mundo já velho mundo?

não respondo nada

pois há algo de mínimo e bonito naquela presença.

para que: distorcer-se em formas múltiplas?

quilos e quilos de pesos, solavancos, passadas descontinuas que retornam?


Nada diz. Emite sons desencontrados, limítrofes, assobios constantes, de tons que um eu meu decodificicador decodifica.


Noutra porta há uma mulher. ou a imagem de uma mulher de cabelo vermelho grená. linda, multiplica-se por outras portas e janelas, capas de revistas, jornais, sites, jogos de espelhos. conexões já infiltradas nascidas do esgoto. esgotamento de uma lógica crescente, científica.


um cientista louco a radiografa constantemente, cataloga sua vida numa pequena máquina. qual deusa em desejos ancestrais, retrata-se de forma perfeita, egípcia.


mas as seguidas radiografias a deformam. seus olhos agora esbugalhados e escamas crescendo em suas costas. não há desejo de sair pro mundo. integra-se a conjunção contínua. logo um líquido que brota de suas mãos e elas mesmo líquido escorrendo, uma tinta viscosa que esparrama pelas frestas do submundo hostil. acachaparam-na num perfil, um pôster esquecido no fundo do armário, lá onde a luz não chega.


o cientista me olha sem entender: o que vale, em nome do progresso? uma radiografia me atravessa, mas não há sequer alma ali. são marcas de um mundo invisível, mas físico. ossos que crescem em progressão geométrica enquanto ensejamos desejos. - e a alma, além? ele chora e não lamento. funde-se num caminho equilátero, a razão ao o oprimir.



libertar-me-ei daquele asilo de loucos


por onde tudo passa


e onde a luz do dia não é contraponto a nada


constitui apenas


os olhares que dirigem a mim, no mundo


já de saída, outro assobio me lembra outra memória


aquela constituída apenas por sensações.


aquela cor, aquela cor não significa nada,


agradeço ao caos, e vou dormir em paz.





Um comentário:

  1. vocação causona da mente:

    eu li, com toda a certeza do mundo, 3 vezes, até:

    "e não há lá um feto no pote".

    Percebi imediatamente meu erro, mas eu relia e continuava havendo um "não" lá.

    Quase editei o texto para corresponder às minhas expectativas, haha.

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