20100516

Mas que melodia bela é essa, meu Pacheco?

Pacheco terminou o solo no trompete remexendo os lábios, porque fazia uns dias que estava só no contrabaixo. Como é uma região sensível, só isso já deu tempo de ficar com uma estranheza.

“Acho que essa eu nunca tinha escutado você tocar.”
“Ah, já tem uns anos que caiu do repertório. Mas é boa, eu gosto.”
“Como você gosta de tocar?”
“Como assim?”
“É mais com a mão ou com a boca?”
“O que for jazz, bossa, tá valendo.”

Importante dizer que Pacheco verdadeiramente sorriu-se com isso. Ele foi guardar o trompete na maleta num canto. O baixo continuava ainda do lado de fora e com as cordas já perdendo o brilho.
Lia ficou um tempinho em silêncio porque também era legal ver o Pacheco guardando os instrumentos, recolhendo alguns cabos ainda soltos, tirando os amplificadores da tomada.

“E é só isso?”
“O que? Tocar?”
“Não, que você toca.”
“O que mais que existe pra se tocar?”

A Lia lembrou que precisava ligar pra mãe e avisar uma coisa das compras, pegou o celular e saiu. Isso deu tempo pro Pacheco terminar de fechar sozinho o estúdio. Faltavam: ar-condicionado, que foi desligado mas mais umidificava que qualquer coisa; computador; o som tirou-se da tomada. Por instinto Pacheco pegou um pacote de CDs virgens pra levar pra casa enfiado na pasta. Recolheu trompete, deixou o baixo lá mesmo, bateu a porta e trancou. Abriu de novo porque esqueceu do afinador pro José, que tinha pedido.

E de trás da porta saíram Goran Tortavic, Jan Kormeca, Ilja Paracov e Grande Elenco a tocar Kalasnjikov! O trompetista era Paracov e jogou Pacheco no chão enquanto terminava a ponte que levava ao refrão e foram-se em opa, e foram-se em opa, e foram-se em opa e OPA!

A Lia voltou assustada. Pacheco levantou-se do chão, com o mindinho possivelmente quebrado. Lia até choramingava um pouquinho, meio emocionada, mas aí ele tirou o trompete da maleta, arremessou-o com força pro alto e ele bateu na lâmpada,
catouô baixossem capa trancou tudde novo
e foram-se em opa, e foram-se em opa, e OPA!

Mas afinal, o que havia-se de fazer?

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