O gorila Zé Moleiro perdeu um dente comendo côco. Mandaram, a mando do guarda-jaula, chamar um dentista que pudesse fazer implante. De forma alguma encontrar um odonto seria problema, mas o diretor do zoológico chiou. Zé Moleiro permaneceu banguela, entristecido.
Quando começou a sentir mais falta, olhou primeiro para o seu dedo mais portentoso. Unha portentosa também, perigo a vista... mas Zé Moleiro era curioso e no buraco escavado aprumou o dedão, que machucou a gengiva.
Aí sim, sentiram que ele afligira-se. Não havia uma única bananeira na propriedade de Zé Moleiro, a “jaula” assim dizem, e bananas só em rações periódicas. Zé pensara em estancar o buraco com uma massa mastigada e ele ficou bem, bem irado ao se ver sozinho e desolado.
Quebrou as barras, desculpou-se com seu zelador Pedro e fugiu de vez, aputecido com o descaso e louco por algo que lhe estancasse a dor. Chupou um sorvete que pegou na padaria e com isso se viu calmo o suficiente a buscar um dentista.
Dr. Bicudo o recebeu sem constrangimentos maiores, apenas um incômodo causado pelo bafo de Zé. O procedimento foi simples e no final os dois se sentaram para uma conversa informal. Zé Moleiro expressou suas convicções, especialmente àquelas referentes a administração e Bicudo ouviu atento, pois eram poetas.
- Mas...veja bem, Moleiro – disse enquanto se reclinava e passou os dedos na coxa, para tirar alguns fiapos – Alguma vez pediram ou disseram que a função sua seria exibir os dentes? Não é fato que sua graça está antes no movimento pela jaula e similitude conosco? Por que haveria o diretor de gastar bom dinheiro público em dente que ficaria – se o Sr. se comportasse com o decoro exigido – oculto na maior parte do tempo? O senhor é vaidoso! Vaidoso e egoísta! Um vaidoso mimado! Deveria arrancar-lhe de volta o pivô e puxar mais alguns em companhia! Ladrão vaidoso!
O doutor balançou as mãos e cadeira enquanto percebia o quão patife ele parecia, ali querendo consertar o que não precisa ser consertado, e seu ataque foi feito com orgulho cívico e um pouco de medo (afinal, era um gorila); não obstante, Zé Moleiro absortou-se em alguma vergonha – pois também tinha algo de Homem - e saiu, honesto, desapontado. Ao dobrar esquina, cravou os molares numa moça de bijuteria e perdeu todos eles e ela; viu o pivô incrustado (que gorila usa pivô?) ali no pescoço caído da moça que era bonita mas não forte o suficiente e, criminoso, voltou-se à jaula.
Enquanto isso o doutor se levantou, passou os olhos pelos livros do consultório na estante como que para mostrar erudição e em pose acabou tendo que sorrir para si mesmo e olhar para os lados. Triunfo em haikai!
macaco safado
mostra sua malvadeza
metendo no bolso
20101025
Gorila Zé Moleiro
isto é:
ecologia,
gorila,
haikai,
honestidade,
humanidade,
justiça,
mundo animal,
sociedade aleatória,
Swordfishtrombone,
zoologia
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Foi bom reler esse!
ResponderExcluirEm tempo, digo: é uma vergonha o abandono e a falta de movimento e de camaradagem aqui dos Cabaços.
Pois é, estamos todos nós acabrunhados. Precisamos é de um movimento pra rebuliçar isso aqui - Patsy, Patsy Walker.
ResponderExcluirTaí a principal diferença entre gente e gorila.
ResponderExcluir