e andava e andava até chegar a uma sala maior do que seu apartamento. Havia grama no chão e uma estátua grega e um homem negro sentado, fumando. Ela se aproximou e os dois começaram a conversar.
Quando tinha doze anos, Sara sonhou com o avô que morrera no ano anterior. Ela acordou sorrindo e pensou em ligar para ele até que a realidade veio e ela chorou por horas. A partir de então é que desenvolveu uma técnica para não mais confundir seus sonhos com realidades. Desde aquela noite, dormindo ou acordada, Sara sempre se pegava analisando a situação em que se encontrava e procurando elementos impossíveis, que denunciassem que estava sonhando. Em outra noite, sonhara que estava em um jantar de família e de novo o avô aparecera. Não era tão estranho que o avô estivesse lá, apesar de morto, porque nos sonhos essas coisas são simplesmente aceitas como verdade. Mas ela sabia que os jantares de família aconteciam sempre na casa de sua tia materna e que o avô desprezava essa tia desde 1992, quando ela se casara com um pintor ao invés de um advogado. Toda a família o havia tentado convencer de que a rixa era infantil e infundada, mas o velho nunca mais pisara na casa da filha, e foi a primeira vez em que a técnica de Sara lhe serviu para deduzir que a cena simplesmente não podia ser real.
Agora, enquanto conversava com o homem que nunca conhecera, Sara percebia que o tanto que ele sabia sobre ela mesma não era normal, e sua mente automaticamente começou a procurar elementos que denunciassem que a conversa se tratava de um sonho. Eles estavam no topo de uma colina impossivelmente alta, em um chalé de madeira com uma chaminé. A visão vertiginosa era um bom indício, mas foi o fogo aceso no verão que a levou a acreditar que nada daquilo era real. Depois ela percebeu que era fevereiro e que naquela época ela ainda estava em Araraquara, mas que o homem falava de coisas que só viriam a acontecer em São Paulo.
Isso é um sonho, ela disse, e o homem, que se chamava Marcos, concordou com a cabeça. Você não pode estar aqui, ela acusou. Marcos, porém, acendeu um cigarro e se sentou em uma poltrona velha e olhou para ela rindo. Não, ele disse. Essa é a minha casa, pelo menos em um certo sentido. Você é quem não pode estar aqui.
E então, ele acordou.
Eu não sei por que, mas "...e o homem, que se chamava Marcos," me fez dar muita risada.
ResponderExcluirQue tuíste, hein!
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