20090413

Eu tinha vinte e cinco anos

e estava elaborando uma tese de mestrado em Letras com um professor especializado em línguas mortas do sul da Ásia de forma que foi por acaso que eu fui parar nas escavações dos templos cambojanos. Eu não sabia muito bem o que aquilo podia ter a ver com minha monografia até que descemos do aeroporto e ouvimos as explicações em inglês afetado e vimos um dos antropologistas correndo com uma foto de uma das paredes desenterradas, em que estava escrito em letras de pedra semi-desgastada, mas ainda nítida:

AOS SÁBADOS, FORRÓ UNIVERSITÁRIO

Nós dois, eu e o professor, ficamos olhando abismados, enquanto procurávamos uma explicação indizível para um povo de cinco mil anos atrás do Camboja escrevendo uma frase que nos parecia claro e inequívoco português. Passamos lá cinco anos até descobrir nosso erro.
Somente depois de acharmos centenas de fragmentos de textos, percebemos que não havia lá, na verdade, uma única palavra em português e por isso é que aquilo era tão importante e bonito, porque se tratava de uma língua totalmente diferente e alheia ao nosso entendimento, que, no entanto, tinha as mesmas combinações de letras que o português. Não sei que acaso absurdo levara àquilo, mas cada palavra escrita por aquele povo coincidia com palavras de nosso vernáculo sem que as línguas se confundissem: embora escritas iguais, as palavras tinham significados totalmente distintos.
Deus, que trabalhoso perceber isso! Quanto ainda não aumentou nosso assombro! De todas as infinitas combinações de infinitos possíveis símbolos, como duas histórias e dois povos e duas realidades poderiam levar a escolhas iguais? E por que diante do assombro dessa coincidência nos espantava que fossem somente os desenhos que se igualavam, quando na verdade os significados de cada palavra eram totalmente diferentes? Escreviam “bicicleta” e significavam “terremoto”; escreviam “geografia” e significavam uma espécie de condição climática para a qual sequer temos uma palavra.
Imagino que o ocorrido torne prescindíveis explicações quanto à minha dedicação integral, pelos quarenta e três anos que se seguiram, ao estudo dessa enigmática língua. Foram quarenta e três anos em que abandonei meu país e minha família, em que me esqueci dos planos que tinha e em que passei cada dia assombrado e admirado. E foram quarenta e três anos que me valeram para, enfim, dominar completamente a língua falada por aquele povo.
Prova disso é agora eu adotá-la para redigir esse texto.

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